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26 de novembro de 2009

TRATA BRASIL ENTREVISTA PRESIDENTE DA ANA SOBRE CENÁRIO DO SANEAMENTO NO BRASIL


Destaque • Presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) • José Machado

José Machado, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), é dono de uma biografia brilhante. Economista, fundador do Consórcio Intermunicipal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba e Capivari, prefeito de Piracicaba (SP), por duas vezes, entre outras atividades já exercidas. Prestes ao encerramento de seu mandato, em dezembro de 2009, avalia com preocupação o déficit do saneamento no Brasil.

ITB News – Qual é a avaliação que a Agência Nacional de Águas (ANA) faz do atual cenário do serviço de saneamento no Brasil?

José Machado – A ANA vê com preocupação a atual realidade do saneamento no Brasil, principalmente no que concerne à coleta e ao tratamento de esgotos sanitários. Ainda há um enorme déficit nesse serviço o que, segundo estudos da ANA, constitui-se na principal causa de poluição dos corpos hídricos no País. Os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) evidenciam que a universalização dos serviços de saneamento no Brasil ainda é uma realidade distante e que dificilmente o País cumprirá as Metas do Milênio de reduzir pela metade até 2015 o déficit dos serviços de água e esgoto. Entretanto, há razões para ser otimista. Uma delas é o fato de que, em 2007 (dez anos após a instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos), foi aprovado um novo marco legal para o saneamento, com o estabelecimento de diretrizes nacionais e de uma política federal para o desenvolvimento desse setor. A outra que posso mencionar é que há evidências claras de uma forte retomada de investimentos em saneamento. Segundo o Ministério das Cidades, de 2003 a 2007, houve um aumento de cerca de 80% nos níveis de investimento público em saneamento básico.

ITB News – O que necessita ser feito do ponto de vista regulatório, estrutural e econômico para que o saneamento básico seja ampliado e universalizado no Brasil?

José Machado - Do ponto de vista regulatório, é fundamental que os municípios – titulares dos serviços de saneamento – elaborem os seus planos municipais de saneamento, com metas claras para a expansão e melhoria da qualidade dos serviços. Esses planos serão instrumento indispensável para que as entidades reguladoras – a serem definidas pelos próprios municípios – possam exercer suas funções de forma transparente e independente do poder público local, conforme preconizado pela Lei 11.445/2007 que instituiu as diretrizes nacionais para o saneamento básico. É importante que esses planos municipais sejam concebidos em perfeita harmonia com os próprios planos diretores municipais, que orientam o processo de ocupação territorial, e com o planejamento de recursos hídricos da bacia hidrográfica na qual os municípios estão inseridos. Do ponto de vista estrutural e econômico, é necessário não somente a ampliação dos níveis de investimentos, mas também que velhos paradigmas sejam quebrados. Para isso, é necessário buscar soluções inovadoras para garantir um gasto público mais eficiente e a sustentabilidade operacional dos investimentos financiados com recursos públicos. Um exemplo de avanço nesse sentido é o Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas (PRODES), instituído e coordenado pela ANA e que incentiva novos investimentos em tratamento de esgotos de uma forma diferenciada: em vez de financiar obras, paga por resultados, ou seja, paga pelo alcance de metas de redução da poluição.

ITB News – Como a falta de saneamento tem afetado a disponibilidade e a qualidade da água dos nossos rios? A água é um bem natural finito. Até que ponto a falta de saneamento poderá comprometer o acesso da população brasileira à água? Hoje já existem regiões criticas em termos de abastecimento?

José Machado - Segundo estudos da própria da ANA, a carga poluente dos esgotos domésticos não tratados se constitui na principal causa de poluição dos corpos hídricos no País. Em alguns casos, dependendo do nível de poluição, o impacto na qualidade de água pode tornar impeditiva a sua utilização para fins mais nobres como o abastecimento humano. Daí são necessários novos investimentos para se buscar água de outras fontes mais distantes, a um custo cada vez maior para a população. Em relação às regiões críticas em termos de abastecimento de água no País, os casos mais críticos são aqueles situados no semi-árido, em razão das próprias condições climáticas daquela região, e as bacias densamente povoadas no Sul e no Sudeste. Nessas últimas, além do crescimento da demanda, observa-se por vezes uma crescente restrição na oferta, não por condições naturais como ocorre no Nordeste, mas em decorrência da ocupação rápida e desordenada dos centros urbanos, que avançam sobre áreas de preservação de mananciais de abastecimento e acabam, por fim, inviabilizando o aproveitamento hídrico. A ANA está finalizando os estudos do Atlas Regiões Metropolitanas e Atlas Sul e a atualização do Atlas Nordeste, lançado inicialmente em 2005. Esses estudos serão expandidos para território nacional e, com isso, serão um valioso subsídio para orientar os investimentos públicos em abastecimento de água e tratamento de esgotos.

ITB News – Qual é a relação que a ANA faz da combinação entre recursos hídricos ou disponibilidade de água, saneamento, meio ambiente e saúde?

José Machado - Todas essas áreas guardam uma íntima relação entre si. A ausência de serviços de saneamento compromete a qualidade do ambiente e, uma vez contaminados, as águas e os solos passam a se constituir em importantes vetores transmissores de doenças, comprometendo, assim, a saúde pública em uma região não assistida por saneamento. Sabe-se, por exemplo, que investimentos em saneamento permitem economias significativas nos gastos em saúde, da ordem de três a quatro vezes o valor investido.

ITB News – Em maio de 2009, a ANA e o ITB firmaram um termo de cooperação técnica. Como esse termo poderá fomentar investimentos e aumentar a disponibilização do serviço de saneamento básico no Brasil?

José Machado - Por meio da sensibilização e da capacitação das comunidades que forem trabalhadas nos projetos a serem desenvolvidos dentro do acordo, o que gerará a mobilização no sentido de verem atendidas as reivindicações para a implementação dos sistemas de esgotamento sanitário, com a consequente melhoria das condições das águas dos mananciais e da qualidade de vida das populações. As ações decorrentes do acordo não produzirão investimentos diretos tocados pelo próprio acordo, mas induzirão para isso, a partir de pressões que serão maximizadas pela maior conscientização das comunidades que forem sensibilizadas.

ITB News – Como o senhor enxerga a participação da população na discussão a respeito da ampliação, e consequente universalização, do serviço de saneamento no Brasil? Há espaço para um maior engajamento? Como?

José Machado - A participação da população na discussão do saneamento ainda é muito pequena. A própria pesquisa feita pelo ITB revela que um terço da população ainda não sabe o que é saneamento básico. E uma das formas de ANA contribuir para uma mudança nesse cenário é ter iniciativas por meio de parcerias estratégicas voltadas para a capacitação. Além do acordo com o ITB, a ANA também tem acordos de cooperação com outras entidades não-governamentais para também desenvolver iniciativas voltadas para a capacitação e conscientização da preservação dos recursos hídricos. Recentemente formalizamos um acordo de cooperação técnica com o WWF-Brasil com o objetivo de unir esforços em prol da capacitação voltada para a preservação dos recursos hídricos. Outra parceria firmada nos mesmos moldes é com a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). O acordo de cooperação técnica com a ABES faz parte de várias iniciativas que ANA está desenvolvendo no sentido de unir esforços com entidades de peso para desenvolvermos em conjunto ações para a capacitação em recursos hídricos e saneamento de forma a garantir uma melhoria significativa na qualidade de vida das pessoas. O uso da água de forma sustentável pelos cidadãos urge como uma mudança comportamental e cultural dos padrões atuais e, unir esforços em prol desse objetivo, é fundamental.

ITB News – Hoje, o nível médio de coleta de esgoto no Brasil é de 50%. Por que, na avaliação da ANA, o serviço de saneamento nunca avançou com a velocidade necessária e tampouco foi encarado como prioridade no País?

José Machado - Isso se deve ao fato de que, principalmente a partir da segunda metade do Século XX, os investimentos em saneamento de modo geral não acompanharam o acelerado processo de urbanização que ocorreu no país. Diante das demandas crescentes e das limitações de recursos financeiros, os prestadores dos serviços públicos de saneamento, priorizam o abastecimento de água – haja vista que esse serviço constitui a principal fonte de receita operacional desses prestadores e os seus benefícios são mais facilmente percebidos pela população atendida. Dessa forma, os investimentos em coleta e tratamento de esgotos, tão fundamentais para a proteção da saúde pública e do meio ambiente, acabaram ficando relegados para um segundo plano.

ITB News – Há discussões iniciais em torno do uso dos recursos que virão com a exploração do petróleo encontrado na camada de pré-sal. A ANA entende que parte desse montante a ser gerado também não poderia constituir um fundo que pudesse viabilizar a universalização do serviço de saneamento no Brasil? Por quê?

José Machado - Esse tema está sendo discutido agora no Congresso Nacional. Acho muito problemático inserir os investimentos na área de saneamento como outro destino para os recursos do Fundo do pré-sal, para não se incorrer no risco de pulverização do mesmo. Não há dúvida, porém, que é necessário se garantir uma fonte segura e sustentada de recursos financeiros para os investimentos na área de saneamento, em complementação aos que já provém do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).


FONTE: TRATA BRASIL


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