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18 de junho de 2012

CANAL DO SERTÃO PERNAMBUCANO, UMA OUTRA VISÃO


A greve dos bodes e as águas da transposição

Clóvis Guimarães Filho

O futuro irá cobrar a montanha de dinheiro que vem sendo despejada nas águas da transposição, pois está sendo feita sem antes ter resolvido o bê-a-bá da economicidade da convivência com as secas que inclui, sobremaneira, caprinos e ovinos, os quais, se fizessem greve, inviabilizariam as águas que, porventura, conseguissem a ser transpostas.
Título original do artigo: “Canal do Sertão pernambucano, uma outra visão”.
Revista O BERRO, N. 155 – Maio de 2012
Desde o início da década passada ouvimos falar no projeto do Canal do Sertão, um canal que custaria a “fábula” de 1,2 bilhão de reais; que sairia do lago de Sobradinho levando água para irrigar 115 mil hectares de 16 municípios de Pernambuco. Num piscar de olhos, um projeto foi rapidamente articulado pela agroindústria canavieira pernambucana com a Petrobras e a japonesa Itochu Corporation para que a área produzisse cana-de-açúcar, com safras estimadas de 10 milhões de toneladas anuais e produção de etanol toda exportada para o Japão. Agora, com a aparente paralisação do projeto é uma ótima oportunidade para reavaliá-lo sob, pelo menos, dois aspectos.
Sem considerar as restrições à cana-de-açúcar impostas pelo zoneamento agroecológico, o primeiro aspecto a ser reavaliado seria o risco implícito da monocultura pela sua capacidade de exaustão do solo e da biodiversidade e de redução da mão de obra no campo, sem esquecer, ainda, o risco econômico de concorrência com outras regiões de custos operacionais mais baixos pela não necessidade de irrigação.
O segundo aspecto seria a aparente injustiça com as populações locais que sobrevivem nessas áreas há décadas, sempre encarando a pobreza, as dificuldades com as secas recorrentes, sem ou com um apoio muito precário em educação, saúde, crédito, assistência técnica, e outros fatores essenciais de produção. Finalmente, quando o governo resolve investir em obras realmente capazes de mudar a situação, chegam as grandes empresas, ocupam essas terras e reduzem essas populações a uma condição de ator secundário do processo de mudança ao invés de serem vistas como objeto principal do projeto. Evidentemente que este alijamento das pessoas não é justo e precisa e pode ser repensado, sem, necessariamente, excluir a grande empresa.
Miunças & irrigação
O instrumento que pode contribuir na solução do problema é a reformulação na concepção dos novos projetos públicos de irrigação, visando integrar as áreas irrigadas com as áreas de sequeiro (dependentes de chuva).
A categorização do produtor no acesso à água é um procedimento que permitirá multiplicar expressivamente as áreas beneficiadas pelos projetos públicos de irrigação, hoje limitadas a verdadeiros “guetos” de uso intensivo de capital e tecnologia, rodeados de “favelas” de pobreza e de subdesenvolvimento.
A proposta tem por base o estabelecimento de anéis diferenciados de oferta de água, permitindo incorporar áreas mais extensas e contemplar um maior número de famílias. O Canal do Sertão oferece o palco perfeito para começar a implantar essa nova concepção. A integração das atividades agropecuárias exercidas nas áreas de sequeiro com as das áreas irrigadas já existe e representa um formidável potencial de benefícios econômicos e sociais ainda hoje subvalorizado nos projetos públicos e privados direcionados separadamente para essas duas áreas.
Na prática, a integração se manifesta nos fluxos de insumos e serviços entre os dois espaços. O esterco caprino e ovino é o principal exemplo.  Com demanda efetiva estimada acima de um milhão de toneladas anuais do produto, consolida-se uma forte dependência da agricultura irrigada desse insumo largamente disponível na área de sequeiro. Seria até engraçado vislumbrar o desastre que causaria uma greve dos bodes deixando os pomares de manga e uva sem acesso à matéria orgânica.
A ideia a ser analisada é a expansão da área beneficiada pelo Canal do Sertão incorporando áreas de sequeiro do chamado “território de concessão” em mais duas faixas (anéis) diferenciadas de acesso à água. Isso poderia resultar em vantagens como o aumento substancial da área física beneficiada do projeto em 0,75 a 1,5 milhão de hectares, e o incremento de 15 a 30 mil produtores no total de beneficiários. Isto sem considerar a redução substancial nos custos por hectare incorporado, já que não envolve despesas com indenizações de terras e deslocamentos de famílias, considerando que esses produtores são os mesmos que já vivem na área.
Há de se considerar também o fortalecimento dos empreendimentos irrigados com base no fato de o sequeiro poder se constituir no seu maior provedor de mão de obra diversificada e qualificada, de esterco, de serviços agrícolas especializados, de parcerias em empreendimentos agropecuários e turísticos (terminações de animais, condomínios de leite, ecocapriturismo, etc.), bem como, sua maior fonte provedora de alimentos básicos.
Não podemos incorrer no mesmo equívoco do Vale do São Francisco. O potencial econômico da agricultura irrigada lá praticada é muito grande e sua relevância social representada pela geração de milhares de empregos permanentes é tremenda para ficar quase que totalmente dependente apenas da oferta de um par de produtos in natura a um mercado predominantemente externo e estacional.
Casamento possível
A região de sequeiro não é só agricultura irrigada. A caprino-ovinocultura é um exemplo disso e apresenta condições excepcionais de integrar de forma ambientalmente harmônica as duas áreas. Para se ter uma ideia, um recente estudo da Markestrat/Sebrae/Banco do Brasil, ainda não publicado, apontou uma movimentação financeira de quase 300 milhões de reais anuais da caprino-ovinocultura, apenas em cinco municípios baianos do Vale. Isto pode ser considerado excepcional, se considerarmos tratar-se de uma atividade que vive quase toda na informalidade, ou seja, é inexistente do ponto de vista oficial. É inexistente, mas representa R$ 300 milhões, em cálculo, por baixo. Pode ser muito mais, principalmente se forem admitidas cifras mais realistas para os quantitativos de rebanhos.
A busca da dinamização da economia das populações do Semiárido deve evitar a visão reducionista de desenvolvimento que enxerga duas coisas díspares, como se fossem estratégias de desenvolvimento excludentes:
1)      Uma oposição entre a “maximização da competitividade” do chamado agronegócio;
2)      A “diversificação das economias locais” propiciada pela agricultura familiar.
O projeto Canal do Sertão pernambucano pode representar um primeiro passo concreto em direção a uma nova forma de enxergar mais objetivamente as coisas do Semiárido, se conseguir chegar ao fim, de forma coerente, visando a autossustentabilidade, sem se perder nos meandros das politiquices que abundam qualquer projeto com grandiosos cifrões, como é este caso.
Clóvis Guimarães Filho – é M.Sc. em Animal Science, ex-pesquisador da Embrapa Semiárido.

COMENTÁRIOS
João Suassuna – josu@fundaj.gov.br
Somada à brilhante proposta realizada pelo pesquisador Clóvis Guimarães Filho, em seu artigo sobre o projeto do Canal do Sertão, tem-se que levar em consideração, também, a atual insuficiência volumétrica do rio São Francisco, para o suprimento das demandas hídricas da área a ser irrigada pelo projeto. Lembramos que, dos 115 mil hectares a serem irrigados, 85 mil serão destinados, exclusivamente, ao cultivo de cana de açúcar no Semiárido.
Ora, atualmente o Velho Chico não dispõe, sequer, dos volumes necessários para o atendimento da geração de energia elétrica do Nordeste. Responsável por cerca de 95% da energia que é gerada na região, a Chesf, desde de 2005, não vêm conseguindo, no Rio, gerar a energia necessária ao atendimento das demandas da região. Em 2010, por exemplo, suas usinas hidrelétricas geraram cerca de 6.000 MW médios, e o Nordeste, naquele ano, necessitou cerca de 8.000 MW. Dois mil MW médios já tiveram que vir de fora da região.
Além do mais, não conhecemos outra cultura mais eficiente, do que a cana de açúcar, para transformar a luz do sol, os gases atmosféricos e os nutrientes do solo, em sacarose. Mas, para ela fazer isso, necessita de muita água, elemento natural que o rio já não dispõe, pelo menos nos volumes necessários ao suprimento das demandas daquela aquela área sucroalcooleira, prevista no projeto.
Essa assertiva é agravada, ainda, com as informações levantadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em recentes estudos de impactos do projeto da Transposição do Rio São Francisco na agricultura irrigada do Nordeste setentrional. Segundo o IPEA, o Setentrional nordestino já dispõe de cerca de 70 mil hectares irrigados, e a proposta da transposição é a de acrescentar, a essa área irrigada, mais 191 mil hectares. O IPEA conclui nesses estudos que o Velho Chico não dispõe dos volumes necessários para a ampliação dessa área, podendo ofertar, se muito, volumes para a ampliação de cerca de 50 mil hectares, apenas.
Isso posto, ficamos indignados com a proposta de se irrigar, via Canal do Sertão, a área que estão querendo, com cana de açúcar no Semiárido, sem se considerar as condicionantes aqui citadas.
Uma vez iniciadas as obras do projeto do Canal do Sertão, não é difícil se concluir sobre o agravamento da situação volumétrica do São Francisco, para o atendimento aos múltiplos usos a que o rio é submetido, com reflexos negativos no ambiente natural de sua bacia hidrográfica.
João Suassuna é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – Recife.
BLOG SOS RIOS DO BRASIL
ÁGUA - QUEM PENSA, CUIDA!

Um comentário:

  1. aff tu nao sabe o que ta dizendo nao sabe nem o que quer o governo vem batalhando muito para melhorar a vida dos nordestinos para ser criticado dessa forma

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