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20 de outubro de 2011

VAZAMENTO DE MATERIAL RADIOATIVO EM INDÚSTRIA NUCLEAR PÕE EM RISCO POPULAÇÃO




Produto radioativo vaza em indústria nuclear do governo em Resende (RJ)

A empresa, pertencente ao governo federal, confirma o caso, reconhece "falhas" em equipamentos, mas descarta danos aos funcionários e ao meio ambiente.
Publicação: 19/10/2011 07:34 Atualização: 19/10/2011 07:46

Vinicius Sassine

Fábrica de Combustível Nuclear em Resende (RJ): os vazamentos de urânio e de duas substâncias não radioativas foram alertados por funcionários (Michel Filho/Agência O Globo - 19/10/04)
Fábrica de Combustível Nuclear em Resende (RJ): os vazamentos de urânio e de duas substâncias não radioativas foram alertados por funcionários


Engenheiros e técnicos de segurança do trabalho detectaram três vazamentos dentro da Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), em Resende (RJ), dois deles envolvendo substâncias químicas e um de urânio enriquecido (UO2), elemento altamente radioativo. A constatação dos vazamentos foi comunicada pelos engenheiros e técnicos a seus superiores por e-mails internos. O Correio teve acesso a cópias desses e-mails.

O pó de urânio vazou de um equipamento chamado homogeneizador e caiu no piso da sala. O episódio foi registrado em 14 de julho de 2009. Em janeiro de 2010, o alarme de atenção da fábrica foi acionado em razão do vazamento de gás liquefeito usado no forno que queima os excessos de gases resultantes da produção de pastilhas de urânio. E, em julho deste ano, um engenheiro suspeitou do vazamento de amônia e comunicou o ocorrido aos gerentes.

Os três casos não representaram riscos aos trabalhadores, ao meio ambiente e ao funcionamento da fábrica, garantem a diretoria da fábrica — pertencente ao governo federal — e a presidência da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), órgão responsável pela fiscalização de atividades radioativas no Brasil. “O urânio ficou numa sala confinada, hermeticamente fechada, não foi para o meio ambiente”, diz o diretor de Produção de Combustível Nuclear da FCN, Samuel Fayad Filho. Ele reconhece “falhas” nos equipamentos e diz que “todos os procedimentos foram tomados” em relação aos problemas detectados. “Não há vazamento de material radioativo em Resende”, assegura.

O Correio consultou especialistas para saber o que significam as informações que circularam internamente na FCN. Para o engenheiro nuclear Aquilino Senra, “é evidente que houve uma falha”. “Não era para o pó de UO2 sair dessa prensa”, diz o engenheiro nuclear, vice-diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “É uma anormalidade clara o vazamento de UO2 da prensa e a presença da substância no solo.”

Em relação ao vazamento de gás liquefeito, Aquilino afirma que “gás vazado não é boa coisa”. “Detectores existem para isso, mas o ponto é por que o gás vazou.” O Correio ouviu também um técnico ligado à Presidência da República, sob a condição de anonimato: “Não me parece um problema grave, pois a Presidência não foi avisada”, diz.

Funções
A FCN é um conjunto de fábricas responsáveis pela montagem do elemento combustível, pela fabricação do pó e da pastilha de urânio e por uma pequena parte do enriquecimento de urânio. O mineral é extraído em Caetité (BA). O processo de enriquecimento é feito quase todo fora do país, mas parte dele já ocorre na FCN. Cabe à fábrica, além dessa pequena fatia do enriquecimento, produzir as pastilhas que serão utilizadas na geração de energia nuclear pelas usinas Angra 1 e Angra 2, em Angra dos Reis (RJ).

Hoje, a FCN é responsável pelo enriquecimento de 10% do urânio necessário para Angra 1 e de 5% para Angra 2, segundo Samuel Fayad. A FCN faz parte da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), subordinada ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT).

O episódio do vazamento de pó de urânio foi relatado por um técnico de segurança do trabalho às coordenações superiores. A Cnen confirmou ao Correio o alerta. “O fato é irrelevante em termos de segurança. O referido pó foi identificado em área controlada, dentro de ambiente com contenção para material radioativo, não afetando trabalhadores da unidade ou o meio ambiente”, sustenta o órgão, por meio da assessoria de imprensa.

Crise
O setor de geração de energia nuclear vive um conflito e uma crise dentro do governo federal. O presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Angelo Padilha, assumiu o cargo em 7 de julho, depois de o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, demitir Odair Dias Gonçalves. Odair perdeu o cargo após revelações de que a usina Angra 2 operou por 10 anos sem licença definitiva e de que o Brasil passou a importar urânio em razão de licenças travadas. Até agora, a Agência Reguladora de Energia Nuclear é apenas um projeto, em razão de conflitos dentro do setor. A agência vai retirar da Cnen — principal acionista das Indústrias Nucleares do Brasil — a função de regulação e fiscalização.

Quantidade em xeque


O técnico de segurança do trabalho que enviou o e-mail sobre o vazamento de urânio aos superiores fala em “quantidade considerável de pó” na sala contaminada. O Correio questionou o diretor da Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), Samuel Fayad, sobre a quantia liberada da máquina. No primeiro contato, na última sexta-feira, ele disse que “não passa de 500g”.

Depois, na segunda, dia 17, informou que a quantidade era entre 100g e 150g de pó de urânio enriquecido. Para o engenheiro nuclear Aquilino Senra, “meio quilo de urânio não é pouco, nem mesmo 150g”. “Imagine meio saco de açúcar espalhado no chão”, compara. O urânio é radioativo e os riscos são reais em caso de inalação.

Uma nota foi enviada ontem pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) ao Correio. A quantidade de pó que vazou do equipamento é de 150g, conforme o texto. “O material recolhido na limpeza foi segregado e destinado como rejeito de baixíssima atividade para armazenamento no depósito inicial da FCN Resende.” O depósito tem licença da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), conforme a estatal. A área do piso atingida, “menor que 1m2”, foi avaliada pelo Serviço de Proteção Radiológica.

Uma nota da Cnen, também enviada ontem, reproduz as informações fornecidas pela INB. “Sempre tomamos novas medidas para evitar o que aconteceu. Equipamentos podem dar problemas. Nosso trabalho é evitar que aconteça qualquer tipo de imprevisto”, ressalta o diretor da FCN.


Enviado pelo colaborador João Suassuna — Última modificação 19/10/2011 22:32



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