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23 de junho de 2009

CAPITAL ARGENTINA - EM DÚVIDA VERBA DO BANCO MUNDIAL PARA SANEAMENTO DAS BACIAS DOS RIOS MATANZA E RIACHUELO

Dúvidas sobre empréstimo milionário

Por Marcela Valente* - 22/06/2009

Buenos Aires, 22 de junho (Terramérica).- A concessão de um milionário empréstimo do Banco Mundial ao Estado argentino, para sanear a Bacia Matanza-Riachuelo, em Buenos Aires, a mais contaminada deste país, foi recebida com cauteloso otimismo por moradores e ambientalistas. “Há grande voracidade pelo dinheiro e pouca vontade de mudança”, disse ao Terramérica Alfredo Alberti, da Associação de Moradores da Boc, que promove a participação e o controle pela cidadania das tarefas de limpeza da Bacia, transformada em esgoto a céu aberto.

Esta entidade é parte do Espaço Matanza-Riachuelo, uma rede de organizações que velam pelo cumprimento de uma sentença do Supremo Tribunal de Justiça que, em julho de 2008, ordenou ao Estado e às empresas o saneamento definitivo da bacia, de 64 quilômetros de extensão. O Riachuelo marca o limite sul da capital argentina e depois, com o nome de Matanza, atravessa 14 municípios da província de Buenos Aires. Na região vivem 3,5 milhões de pessoas, 40% sem água potável e 60% sem saneamento. Aproximadamente cinco mil indústrias lançam dejetos contaminantes nesses cursos de água, e em suas margens crescem 13 assentamentos precários e uma centena de lixões.

A sentença foi resultado de um processo iniciado em 2004 por moradores afeados pela contaminação. O Tribunal convocou a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, os municípios e as empresas implicadas e ordenou que o Estado apresentasse um plano. Assim nasceu a Autoridade da Bacia Matanza-Riachuelo (Acumar), integrada por representantes das diferentes jurisdições envolvidas, para aplicar um plano de limpeza controlado pela Justiça, pela Defensoria do Povo (ombudsman) e por organizações não-governamentais.

O plano exige investimentos de US$ 1,484 bilhões. O governo nacional comprometeu US$ 644 milhões, e outros US$ 844 foram concedidos este mês pelo Banco Mundial, mediante empréstimo a ser pago em 30 anos com cinco de carência. Trata-se do maior desembolso para saneamento outorgado a um país latino-americano, segundo autoridades do Banco, e aponta para “o problema ambiental mais visível da Argentina”, propondo-se a “melhorar a qualidade da água da Bacia em 15 ou 20 anos”. O dinheiro será destinado a obras de fornecimento de água, cloacas, unidades de tratamento e estações de bombeamento (US$ 694 milhões). Boa parte do restante, US$ 148 milhões, irá para a reconversão de indústrias para uma produção mais limpa, ao ordenamento territorial da Bacia e ao fortalecimento das autoridades de controle e vigilância.

Contudo, organizações sociais afirmam que o dinheiro em mãos do Estado não garante o cumprimento do plano. “O que faltou até agora não foi dinheiro. Cada vez que se buscou financiamento para limpeza do Riachuelo, foi obtido. O problema é gastar, ou não, de forma racional e coerente”, disse ao Terramérica Juan Carlos Villalonga, do Greenpeace Argentina. Nos anos 90, para um projeto governamental que prometia limpar a Bacia em mil dias, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) emprestou US$ 250 milhões, recordou Villalonga. “Uma parte foi gasta em consultoria, outra desviada para planos sociais e o Riachuelo continuou o mesmo”, acrescentou.

Por isso, o Greenpeace – também integrante do Espaço – não acredita que o novo empréstimo destravará o processo. “O problema sempre foi a escassa vontade política”, insistiu. A idéia de que o dinheiro cairá em um saco sem vontade de mudança é compartilhada por Andrés Nápoli, da Fundação Ambiente e Recursos Naturais (Farn), outra integrante da rede. “É uma boa notícia o Estado receber recursos para estas obras, mas terá de melhorar muito a gestão para que sejam aplicados como devem. Existe o precedente do BID, um empréstimo que custou mais de US$ 30 milhões em juros (comuns) e US$ 10 milhões em punitivos”, disse ao Terramérica.

Entretanto, as fontes coincidiram que a nova conjuntura é mais favorável. Agora há uma autoridade interjurisdicional, mais participação da sociedade civil e um ator relevante que antes não existiu: a Justiça, afirmaram. “A intervenção do Supremo Tribunal é uma diferença fundamental. Nos dá muita tranquilidade”, disse Nápoli. Segundo o morador Alberti, agora as “organizações sociais estão melhor preparadas” para defender a Bacia. Mesmo assim, “o fantasma da má política assusta. Há uma história de créditos desviados ou sub-executados e acreditamos que nem tudo se acerta com dinheiro. Tomara que desta vez seja diferente. Não queremos ser agoureiros”, afirmou.

Alberti destacou que, nos últimos meses, uma dezena de barcos afundados no Riachuelo foi resgatada e, ao contrário de oportunidades anteriores, foram colocados em terra e desmanchados. Porém, é no controle de dejetos, “onde mais se manifesta que o problema não é dinheiro, mas falta de controle. Se isto não mudar, o empréstimo não será um investimento, mas um novo gasto”, ressaltou Nápoli.

* A autora é correspondente da IPS.

Crédito da imagem: Malena Byustrowicz/IPS

Legenda: O poluído Rio Riachuelo, em Buenos Aires, está incluído em plano de saneamento.

LINKS

Um assentamento inflamável
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=230

Um mapa contra a poluição
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=518

Juntos pelos rios de Buenos Aires
http://www.ipsnoticias.net/interna.asp?idnews=41272

Outro rio pestilento
http://www.ipsnoticias.net/interna.asp?idnews=40622

Banco Mundial
http://www.bancomundial.org/

Associação de Vizinhos de La Boca
http://www.avelaboca.org.ar/

Espaço Matanza-Riachuelo
http://www.espacioriachuelo.org.ar/

Corte Suprema de Justiça da Argentina
http://www.csjn.gov.ar/

Secretaria de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
http://www.ambiente.gov.ar/

Autoridade da Bacia Matanza Riachuelo
http://www.acumar.gov.ar/

Greenpeace Argentina
http://www.greenpeace.org/argentina/

Fundação Ambiente e Recursos Naturais
http://www.farn.org.ar/

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

(Envolverde/Terramérica)

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