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28 de maio de 2010

Pesca predatória e sobrepesca: A fonte ameaça secar

maio 26, 2010


Marcelo Szpilman



Pesca no golfo do Maine, EUA. Foto da National Geographic Society

Pesca no golfo do Maine, EUA. Foto da National Geographic Society

[EcoDebate] Não há dúvidas de que a carne de peixe é uma das melhores, em se tratando da facilidade de digestão e valor nutritivo. Temos também diversas razões gustativas para apreciarmos as lagostas, camarões e mexilhões. Comê-los sempre foi um ato natural e nada antiecológico. No entanto, para que possamos continuar a consumi-los no futuro devemos pensar de forma responsável sobre este assunto. Os oceanos e sua biodiversidade devem ser vistos como uma prioridade na questão da preservação ambiental.


Apesar de a pesca ser uma das mais antigas atividades desenvolvidas pelo homem, parece que todo esse tempo de prática ainda não foi suficiente para evitar que ela seja realizada de forma predatória. Levantamentos recentes indicam que hoje a captura indiscriminada mata e desperdiça entre 18 e 40 milhões de toneladas de peixes, tubarões, tartarugas e mamíferos marinhos todos os anos, o que representa nada mais nada menos do que um terço de toda a pesca mundial. É um crime contra a natureza. Um desperdício inaceitável que ameaça secar a fonte.


A destrutiva combinação da sobrepesca com a pesca predatória empreendida nas últimas décadas cobrará um alto preço muito em breve. Em muitos casos, o “futuro”, um termo bastante usual nos discursos do passado, já chegou. Temos hoje diversas espécies comerciais de pescado ameaçadas de desaparecer. No Brasil, já são 145 espécies de peixes e 12 de tubarões ameaçadas de extinção e 31 espécies de peixes e 6 de tubarão sobrepescados. Entre as espécies mais ameaçadas, temos o cação-anjo, a raia-viola, o mero, o peixe-serra e o surubim. Dentre os estoques de espécies tradicionais sobrepescados em nosso litoral estão a mangona, o tubarão-martelo, a sardinha, o pargo, a cioba, a tainha, a enchova, o namorado, a corvina, a garoupa, o cherne, a pescadinha, os camarões e as lagostas. E esses números só não são maiores devido à histórica falta de verba para pesquisas em nosso País.


A sobrepesca, que é a pesca feita de foma correta e legal, porém acima do limite que uma espécie tem de se auto-repor na natureza, e a pesca descontrolada são problemas graves, porém mais compreensíveis do ponto de vista histórico. Tradicionalmente, a captura do pescado comercial para a nossa própria alimentação vem sendo empreendida há séculos. No entanto, se já não chegou está chegando ao limite de exploração para algumas espécies. Da mesma forma que o homem percebeu, há milênios, que não conseguiria sobreviver somente coletando e caçando o alimento que a natureza lhe dava e, por isso, passou a desenvolver a agricultura e a pecuária, temos que nos conscientizar de que o mar, apesar de seu tamanho, não é um provedor com recursos inesgotáveis.


Os recursos pesqueiros, ao contrário de outros recursos naturais, podem ser perfeitamente renováveis. O correto gerenciamento de seus estoques deve ser visto como importante ferramenta para o desenvolvimento sustentável do País. Nesse sentido, existem alguns instrumentos que já se mostraram eficientes. O defeso, que é a proibição da pesca na época de reprodução (desova) do animal, e a maricultura, que se constitui na produção controlada de espécies marinhas em áreas confinadas, são, não só soluções para a queda na captura de espécies comerciais, como também formas de preservação dos oceanos.


O exemplo da sardinha-verdadeira é bastante elucidativo. Peixe barato nos anos 70 e 80, alimento farto nas mesas menos favorecidas, a média anual da pesca da sardinha era então de 200 mil toneladas (correspondia a 38% dos peixes pescados anualmente no Brasil). A partir da década de 80, teve início uma queda contínua nos totais capturados. Prevendo que a captura estava além dos limites que permitiriam garantir o equilíbrio entre a atividade pesqueira e a conservação da espécie, a legislação brasileira passou a proteger a reprodução da sardinha através do defeso (de novembro a março e de julho a setembro). No ano mais crítico, em 1990, a captura atingiu 32 mil toneladas. Ainda que o defeso tenha contribuindo na recuperação dos estoques, como demonstra a captura da sardinha em 1997, que atingiu cerca de 118 mil toneladas, infelizmente a produção tem oscilado muito e a expectativa média atual é de no máximo 30 a 50 mil toneladas/ano.


O defeso demonstrou assim ser um importante instrumento de ordenamento e conservação, permitindo que a pesca continue a ser exercida de forma sustentável. Se no começo os pescadores comerciais reclamavam da medida, logo depois perceberam a importância do defeso para sua atividade e hoje o defendem com unhas e dentes. As lagostas (de janeiro a abril) e os camarões (de dezembro a fevereiro na região Norte e de março a maio nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul) também têm seus períodos de defeso, mas infelizmente a maioria dos peixes e tubarões, que também precisam de proteção, não têm seus períodos de defeso instituídos por lei. Sem falar, é claro, na proteção ambiental de suas áreas de desova e de berçário.


A noção de pesca predatória que temos hoje, feita de forma incorreta e ilegal, como a pesca com malha fina, arrastão de fundo ou bomba, pode mudar de acordo com os conceitos da sociedade e de seu tempo. O que hoje é legal amanhã pode não ser. O que é ilegal no Brasil pode não ser em Moçambique. Quem não se lembra do romântico arrastão de praia, muito comum até a década de 80 em quase todo o Brasil? Capturava tudo em seu caminho e o que não prestava ao comércio (grande parte) era deixado na areia para apodrecer. Felizmente, foi erradicado através de uma legislação mais rígida. No entanto, de acordo com o Ibama, órgão responsável pela fiscalização e controle das atividades pesqueiras no Brasil, ainda existe uma quantidade considerável de pescadores trabalhando de forma incorreta e, conseqüentemente, predatória. Mesmo sabendo o quão deletéria pode ser a pesca predatória, também podemos de certo modo compreender que muitas vezes o pescador, sem qualquer outra alternativa, é movido pela fome de sua família.


Também não há mal algum em se comer um suculento filé de cação. Aliás, come-se cação ou tubarão (que é a mesma coisa) há centenas de anos. O problema passa a ocorrer quando o filé vem de espécies que hoje encontram-se ameaçadas de extinção no mundo todo, como a mangona e o tubarão-martelo. Mas o que é verdadeiramente um absurdo inadmissível é a “perseguição” de determinadas espécies de tubarão para a extração de partes de seu corpo para obter produtos que são supérfluos e os benefícios apregoados são duvidosos e sem nenhuma base científica comprovada. Movida pela ganância humana, é o pior tipo de pesca predatória.


Atualmente, existem dois grandes objetivos na pesca do tubarão. A cartilagem, transformada em cápsulas que os fabricantes apregoam como anti-tumorais, em analogia ao fato do tubarão ser imune ao câncer, e as nadadeiras (muitas vezes extirpadas do animal ainda vivo, que depois é devolvido ao mar para afundar e apodrecer), utilizadas para fazer sopa de barbatana de tubarão, tida como afrodisíaca e símbolo de status na China. Algo semelhante às inúmeras aberrações predatórias e criminosas que vemos ao redor do mundo, especialmente no Oriente, como a “crença” de que partes de animais, como o tigre e o urso, podem curar doenças. Não se pode ameaçar a existência de uma espécie animal ou vegetal em prol da “suposta” melhoria de nossa saúde. Ainda mais dispondo da tecnologia que temos hoje, capaz de produzir artificialmente as substâncias comprovadamente benéficas.


Mas será que por reputarem uma irreal imagem de “devoradores de homens” os tubarões não merecem também ser preservados, como os golfinhos e tartarugas? Atualmente, cerca de 100 milhões de tubarões são capturados e mortos a cada ano em todos os mares. Isso representa uma monumental ameaça à sobrevivência dos tubarões e está levando muitas populações de tubarões ao declínio vertiginoso. Cerca de 43% das espécies do litoral brasileiro já estão nas listas de espécies ameaçadas de extinção. Nesse ritmo de consumo insustentável, algumas espécies serão extintas nos próximos anos. Deixar de ver os tubarões como feras assassinas e ter a consciência de que eles exercem um papel crucial na manutenção da saúde e equilíbrio dos ecossistemas marinhos é um importante passo para uma mudança de atitude.


* Caso você tenha interesse em ler mais sobre a questão dos tubarões e sua desmitificação, basta solicitar o artigo “Você tem medo de tubarão?” através desse do email instaqua@uol.com.br


** Marcelo Szpilman, Biólogo Marinho formado pela UFRJ, com Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ, é autor do livro GUIA AQUALUNG DE PEIXES, editado em 1991, de sua versão ampliada em inglês AQUALUNG GUIDE TO FISHES, editado em 1992, do livro SERES MARINHOS PERIGOSOS, editado em 1998/99, do livro PEIXES MARINHOS DO BRASIL, editado em 2000/01, do livro TUBARÕES NO BRASIL, editado em 2004, e de várias matérias e artigos sobre a natureza, ecologia, evolução e fauna marinha publicados nos últimos anos em diversas revistas e jornais e no Informativo do Instituto Aqualung. Atualmente, Marcelo Szpilman é diretor do Instituto Ecológico Aqualung, Editor e Redator do Informativo do citado Instituto, diretor do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA) e membro da Comissão Científica Nacional (COCIEN) da Confederação Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos (CBPDS).


** Colaboração de Marcelo Szpilman para o EcoDebate, 26/05/2010



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Um comentário:

  1. eu moro na margens do rio araguaia e estou muito preocupada com as ações da caravanas que estão vindo pescar em nossa cidade a quantidade de pescados que estão levando daqui o prefeito da cidade diz que é .turismo ,mas ,, <mas eu não concordo com isso porque poucas coias são comprados em nossa cidade

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