Tendas flutuantes que estariam sendo usadas por turistas em pesca esportiva no Alto Rio Negro
Indígenas da região do município de São Gabriel da Cachoeira (a 851 quilômetros de Manaus), no Alto Rio Negro, no Amazonas, acusam a empresa de turismo norte-americana Acute Angling de realizar turismo e pesca esportiva durante dois meses em terra demarcada sem autorização das comunidades.
A indignação dos indígenas é maior ainda porque, embora tenham sido flagrados no início deste mês em plena captura do tucunaré (espécie preferida da pesca esportiva), os organizadores da pesca esportiva foram considerados livres de infração pela Polícia Federal e ainda tiveram seus equipamentos liberados. Em São Gabriel da Cachoeira, a PF não tem efetivo. Possui apenas um posto com poucos agentes.
Passados quase 15 dias desde o flagrante, a Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn) diz que exige explicações da Polícia Federal sobre o encaminhamento dado ao caso.
O presidente da Foirn, Abrahão França, afirmou que vai denunciar a situação ao Ministério Público Federal (MPF). A mesma medida será tomada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
“Vamos cobrar a responsabilidade da Polícia Federal para nos informar o que de fato fizeram com aquelas pessoas e com os equipamentos. O agente da PF em São Gabriel da Cachoeira disse que os homens da pesca esportiva iriam ser presos e que os equipamentos seriam apreendidos. Mas ficou por isso mesmo. Se não tomarem providências, atividades como esta voltam a acontecer porque eles se sentem impunes”, disse Marcos Apurinã, coordenador-geral da Coiab.
Segundo Abrahão França, a pesca esportiva estava ocorrendo em terra indígena, em uma área do rio Marié, afluente do rio Negro. Na área, segundo ele, vivem indígenas das etnias baré, baniwa, tucano e tuiuca.
Liberados
Procurada pelo portal acritica.com, a assessoria de imprensa da PF afirmou que o órgão decidiu liberar os organizadores da pesca esportiva porque constatou que não havia nenhuma irregularidade na atividade e que ela não era realizada em terra indígena.
A assessoria não informou como a PF chegou a essa conclusão e orientou a reportagem a entrar em contato com posto da PF, em São Gabriel da Cachoeira, mas o número fornecido só deu ocupado.
O assessor técnico da Funai em São Gabriel da Cachoeira, Domingos Barreto, afirmou que não partiu do órgão a informação de que a área não seria terra indígena. Ele disse que sequer a Polícia Federal esteve na área onde ocorria a pesca esportiva.
Segundo Barreto, um agente da PF esteve apenas em uma reunião na comunidade chamada de Itapeira, na margem do rio Negro, distante a aproximadamente 400 quilômetros da área da pescaria.
A reunião foi realizada no dia 8 deste mês para que os indígenas negociassem com o organizador brasileiro da pescaria, identificado como Wellington Mello ,uma espécie de indenização que cobrisse o que eles consideram “prejuízo” em sua área.
“A Foirn tem toda razão de pedir informações sobre o porque a PF tomou essa decisão. Se a PF tem alguém que deu a informação que onde ocorria a pescaria não é área indígena ela tem que informar. E nós, até agora, não sabemos o motivo da liberação das pessoas que organizavam a pesca esportiva. Até agora tudo é desconhecido”, disse Barreto.
Acordo
Abrahão França defendeu o acordo que havia proposto aos organizadores como uma forma de arcar com os prejuízos causados ao estoque de peixes do rio Mariá.
Segundo ele, a empresa Acute Angling já havia tentado em julho passado obter autorização para entrar na área, mas os indígenas não permitiram.
“Mesmo assim o camarada forçou a barra e entrou, pois acho que já tinha fechado o pacote com os turistas. É uma área que tem potencial para tucunaré. A gente descobriu o site e viu que eles vendiam vários pacotes. Ganharam dinheiro entrando em terra indígena sem informar nada e sem autorização”. E ainda mudram o nome de rio Marié para rio Tucano, disse França.
Conforme França, lideranças das comunidades próximas da área onde ocorria a atividade turística e a pesca esportiva denunciaram várias vezes o caso à Funai e outros órgãos federais, como Exército e ICMBio.
Como não houve retorno, os próprios indígenas decidiram formar um grupo e abordar o representante da empresa Acute Angling e os turistas.
“Nós tomamos à frente e fomos em duas voadeiras. Na primeira viagem não conseguimos encontrar. Só na segunda. Nosso objetivo era tirar mesmo as pessoas dali. Quando chegamos lá havia oito turistas, sete estrangeiros. Dissemos: ‘viemos te tirar daqui porque você não tem permissão’. Ele não queria dizer aos turistas que tudo era ilegal, algumas pessoas passaram mal”, disse.
Conforme França, os indígenas se revoltaram e estes exigiram uma doação de equipamentos. “Ficou acertado que ele doaria motor HP, barco de madeira e duas voadeiras. Mas quando a PF chegou tudo foi liberado e as lideranças indígenas estão. Agora estamos cheios de dúvidas. Não sabemos o que a PF fez depois”, disse.
Durante a apreensão ocorrida na área onde aconteceu a pesca esportiva, foi possível identificar tendas flutuantes ao longo do rio Marié. “Eles tinham muita coisa. Até caixas de cerveja. Fizeram turismo sem consentido dos índios e só deixaram prejuízo nas comunidades”, disse.
O presidente da Foirn rebate afirmação da PF de que não é terra indígena. “Como eles sabem? Nós temos mapa com as áreas demarcadas. O médio rio Negro 1 que vai até Atapori, para o lado do Japurá, onde ocorria a pesca é toda demarcada. E mesmo que não fosse demarcada, tem indígenas morando lá. Estamos preparando um dossiê sobre tudo isso e enviar para o MPF”, disse França.
Ele também acusa a Funai de ter demorado a agir, mesmo após inúmeros pedidos de vistoria na área.
Combustível
Uma funcionária da Funai em São Gabriel da Cachoeira disse ao portal que o órgão chegou a ir até uma área junto com soldados do Exército mas nada encontrou. Como o combustível acabou, foi necessário retornar.
“A gente fez solicitação da Funai de Brasília, pedido recursos. Mas até ser liberado a Foirn já estava se articulando por conta própria. Quando o coordenador e o chefe de monitoramento puderam ir as pessoas da pesca já tinham sido localizadas”, disse a funcionária.
Tanto o coordenador da Funai, Cheine Pereira, quanto o chefe de monitoramento, Edson Caldas, não estavam em São Gabriel da Cachoeira nesta terça-feira.
Em seu site, a Acute Angling continua vendendo pacotes para a pesca esportiva do tucunaré, no valor de $313,79. No site, o rio Marié é identificado como rio Tucano, mesmo nome de uma etnia indígena de São Gabriel da Cachoeira. Fonte: http://acritica.uol.com.br
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