No Brasil, a história do abastecimento começa no Rio de Janeiro
A história do abastecimento de água do Estado do Rio de Janeiro remonta desde o início de sua ocupação e das lutas entre portugueses e franceses alojados na Ilha de Villegagnion, que se utilizavam a melhor fonte de suprimento de água, que era o Rio Carioca.
Em 1565, na cidade implantada por Estácio de Sá, entre a Urca e o Pão de Açúcar, havia apenas o que, na época, era chamada de “lagoa de água ruim”. Um poço então foi aberto e, com o tempo, não mais conseguia abastecer aos que ali chegavam de Portugal e precisavam morar. Os índios Tamoios então cederam as águas do Rio Carioca.
Em 1607, os padres franciscanos ao virem para o Brasil, conseguiram do Conselho da Câmara que lhes fossem doados terrenos do Morro de Santo Antonio até a beira da Lagoa de Santo Antonio, aí se estabelecendo. Como o local era ermo, o Conselho da Câmara aforou-o a Antonio Felipe Fernandes pelo prazo de 35 anos, para estabelecimento de um curtume, cujos couros seriam lavados nas abundantes águas do local. O mau cheiro do curtume espalhou-se pelas redondezas, incomodando aos padres, cujas reclamações insistentes obrigaram a Câmara a melhorar o esgotamento regular da Lagoa, alargando a vala que a sangrava, em 1641. Esta pode ser considerada uma das primeiras obras de saneamento da cidade.
Em 1617, já moravam na cidade 4.000 pessoas e Vaz Pinto criou uma taxa para quem bebesse vinho, que custearia as obras de ampliação dos sistemas de águas.
Em 1723 foi construído o Aqueduto do Carioca, que captava água no Alto de Santa Tereza, passando pelo atual caminhamento da rua Almirante Alexandrino e chegando ao local hoje conhecido como Arcos da Lapa, onde havia um chafariz em que os escravos recolhiam a água e levavam para a casa de seus senhores.
Desta época encontram-se relatos de que o Sr. Antonio Rabelo Pereira, capitão da Fortaleza de São Francisco do Rio de Janeiro, alegando prejuízos causados pela “passagem da água do Carioca por sua chácara”, pedia que fosse a ele concedida uma porção daquelas águas e a seus três vizinhos.
A situação desse chafariz era muito crítica em função do seu traçado defeituoso e de muitas imperfeições em sua construção, o que ocasionava constante falta d’água na cidade. Por outro lado, as águas que escorriam pelas torneiras do chafariz, deixadas abertas, empoçavam e exigiam que lhes fosse dado escoamento, uma vez que eles despejavam as suas sobras na Lagoa de Santo Antonio, “alagando a cidade, arruinando as casas e provocando moléstias malignas”. As constantes brigas nas filas da água, obrigaram a colocação de uma sentinela para o chafariz. Das providências adotadas, nasceram a rua da Vala, hoje rua Uruguaiana, rua da Guarda Velha, hoje 13 de maio e a rua do Aljube, hoje rua do Acre, no fim da qual, mais ou menos onde fica a atual Praça Mauá, o chafariz desaguava na Baía da Guanabara.
O local era distante e perigoso e aqueles senhores que não dispunham de escravos em número suficiente para essa empreitada, tinham que dar um jeito, surgindo daí o comércio das águas, exercido por escravos e índios aguadeiros, os quais, por conta dos seus senhores, percorriam os caminhos, levando à cabeça as vasilhas cheias de água para vender e anunciando a sua mercadoria com pregão característico, na língua tupi: “Hi! Hi!” que perdurou até que foram substituídos por escravos africanos, havendo quem dissesse ser este o “primeiro serviço de abastecimento domiciliar de água que existiu no Rio de Janeiro”.
No início do Aqueduto, em Santa Tereza, Gomes Freire construiu o reservatório do Carioca, próximo ao que chamou de “Mãe D’Água”, bica pública utilizada nos dias de hoje por excursionistas.
Os cariocas, que tiveram como primeira fonte de suprimento, construída por civilizados, o poço do “Cara de Cão”, também se serviam desse recurso para saciar a sede. Alguns poços tornaram-se famosos, como o do Porteiro, na base do antigo Morro do Castelo em frente à rua da Ajuda, o poço da Misericórdia, na outra vertente daquele morro, e o Pocinho da Glória, no início da rua do Catete.
As cisternas, para recolher as águas das chuvas, foram outro recurso e uma das mais antigas, datando do século XVII, encontra-se no Convento de Santo Antonio.
Exploradas as nascentes do Corcovado, foram sendo conhecidos mananciais vizinhos na cidade, na direção do Rio Comprido, Andaraí e Tijuca, Gávea e Botafogo.
A população clamava por mais água e no final do século XVIII, a deficiência do serviço teve até implicações políticas, sabendo-se que o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, se propôs a abastecer a cidade com águas dos mananciais da Tijuca.
Em 1833, uma companhia com capitais brasileiros e ingleses se candidatou a fazer chegar água encanada às residências, mas não foi bem sucedida.
Não foram somente os senhores de escravos que fizeram, no Rio, o comércio da água. No ano de 1840, Sebastião da Costa Aguiar aperfeiçoou o primitivo comércio, criando uma frota de carroças com duas rodas puxadas por um burrico. As carroças levavam aos consumidores “a boa água do vintém”, proveniente da chácara daquele nome, situada no final da rua Aguiar, no Largo da Segunda Feira.
À medida que o Rio crescia, foram sendo aproveitados os mananciais explorados. A distribuição domiciliar ainda era privilégio de poucas residências particulares, além das repartições públicas e templos religiosos.
Os principais mananciais explorados no século XIX e princípio do século XX formaram os sistemas de Santa Tereza (Carioca, Lagoinha e Paineiras); o da Tijuca (Maracanã, São João, Trapicheiro, Andaraí, Gávea Pequena, Cascatinha); o da Gávea (Chácara da Bica, Piaçava, Cabeça, Macacos); o de Jacarepaguá (Rio Grande, Covanca, Três Rios, Camorim); o de Campo Grande (Mendanha, Cabuçu, Quininha, Batalha) e o de Guaratiba (Taxas e Andorinhas).
Com o tempo foram construídos os reservatórios da Caixa Velha da Tijuca (1850); o da Quinta da Boa Vista (1867); o da Ladeira do Ascurra (1868), no Morro do Inglês e o do Morro do Pinto (1874).
No ano de 1876, o Governo Imperial, com o engenheiro Antonio Gabrielli iniciou a construção da rede de abastecimento de água em domicílio e, assim, foi possível a “abolição do antigo barril carregado à cabeça e das incômodas e imundas bicas das esquinas”. Já se cogitava a medição da água fornecida.
Inicialmente, algumas dezenas de mananciais locais foram aproveitados, mas no atual quadro do abastecimento, significam menos que 1% do consumo de água do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. Alguns desses mananciais atendem a uns poucos moradores que se localizam próximos ao ponto de captação.
Pelo Regulamento 39, de 15 de janeiro de 1840, a concessão da água que era feita por requerimento ao Ministério do Império, não podia exceder a duas penas e o suprimento poderia ser suspenso no caso de estiagem. Por este regulamento, a concessão que antes era gratuita, passa a ser cobrada em forma de taxa, no valor de 100$0 por pena como “donativo gratuito”.
A regulamentação da cobrança adveio do Decreto 8775, de 25 de novembro de 1882, com a instalação da pena d’água, instrumento regulado pelas dimensões de um orifício praticado no diafragma do registro de graduação conforme as pressões normais de trabalho dos respectivos encanamentos, para um fornecimento de 1200 litros de água em 24 horas, que já estava previsto em um relatório de 1862, da "Inspectoria Geral de Obras Públicas da Corte".
Em 1898, foi iniciada a instalação de hidrômetros autorizada pela Lei 489, de 15 de dezembro de 1897 e o Decreto 2794, de 13 de janeiro de 1898, “dá a regulamentação para a arrecadação de taxas de consumo de água na Capital Federal”. Relativamente à arrecadação faz-se a cobrança das taxas de pena nos meses de agosto de cada ano, e as de hidrômetro, por semestre, em agosto do mesmo ano e fevereiro do ano seguinte.
A cidade do Rio de Janeiro continua em franca expansão e o aumento populacional demonstra a necessidade de água para sua sobrevivência. O clamor popular leva Sua Majestade Imperial a determinar que se buscasse água em uma fonte abundante que, por si só, fosse capaz de satisfazer a todas as necessidades, empreendendo-se, para esse fim, uma grande obra, que ateste a gerações futuras a solicitude do presente Reinado. Daí surge o sistema determinado de “Sistema Acari ou de Linhas Pretas”, que foi utilizar-se das águas da serras de Duque de Caxias e Nova Iguaçu, que são as captações de São Pedro (1877), Rio D’Ouro (1880), Tinguá (1893), Xerém (1907) e Mantiqueira (1908), cortando toda a Baixada Fluminense e trazendo esta água para a Metrópole. As captações de regimes torrenciais e até o ano de 1940, representavam 80% do volume de água disponível.
Do outro lado da Baía da Guanabara, no ano de 1892, teve início a captação de águas para Niterói, oriundas da Serra de Friburgo, vindo diretamente para o Reservatório de Correção, em Niterói. Outro manancial de serra também utilizado para Niterói, nessa mesma época, foi o da Barragem de Paraíso, em Teresópolis.
No início do século XX, devido às grandes estiagens, a administração de serviço público de sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro resolveu abandonar os estudos de reforço de suprimento de pequeno porte, voltando-se para soluções de grande porte e apresentou dois projetos: um o sistema Ribeirão das Lajes e a captação de águas dos rios Santana e Paraíba do Sul. O primeiro foi executado, mas o segundo, teve que ser alterado uma vez que se chocava com o da concessionária do serviço de energia elétrica, que produzia energia através da transposição da Serra do Mar, das águas do rio Paraíba do Sul, captando em Santa Cecília.
O rio Guandu foi o caminho utilizado pela LIGHT para o escoamento das águas do rio Paraíba do Sul quando foi edificado o complexo Paraíba-Vigário para geração de energia do Rio de Janeiro.
Isto foi possível com a transposição das águas do rio Paraíba do Sul para a bacia do rio Ribeirão das Lajes, feita com uma instalação complexa, constituída das usinas elevatórias de Santa Cecília e Vigário, bem como, dos reservatórios de Santa Cecília, Santana e Vigário.
A energia elétrica desses subsistemas é gerada primeiramente nas Usinas de Fontes e Nilo Peçanha. A seguir, as águas, já no talvegue do Ribeirão das Lajes, formam o reservatório de Ponte Coberta, gerando novamente energia na Usina de Pereira Passos.
Somente após o ano de 1940, a cidade do Rio de Janeiro deixou de ter o seu sistema de abastecimento de águas sujeito a regimes sazonais de vazão, que se dividem nas chamadas “grandes adutoras” e “pequenas adutoras”. Estes mananciais de pequeno porte dentro dos limites do atual município do Rio de Janeiro, que são hoje cerca de 40 sistemas de captação superficial de água de boa qualidade, necessitam somente de desinfecção e são utilizados para atender áreas urbanas em cotas elevadas, próximas das captações, devido às dificuldades em atendê-los pelos sistemas principais.
Isto só foi possível com a construção, no ano de 1940, da 1ª Adutora de Ribeirão das Lajes e, em 1949, da 2ª Adutora da “Usina de Fontes Velhas” da LIGHT, o que oferecia uma indispensável garantia de abastecimento perene e ininterrupto. Este sistema proporcionou, a partir de 1949, uma vazão de 5100 litros por segundo a mais para o Rio de Janeiro.
Durante o mandato do prefeito Hildebrando de Góes, o engenheiro José Franco Henriques, Diretor do Departamento de Águas, sugeriu a construção de uma terceira adutora de grande diâmetro, com capacidade para 225 milhões de litros por dia, a Guandu-Leblon, utilizando as águas do rio Guandu, já previstas pelo engenheiro Henrique de Novaes.
No início da década de 50, o contínuo crescimento das demandas de água da cidade do Rio de Janeiro, levou à captação das águas do rio Guandu, já acrescidas de águas dos rios Paraíba, Piraí, Ribeirão das Lajes, Poços e Santana.
Em 1951, iniciou-se um planejamento para suprir as necessidades de água até 1970 e o manancial escolhido foi o rio Guandu, com uma capacidade de 1,2 milhões de litros por dia. O projeto inicial acabou se estendendo e, ao invés de terminar no Reservatório do Engenho Novo, a adutora foi prolongada até a Zona Sul, no Reservatório dos Macacos, onde entrou em operação no ano de 1958. Nesta época, havia o ideal de abastecer 7,5 milhões de pessoas no ano de 2000 e, por este motivo, em 1966 foi inaugurada a segunda adutora do Guandu, a Adutora Veiga Britto, com a entrada em operação da Elevatória do Lameirão, considerada a maior estação subterrânea do mundo.
Em Niterói, no ano de 1954, entrou em carga o sistema de captação do Canal de Imunana com tratamento na ETA (estação de tratamento de água) do Laranjal para uma vazão de mais de 500 litros por segundo. O Canal de Imunana veicula as vazões de contribuição dos rios Guapiaçu e Macacu, conduzindo-as à calha natural do rio Guapimirim. As características físicas, químicas e bacteriológicas da água desse manancial, com base nos resultados de análises e exames efetuados, demonstraram a necessidade de tratamento completo para a sua potabilização.
A ETE (estação de tratamento de esgotos) da Penha foi acionada em julho de 1960 com capacidade para processar 1686 litros de esgotos por segundo e atender aproximadamente 1.000.000 de habitantes.
Em 1957, foi criada a superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN) e, em 1961, ocorreu um caos no abastecimento da cidade a partir de uma ocorrência na Elevatória de Alto Recalque da Antiga Adutora do Guandu. Neste mesmo ano, o Departamento de Águas foi incorporado a SURSAN e a administração pública teve de recorrer a um empréstimo externo para realizar obras, através de um contrato de, aproximadamente, 90 milhões de dólares com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Várias obras de construção de reservatórios foram feitas com este recurso e criou-se a Companhia Estadual de Águas da Guanabara (CEDAG). O Governo do Estado concedeu a CEDAG, a partir de 1966, o direito de cobrar as contas de água. A CEDAG remodelou seus reservatórios, substituiu tubulações, montou seu cadastro próprio de consumidores, equipou-se com computadores da mais alta tecnologia para aquele momento e iniciou a implantação da telemetria em seu controle do sistema adutor. Até o ano de 1975, a CEDAE conseguiu superar seus problemas, ocupando o lugar da Empresa de Saneamento do Brasil mais avançada.
Veio a fusão dos Estados e das três empresas, que faziam saneamento na área do novo Estado do Rio de Janeiro. A partir daí houve uma liberação de 1,9 bilhões de cruzeiros destinados a obras de água e esgotos em todo o Estado.
Situação após a fusão
DUQUE DE CAXIAS – Recebeu uma nova rede de águas e elevou a quantidade de água ofertada de 100 para 350 litros por segundo;
NILÓPOLIS – Passou a ser abastecido pelo Sistema de Lajes, liberando água para o município de São João de Meriti que antes o abastecia;
NITERÓI E SÃO GONÇALO – Ganharam aumento de oferta pelo sistema Imunana e organização da malha distribuidora;
MIGUEL PEREIRA – Teve construída sua Estação de Tratamento;
MUNICÍPIOS DO INTERIOR (Bom Jesus do Itabapoana, Itaperuna, Miracema, Santo Antonio de Pádua, Duas Barras, Campos dos Goytacazes, São Fidélis, Macaé, Piraí, Teresópolis) – Tiveram suas redes de abastecimento modernizadas;
REGIÃO DOS LAGOS – O trabalho começou do zero. A água da região era adquirida da Álcalis, que vendia um volume de água para a SANERJ, que por sua vez tentava distribuir para Cabo Frio e Araruama. Com a criação da CEDAE, foram construídas a Estação de Tratamento da Lagoa de Juturnaíba, as adutoras, troncos e redes de distribuição com novas ligações.
Outro fato importantíssimo na fusão, foi a recuperação da rede de esgotos existente. Ao contrário do serviço de água, marcado por grandes obras necessárias ao abastecimento da população que fazia parte do novo Estado, foram recuperadas as Estações de Tratamento de Esgotos da Penha e de Niterói (em Icaraí). Esta já estava com suas obras conclusas, mas estagnadas. A ESAG tinha acabado de colocar em operação o Emissário de Ipanema.
No ano de 1982 foi efetuado um projeto piloto de saneamento da Baixada Fluminense, Zona Oeste do Rio de Janeiro e São Gonçalo.
No ano de 1985, ficou pronto o Plano Diretor de Abastecimento de Água da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, com alcance até o ano de 2010.
Em 30 de junho de 1997, o Jornal do Comércio publicou um caderno denominado “CEDAE – EMPRESA NOTÁVEL” – DOCUMENTO ESPECIAL -, documentando as performances da CEDAE, enaltecendo o seu corpo técnico, premiando, em Sessão Solene do Salão Elysée do Hotel Meridien, a CEDAE como NOTÁVEL do ano de 1997.
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