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10 de julho de 2010

CÓDIGO FLORESTAL: NÃO É NO GRITO QUE SE GANHA ESSE JOGO


Código Florestal

Vilmar S. D. Berna


Não é no grito que se ganha esse jogo



Qualquer pessoa honesta sabe que o atual Código Florestal precisa ser revisto para se adequar a uma nova realidade, onde o desafio não está mais no desenvolvimento crescente e ilimitado, mas no desenvolvimento com sustentabilidade. Entretanto, ninguém vai ganhar esse jogo no grito.

Estamos ainda nos primeiros minutos do primeiro tempo do jogo pela mudança no Código Florestal. Em 07/07/2010 o que se aprovou não é o novo Código Florestal, como tem anunciado apressadamente a imprensa não especializada em meio ambiente, mas apenas uma proposta, uma espécie de bola que foi colocada em campo pela Comissão Especial que aprovou o assunto, mas que ainda terá de ser arredondada, primeiro no plenário da Câmara dos Deputados, para onde vai agora. Depois, a bola ainda meio quadrada segue para o Senado, onde naturalmente receberá emendas a fim de aparar algumas arestas, principalmente no que diz respeito ao novo papel proposto para os Estados. E aí, a bola volta para a Câmara dos Deputados, para apreciar as emendas. E assim sucessivamente, até que o texto final, aprovado pelo Congresso Nacional, siga para o Planalto, para ser sancionado pelo Presidente da República, que poderá ouvir o Ministério do Meio Ambiente e outros órgãos afins, e a bola ainda poderá ser novamente arredondada através de vetos parciais, ou a Presidência da República pode até mesmo tirar a bola do jogo, vetando o projeto em sua totalidade.

Assim, em bom português, ainda estamos longe do fim desse jogo, onde o papel da torcida será fundamental para influenciar os jogadores. Está circulando um abaixo-assinado que já enviou mais de 160.000 assinaturas para o Congresso Nacional, tem mais 40.000 para enviar, e a tendência é crescer, pois a sociedade não aceitará facilmente que se perca no grito, de uma hora para outra, décadas de conquistas pelos direitos ambientais. A REBIA (Rede Brasileira de Informação Ambiental) tem procurado manter o seu público bem informado sobre o passo a passo desse jogo, através do Portal do Meio Ambiente e da Revista do Meio Ambiente, apresentando tanto as opiniões e informações de um lado do jogo quanto do outro, democraticamente, como deve ser.

Este debate sobre o novo Código Florestal tem colocado em lados opostos ruralistas e ambientalistas, como se o desenvolvimento humano fosse incompatível com a preservação da natureza. Trata-se de um falso debate, que não leva em conta a realidade. Sem agricultura as pessoas morrem de fome.
Sem cuidados ambientais, quem fica no prejuízo são os produtores rurais com a perda de fertilidade do solo, aumento de pragas, erosão, assoreamento de mananciais.

Para alguns que acham que apenas os seres humanos têm direitos ambientais, este debate parece meio sem propósito. Podem estar pensando: 'tanto barulho só por que tiramos umas arvorezinhas que não tem o menor direito de permanecer em pé diante do direito dos seres humanos!' Esquecem que o desrespeito aos limites da natureza, por exemplo, em áreas rurais gaúchas, no sertão baiano e no centro-oeste está produzindo os primeiros desertos fabricados pela mão humana no Brasil. Em algumas épocas do ano, aviões tem dificuldade para pousar em cidades como Cuiabá tanta é a poeira no ar, na verdade, solo agrícola em suspensão. Nas cidades, o desrespeito ao meio ambiente - por extensão, ao Código Florestal - também tem resultado em
graves conseqüências, com perdas de vida e patrimônio. É o que assistimos recentemente em Santa Catarina, Niterói, Alagoas. Parece até que a natureza anda se vingando de nós, cansada de tanto abuso e destruição de suas áreas que deveriam ser de preservação permanente. Com o agravamento das mudanças climáticas, as chuvas estão cada vez mais torrenciais e, sem a cobertura das árvores que protege os solos, os morros, as margens dos rios, as águas tendem a correr cada vez em maior volume e intensidade, arrastando tudo pelo caminho, casas, patrimônios, vidas, e levando o solo rio abaixo para entupir tudo na planície, agravando as enchentes, indo desaguar no mar, tornando-se indisponível ao consumo.

Por trás do debate sobre o Código Florestal está muito mais que uma mera tentativa de proteger florestas. Trata-se de definir nossos limites, até onde estamos dispostos a ir para obter lucros e qualidade de vida, até onde vão nossos direitos e onde começam os direitos da Natureza. Como vivemos numa sociedade de consumo, onde só tem valor o que tem preço, então não conseguimos ver importância nos serviços que a natureza nos presta todos os dias, sem nos cobrar nada por ele. Precisamos nos reconciliar com a natureza, ou continuaremos a produzir conseqüências cada vez mais graves, tanto no campo quanto nas cidades.

E convenhamos, o período eleitoral – quando os ânimos ficam naturalmente mais exaltados – não parece o momento mais oportuno para um bom debate em torno de temas não fundamentais.


* Vilmar Berna é escritor ( www.escritorvilmarberna.com.br ) e jornalista. Fundou
a REBIA e edita a Revista do Meio Ambiente e o
www.portaldomeioambiente.org.br Em 1999, recebeu o Prêmio Global 500 da ONU
Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.

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