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27 de outubro de 2009

GLACEÓLOGO JEFFERSON SIMÕES FALA DOS IMPACTOS NA ÁGUA POTÁVEL, PROVOCADOS PELAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS


Na opinião do glaceólogo Jefferson Simões, há “um certo catastrofismo” em relação às mudanças climáticas, o degelo e o aumento do nível do mar"

Jefferson Simões*:

Mudanças climáticas e os impactos na água potável

Por: Patricia Fachin, 19/10/2009
Revista IHU Online

O Ártico está perdendo o gelo da sua superfície, e isso muda a circulação das correntes atmosféricas e oceânicas naquela região e afeta todo o clima do planeta, informou o glaciólogo Jefferson Simões à IHU On-Line. Nesta entrevista, concedida por e-mail, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, enfatizou que conforme o gelo do mar desaparecer, o oceano ficará mais aquecido, mas o gelo do mar está flutuando, “assim, ao derreter não afetará o nível dos mares”. Neste processo, ele explica que o derretimento das geleiras lançará mais gelos para o mar, o que pode ocasionar perda de parte dos recursos de água potável.

*PROF. JEFFERSON SIMÕES

Professor do Instituto de Geociências da UFRGS e coordenador do Centro Polar e Climático - CPC, da UFRGS, Simões é doutor em Glaciologia, pelo Scott Polar Research Institute (SPRI) da Universidade de Cambridge (Inglaterra) e pós-doutor pelo Laboratoire de Glaciologie et Géophysique de l'Environnement (LGGE) Du Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS (França). Introduziu no Brasil a ciência glaciológica e a Geografia das Regiões Polares, lecionando nos programas de pós-graduação em Geociências e Geografia da UFRGS. O professor também coordena projetos do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) e foi coordenador-geral de rede de pesquisas Antártica, as Mudanças Globais e o Brasil no período 2002-2006. Participou de 19 expedições polares, destacando a liderança em missões internacionais e uma travessia chileno-brasileira no verão de 2004/2005 (quando atingiu o Pólo Sul Geográfico) no manto de gelo antártico. No verão de 2008/2009 liderou a primeira expedição científica nacional ao interior do continente antártico.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a situação climática da Antártida desde o último relatório do IPCC?

Jefferson Simões - Sem grandes modificações: a temperatura média da parte mais ao norte da Antártida continua relativamente alta (sem comparar com as médias das últimas cinco décadas). Em geral, o aumento contínuo e a temperatura se estabilizaram nos últimos 3 anos. Aguardemos para ver o que ocorrerá nos próximos cinco anos!

IHU On-Line - Como essa massa de gelo está afetando a circulação dos oceanos e da atmosfera nos hemisférios sul e norte?

Jefferson Simões - A massa de gelo afeta normalmente o clima do planeta. Ela força o transporte de ar quente dos trópicos para as regiões polares. Agora, quanto ao impacto das modificações do gelo no clima, ainda é cedo para avaliar.

IHU On-Line - O senhor pode nos explicar como funciona o processo de degelo da Antártida e do Ártico? Como ações realizadas em outras partes do mundo contribuem para tal processo?

Jefferson Simões - Primeiro, é importante lembrar que não é por estar longe que as regiões polares não afetam o nosso cotidiano ambiental. O sistema ambiental é um contínuo, e as regiões polares são tão importantes quanto os trópicos no sistema climático. Além do que algo lançado na atmosfera será espalhado por todo o globo. Assim, poluentes lançados no Hemisfério Norte chegam à Antártida.

Segundo, na natureza, existem tipos diferentes de gelo. A diferença maior é entre o gelo de geleiras (formado pelo acúmulo de cristais de neve sobre um continente ou ilha - pode ultrapassar 4.000 m de espessura) e o mar congelado (raramente ultrapassa 6 m de espessura). O Ártico é um oceano congelado, que cada vez mais está aberto (sem gelo na superfície), esse fato muda a circulação das correntes atmosféricas e oceânicas naquela região e afeta todo o clima do planeta. Conforme o gelo do mar desaparece, o oceano aquece mais rapidamente ainda. Nota importante: o gelo do mar está flutuando, assim, ao derreter, não afeta o nível dos mares. Este processo é muito rápido.
Na Antártida, o enorme manto de gelo não está derretendo. Somente o gelo perto de 0°C, na parte mais ao norte da Antártida (Península Antártica) mostra rápido derretimento. É gelo acima do continente e, ao derreter, vai para o mar e contribui para o aumento do nível deste.

IHU On-Line - As variações morfológicas e as mudanças do clima da Antártida já estão afetando diretamente a costa brasileira?

Jefferson Simões - Ainda não estão afetando, espera-se que o mar avance algumas dezenas de metros continente a dentro nas próximas décadas. Mas isto dependerá da morfologia da costa. Uma região como Rio Grande é mais afetada do que Torres (morfologia mais elevada).

IHU On-Line - Nos últimos 50 anos, a temperatura da Antártida aumentou três graus centígrados, mas o senhor ressaltou, em outra entrevista, que isto atingiu menos de 1% do país. Essas mudanças climáticas representam que impacto no aquecimento global?

Jefferson Simões - Sim, somente no norte da Antártida que ocorreu isso. Ainda não sabemos se é um sinal de ação humana.

IHU On-Line - A previsão científica era de que haveria até 2100 um aumento do nível do mar entre 18 e 60 centímetros. Nesses últimos três anos, alguns pesquisadores preveem a redução do gelo do Ártico de 2100 para 2040, e alguns falam até em 2020 e 2015. Esses fatos têm relação no que se refere à mudança climática? Há muito alarmismo ou as mudanças de fato são agravantes?

Jefferson Simões - A questão do derretimento do gelo Ártico não tem nada a ver com o aumento do nível do mar. Mar congelado ao derreter não afeta nível do mar, pois o gelo já está flutuando na água (princípio de Arquimedes! ). Sim, o mar congelado poderá desaparecer até 2050, e isso afeta o clima, não o nível do mar.

Existe um certo catastrofismo.

Poucos leem trabalhos científicos e os cenários propostos. Nossas previsões são para aumentos do nível do mar em até 1 m (devido ao derretimento de gelo na Groenlândia e montanhas nas regiões temperadas e tropicais). Devemos achar soluções sociais e tecnológicas para reduzir o impacto das mudanças globais na sociedade. Mas, por outro lado, estas modificações no sistema climático, prejuízos de trilhões de reais, afetarão mais as classes menos favorecidas.

IHU On-Line - Em que medida o aquecimento global pode acelerar o processo de degelo?

Jefferson Simões - Já está acelerado, pois aquele gelo perto de 0°C rapidamente começa a derreter com o aumento da temperatura.

IHU On-Line - Nos debates sobre as mudanças climáticas, as emissões de gás carbônico ganham destaque, além da preocupação com o desmatamento, as queimadas e a preservação das florestas. No que se refere às geleiras, o debate deveria ganhar mais destaque? Como a conferência do clima deveria tratar o tema em Copenhague?

Jefferson Simões - O desmatamento não é o problema mais relevante, são as queimadas.
O debate sobre geleiras não é sucinto, é no Brasil que se desconhece a discussão, pois enfatizamos muito a questão da Amazônia. Mas o sistema ambiental é um contínuo. A questão das geleiras está relacionada à questão dos limites do aquecimento global; mais gelo será perdido para o mar. Assim aumentamos o nível do mar e perdemos parte dos recursos de água potável.

Leia mais...

>> Jefferson Simões concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Acesse no sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).

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