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12 de janeiro de 2010

AS TRAGÉDIAS QUE SE REPETEM

Deslizamento em Angra dos Reis (RJ) - Foto Portal IG


VIDAS SOTERRADAS

Álvaro Rodrigues dos Santos*

Como um “carma” já desgraçadamente internalizado pela sociedade brasileira, especialmente por suas autoridades públicas e privadas e por sua mídia, repetem-se anualmente à época das chuvas mais intensas as tragédias familiares com terríveis mortes por soterramentos. A dor e o sofrimento causados por essas tragédias expressam uma crueldade ainda maior ao entendermos que poderia ser plenamente evitadas.

Há casos de edificações associadas à classe média e à classe rica cometendo erros elementares na ocupação de relevos acidentados, e colhendo por isso conseqüências trágicas, mas predominantemente os desastres mais comuns e fatais estão vinculados a escorregamentos em encostas de média a alta declividades ocupadas habitacionalmente pela população pobre de nossas grandes e médias cidades, Rio, Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Recife, Petrópolis, Nova Friburgo, Campos do Jordão, Ouro Preto, Cubatão, Guarujá, Angra dos Reis, Caraguatatuba, enfim, todas as cidades brasileiras que de alguma forma avançam sobre regiões serranas tropicais.

A exemplo das enchentes, das quedas de barreiras em nossas estradas, dos rompimentos de barragens, dos diversos e cada vez mais comuns acidentes em obras de engenharia, tudo continua se passando como se definitivamente e estupidamente decidíssemos não considerar que nossas ações sobre os terrenos naturais interferem com uma natureza geológica viva, que tem história, leis, comportamentos e processos dinâmicos próprios; natureza geológica que uma vez desconsiderada e desrespeitada responde procurando, à sua maneira, recompor-se dos desequilíbrios que lhe foram impostos. Os escorregamentos representam exatamente isso, a natureza geológica procurando novas posições de equilíbrio.

Para uma mais precisa compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.

Frente ao ponto de vista estritamente técnico, e aí se ressalta o descompromisso das administrações públicas e privadas envolvidas, vale afirmar categoricamente que não há uma questão técnica sequer relacionada ao problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada pela Engenharia Geotécnica e pela Geologia de Engenharia brasileiras, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas, tanto no âmbito da abordagem preventiva como da corretiva. Cartografia Geotécnica (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras de contenção mais adequadas, projetos de ocupação urbana apropriados a áreas topograficamente mais acidentadas, Cartas de Risco, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil, e tudo o mais que se refere à questão, são parte do ferramental que o meio técnico brasileiro abundantemente já produziu e disponibilizou à sociedade para o enfrentamento do problema.

No que concerne às componentes sociais, políticas e econômicas do problema, é essencial ter-se em conta que a população mais pobre, compelida a buscar soluções de moradia compatíveis com seus reduzidos orçamentos, tem sido compulsoriamente obrigada a decidir-se jogando com seis variáveis, isoladas ou concomitantes: grandes distâncias do centro urbano, áreas de periculosidade, áreas de insalubridade, irregularidade imobiliária, desconforto ambiental, precariedade construtiva. Somem-se a isso loteadores inescrupulosos, total ausência da administração pública, inexistência de infra-estrutura urbana, falta de sistemas de drenagem e contenção e outros tipos de cuidados técnicos, etc. Ficam assim diabolicamente atendidas as condições necessárias e suficientes para a inexorável recorrência de nossas terríveis tragédias geotécnicas.

Ou seja, em que pese a necessidade dos serviços públicos melhorarem em muito sua eficiência técnica e logística no tratamento do problema “áreas de risco”, não há como se pretender resolver esta questão somente através da abordagem técnica. A questão também remete pesadamente para a necessidade de programas habitacionais mais ousados e resolutivos, que consigam oferecer à população de baixa renda moradias próprias na mesma faixa de custos em que ela as encontra nas situações de risco geológico. Esses programas habitacionais poderiam reunir virtuosamente dois casos técnico-sociais de comprovado sucesso: o lote urbanizado e a auto-construção tecnicamente assistida.

A auto-construção foi o método construtivo espontaneamente adotado pela própria população de baixa renda e que maior sucesso alcançou no atendimento de suas carências habitacionais, mesmo sem assistência técnica alguma ou qualquer outro tipo de apoio. Hoje, as periferias de nossas grandes cidades são verdadeiros oceanos de auto-construções. Com certeza, um programa desse tipo, diferentemente dos programas mais clássicos, seria capaz de atender com habitações dignas e fora de áreas de risco, com razoável rapidez, centenas de milhares de famílias de baixa renda em todo o país.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

· Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia

· Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”

· Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente


SOBRE O ASSUNTO, VEJA TAMBÉM: "TRAGÉDIA ANUNCIADA" - Estadão

INSTITUTO SOS RIOS DO BRASIL
Divulgando, Promovendo e Valorizando
quem defende as águas brasileiras!
ÁGUA - QUEM USA, CUIDA!

2 comentários:

  1. Prof. Elizabeth Pavani - SP13 janeiro, 2010 11:24

    Muito bom esse artigo do Dr. Álvaro e fala muito bem das tragédias e mortes que poderiam ser evitadas.

    A maioria das pessoas que sofrem perdas do pouco que tem, dos seus barracos e casas improvisadas nos morros e margem dos rios são pessoas pouco esclarecidas, imigrantes do interior e sem outra condição de moradia digna e decente.

    Acho que vocês do IPT, da USP, do Governo,das Prefeituras, da mídia, da imprensa poderiam fazer uma ampla campanha de orientação para essas pessoas pouco esclarecidas que constroem suas moradias em qualquer lugar e colocam em risco suas vidas e de suas famílias.
    Fica aqui o meu apelo. Vamos cuidar melhor da pobre população de nossa maravilhosa São Paulo, a maior cidade da América do Sul.

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  2. Prof. Jarmuth - ISOSRiosBr13 janeiro, 2010 14:47

    O Geólogo Álvaro é um grande colaborador do nosso Blog e nosso "consultor voluntário", especialista em assuntos de geologia e hidrografia.
    Tem uma ampla ficha de bons trabalhos prestados do IPT da USP, na participação de vários estudos sobre a Serra do Mar e problemas geológicos diversos em nosso Estado. Também é autor de vários estudos e livros técnicos de geologia, mas atualmente não está mais no IPT.
    Concordamos com a Profª Elizabeth que é preciso orientar melhor através de campanhas e divulgações dirigidas especialmente às populações mais pobres que ocupam áreas inundáveis ou encostas de média e alta declividade, com residências precárias.
    Como leigos, ousamos dar nosso parecer, no sentido que cabe a cada comunidade (governo municipal, sociedade civil organizada, voluntários da Defesa Civil, ambientalistas, educadores, jornalistas e comunicadores dos jornais, radios, TVs, sites e blogs)criar dispositivos locais visando orientar essas pessoas que ocupam essas áreas de risco.
    Se formos esperar as ações do governo, da Universidades e outros organismos como a colega professora sugere, muito pouco será feito.
    Cabe a nós que trabalhamos com a Educação Ambiental liderar e mobilizar os meios de cada comunidade para que essa orientação e até mesmo proibição de uso das áreas de risco sejam feitas.
    Nós do Blog SOS Rios do Brasil procuramos dar nossa colaboração nesse sentido, através de campanhas, orientações, publicações de alertas, artigos como do amigo Álvaro e debates sobre o assunto nos fóruns ambientais.
    Cada comunidade unida e voltada para a solução de seus problemas ambientais poderá conseguir muita coisa e salvar preciosas vidas! SEJAMOS PROATIVOS!!!

    PROF. JARMUTH ANDRADE

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