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19 de janeiro de 2009

RIO TAMANDUATEÍ - "UM RIO SÓLIDO" (ABC-SP)

A Várzea do Carmo em fins do século XIX. O vale do Rio Tamanduateí era acessível e aproveitável por todos os habitantes.

Poluição compromete o rio Tamanduateí

Isis Mastromano Correia
Do Diário do Grande ABC - 18/JAN/2009

Um rio navegável e harmonioso. Adjetivos contraditórios quando se descobre que é assim que os órgãos governamentais classificam oficialmente o Tamanduateí. A partir de hoje, o rio será tema de uma série de reportagens do Diário.

Tentamos percorrer o rio em um barco do Corpo de Bombeiros e uma das constatações é a de que o Tamanduateí angariaria o exótico título de rio sólido, se a qualificação existisse.

A lâmina d'água não passa de 40 centímetros, impossibilitando seu uso como hidrovia. Quase toda sua água é escoada junto com o esgoto e não há mais margens suficientes para reter a chuva e devolvê-la ao rio pelo lençol freático.

No Brasil, todas as águas doces, salobras e salinas são definidas conforme seu uso preponderante. Ao rio que cumpriu importante papel na formação das cidades do Grande ABC e da Capital restaram os usos que o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) define como os menos exigentes que as águas fluviais podem ter.

O Tamanduateí, que na região passa por Santo André, São Caetano e Mauá, pertence à chamada classe 4, que é a mais baixa classificação das águas doces, que podem cumprir tarefas nobres como abastecimento domésticos, recreação, irrigação de plantações e preservação da fauna e flora aquática.

O rio de muitas curvas, como era chamado o Tamanduateí pelos índios, está tão distante dos usos mais notáveis quanto o de cumprir o papel de ser navegável e harmonizar a paisagem urbana.

Muito trabalho terá de ser feito para que suas águas possam de fato ser percorridas.

Apesar de sua classificação, o Tamanduateí tornou-se o maior canal de esgoto a céu aberto do Grande ABC. Hoje, pelo menos 75% da água que se vê correr é de puro dejeto.

Mesmo assim, a definição das águas não pode ser alterada para um nível inferior, conforme regulamentação da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo) e só o Comitê de Bacia do Alto Tietê pode mudá-lo de posição.

"O rio é navegável? Vai se navegar no esgoto?", questiona o presidente do MDV (Movimento em Defesa da Vida), o ambientalista Virgílio de Farias. "Adequa-se a classe da água ao interesse político."

A maneira como o rio é hoje utilizado era manifestada de forma escancarada no passado. Na década de 1950, existia a classe 5, quando a legislação considerava a possibilidade de existir escoadouros naturais de esgoto. Era essa, justamente, a função do rio. A mesma que, 58 anos depois, continua a prestar.

Com o passar dos anos e o sem número de leis que regulam a atuação da sociedade sobre os meios naturais, a definição, que hoje seria considerada anti-ética, caiu por terra, apesar de a própria realidade do rio estar fora de qualquer princípio de preservação.

Para ser navegável rio depende de obras públicas

Para o diretor da Hidrostudio, empresa que atua no campo de recursos hídricos e drenagem urbana, Aluísio Pardo Canholi, a classificação dada ao Tamanduateí é incompatível.

"Não é navegável porque tem alta declividade, alta velocidade e lâmina d''''água sempre muito baixa", explica. "Há ainda a questão crucial das enchentes. Você não pode fazer nada dentro do rio hoje que possa eventualmente reduzir sua capacidade de vazão."

Canholi, que coordenou o Plano Municipal de Macrodrenagem de Santo André, em 1998, explica que o rio pode voltar a ser navegável, como foi até o início do século passado, mas isso, se o poder público investir em obras.

Para o especialista, barragens móveis poderiam ser construídas ao longo do rio para que a água pudesse ser retida nos períodos de seca e evacuadas na época das cheias.


"Isso é feito em vários rios europeus", explica Canholi. "Mas, para iniciar qualquer obra teria de definir primeiros que tipo de navegação teríamos ali, para recreação ou para transporte, por exemplo", argumenta.

Para aumentar a quantidade de água do Tamanduateí, Canholi sugere que as ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) sejam distribuídas ao longo do curso das águas para que o esgoto tratado seja devolvido ao rio de maneira uniforme em todos os pontos de sua calha.

"Se os esgotos parassem de ser jogados no rio, haveria vários trechos com vazão próxima de zero. Só a região do Córrego dos Meninos teria mais água pela proximidade da ETE-ABC", fala o engenheiro.

Falta água para navegar no Tamanduateí

"Enquanto me preparo, o sargento do Corpo de Bombeiros José Luiz Zago, um especialista em salvamentos em rios e enchentes, me diz que ‘de fora é uma coisa, lá dentro vai ser outra bem diferente''''. Parecia um tanto irreal, afinal, qual seria o segredo de saltar em um barco e remar dentro do Tamanduateí?

Galochas, capacete e bóias a postos, me ponho a descer a margem do rio pela Rua Cineasta Glauber Rocha, rua próxima ao Mauá Plaza Shopping, no Centro da cidade. Até ali, nenhum frio na barriga que pudesse antever o que se passaria nas horas seguintes da manhã da última quarta-feira.

Pronto, todos estavam dentro do barco. O sargento, o tenente dos Bombeiros, Gilson Carlos de Oliveira, o fotógrafo Nario Barbosa e eu.

E logo na primeira remada, ou naquela que depois eu entendi que foi somente a tentativa inicial de se remar ali, tive a revelação mais estarrecedora que se pode ter estando sobre um rio: ele não tem água.

Pois é, o Tamanduateí, por vezes assustador visto lá de cima, sobretudo em dias de chuva forte, não passa de 40 centímetros de profundidade. Isso porque na madrugada anterior à nossa incursão pelas águas havia caído um verdadeiro pé-d''''água.

Depois de tentar nos desencalhar por pelo menos cinco minutos, o sargento Zago, à frente do barco todo o tempo, cedeu. Os remos se tornaram acessórios desnecessários para quem teve de puxar pelos braços a embarcação de, pelo menos, 400 quilos durante quase todo nosso caminho.

E a cada cinco minutos, para ser bem otimista, encalhávamos em alguma ilhota formada de carpetes, pneus, chinelos, roupas, garrafas e claro, fezes. Em tamanha quantidade diluída nas águas que era melhor nem pensar muito.

Mas era difícil. A cada gotícula respingada em cima das partes descobertas de nosso corpos, o cérebro mandava o alerta vermelho de que ali coliformes fecais e toda sorte de micróbios fariam a festa às nossas custas. É justo, afinal tudo o que hoje está depositado no rio não pertence a ele. Foi despejado ali por nós mesmos.

Dois quilômetros e meio em três horas

"De fato, o rio não é naturalmente navegável. Para percorrer cerca de 2,5 quilômetro demoramos nada menos do que três horas (das 11h às 13h, aproximadamente).

Foi o tempo que levamos do Centro de Mauá até a área da Recap (Refinaria Capuava), em Capuava, um caminho que de carro estamos acostumados a fazer em 15 minutos.

E, se para os índios o rio era considerado de muitas curvas, hoje, devido às mil e uma influências do progresso, ele está retilíneo.

Do início ao fim, o barco foi absolutamente instável dentro da água. Quem já andou em alguma embarcação deve saber o enjoo que se sente.

Mas, a sensação característica desse tipo de viagem, somada ao cheiro descomunal de fezes e lixo e ao sol a pino daquela manhã estavam quase me transformando em uma vítima a ser salva pelos dois bombeiros do que em um dos sujeitos daquela história toda.

Os efeitos do passeio me perseguiram até o dia seguinte. Náusea , dor de cabeça, mal-estar...

De cima, aqueles coletores que despejam esgoto no rio não parecem tão grandes quanto quando são encarados. Estávamos há cinco metros abaixo do nível das ruas. Um outdoor ou outro nas margens nos dava pista do nosso paradeiro.

Os famigerados ratos não deram as caras nas horas em que estivemos dentro do rio. Já as baratas, boiavam aos montes.

Em uns 40 minutos de viagem, tivemos de descer do barco e pisar nas águas para colocar a embarcação no rumo novamente. A cena se repetiu na favela do Oratório, em Mauá, quando não só tivemos de desembarcar como escalar a margem, atravessar um trecho pelos barracos e alcançar o barquinho em outro ponto do Tamanduateí.

Como o fundo do rio é formado pelos detritos oriundos de entulho, a canopla de um dos remos não resistiu a tamanho trabalho - o de afastar a terra e a areia para nos dar passagem pelo leito - e quebrou.

A nossa intenção era seguir até São Caetano, mas certamente, demoraríamos umas oito horas. Consideramos a missão cumprida quando, com muito custo, chegamos nas dependências da Recap."


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