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28 de setembro de 2012

Aprendendo com Formigas e Cupins – Washington Novaes


As colônias de formigas produzem diferentes tipos de ninhos, que variam em formato, número de túneis, de câmaras e disposição.
Podem ser subterrâneos, construídos em árvores ou na superfície do solo, embaixo de folhas, galhos ou dentro de troncos.
Nessa ilustração você vai conhecer um exemplo de ninho, que pode ocorrer no gênero Atta, a popular saúva.
                                                                                                                                                                                                                              

                                                                                                           Washington Novaes
Texto da BBC Brasil estampado na última segunda-feira por este jornal relata a preocupação de cientistas com a "invasão global de minhocas" e de "outras espécies alienígenas" - entre elas, as formigas -, que "já conquistaram quase todos os continentes" (a Antártida é uma das exceções). Espécies invasoras estão "vencendo a competição" com espécies locais porque se adaptam rapidamente a terrenos desmatados e alterados, mudam a estrutura dos solos. Podem reduzir efeitos da erosão, como na Amazônia, aumentar o nível de minerais no solo e estimular o crescimento de plantas. Mas afastam outras espécies. 
Estranho que possa parecer, é tema altamente relevante, fascinante mesmo, por muitos ângulos. E quem se interessar pode, por exemplo, consultar o livro Journey to the Ants - a Story of Scientific Exploration (Harvard Press University, 1994), de Bert Hölldobler e Edward O. Wilson, este último considerado um dos maiores conhecedores da biodiversidade e o maior especialista em mirmecologia, o estudo das formigas, ao qual se dedica há meio século no mundo todo, com vários livros publicados. A ponto de um deles (The Ants, 1990) pesar 3,4 quilos. Juntos, Wilson e Hölldobler têm pesquisas de quase um século.
Wilson e Hölldobler começam ensinando aos humanos uma lição admirável das formigas: o seu êxito - que as levará a dominar o planeta, de acordo com o primeiro - decorre do extraordinário comportamento de cooperação entre os milhares de membros de cada colônia, que produz extrema eficiência na busca, no transporte e no armazenamento de alimentos, na reprodução, na defesa do grupo, etc. Uma das armas principais nessa luta coletiva pela vida é o uso de vários tipos de linguagem (corporal, visual, gestual, etc.), principalmente química - porque o odor de cada parte do corpo, emitido no encontro de dois seres, pode ter significados muito específicos, como alarme, desejo de atração, disposição para cuidar da cria, oferta de alimentos, etc. E essa cooperação é a base da sobrevivência.
A colônia é o sentido fundamental da vida para cada formiga, embora possa haver disputa entre a rainha e formigas operárias quando estas se sentem em condições de reproduzir (o que cabe à rainha). Pode haver também conflitos com outras formigas da mesma espécie. Mas, com suas características, as formigas sobrevivem há muito mais tempo que os seres humanos, uns 100 milhões de anos, desde a época dos dinossauros. É quase inacreditável, quando se lembra que o tamanho de uma formiga é de cerca de um milionésimo do corpo humano. Mas elas representam 1% do quintilhão de insetos que existem no planeta - já eram na década de 1990 cerca de 10 quatrilhões e cada formiga se reproduz umas 500 vezes nos 20 anos que o ser humano leva para formar cada nova geração. Por isso, pensa Wilson, as formigas dominarão a Terra. Hoje, juntas, pesam tanto quanto todos os seres humanos.
Já existem estudos demonstrando que na Floresta Amazônica, perto de Manaus, formigas e térmites (cupins) representam um terço da biomassa animal. Se a elas se acrescentarem abelhas e vespas, serão 80% do total. Por isso, dizem Wilson e seu parceiro, pode-se afirmar que "o socialismo funciona, em certas circunstâncias. Karl Marx apenas escolheu a espécie errada" para estudar. Embora, no caso das formigas, suas 500 mil células nervosas tenham, juntas, apenas o tamanho de uma letra numa página de livro. E se todas as espécies de formigas desaparecessem, afirmam, "seria uma catástrofe".
Poderíamos aprender muito com formigas, cupins e também com muitas espécies vegetais. Há alguns anos, quando produzia um documentário para a TV Cultura, o autor destas linhas foi ao Jardim Botânico paulistano acompanhando um especialista em grandes estruturas de concreto na Universidade de São Paulo (USP), que começou mostrando uma variedade de bambu com a maior capacidade de resistência a impactos físicos por centímetro quadrado - e o estudo dos fundamentos dessa resistência serviam para orientar a criação de grandes estruturas de concreto. Depois mostrou um cupinzeiro, abrindo com as palavras: "Este é o edifício mais inteligente que existe. Aqui vivem dezenas de milhares de indivíduos, que convivem em harmonia, trafegam sem congestionamento (para buscar alimentos), sem colisões, sem conflitos, orientando-se com várias linguagens. No interior do cupinzeiro existem câmaras específicas onde a rainha deposita seus ovos para reprodução; câmaras para depósito de alimentos, com orifícios no alto para a saída de gases da decomposição; outros orifícios que são fechados ou abertos por ação dos cupins, para adaptar-se às temperaturas fria ou quente. Pode haver algo mais racional?".
No momento em que tantos estudos mostram o momento difícil que vivemos por causa das várias crises globais, incluindo a da finitude de recursos naturais, é preciso entender muito mais não apenas da relação humana com os ecossistemas, biomas, áreas específicas, mas também do significado, em cada um deles, das muitas espécies, sua importância para a conservação - e para a sobrevivência humana. É espantoso: na hora em que cientistas afirmam que toda a superfície de gelo acumulada no Ártico pode derreter-se (nos meses de verão) em quatro anos (guardian.co.uk, 17/9), liberando quantidades assombrosas de metano acumuladas sob a camada até aqui permanente, é preciso ter consciência da gravidade da situação. E da necessidade de levar os comportamentos sociais a serem adequados às novas questões. Até formigas, cupins, abelhas e vespas se enquadram nesse contexto.
É aflitivo, por isso, verificar a distância dos assuntos fundamentais em que se encontram, nesta hora, os temas das campanhas eleitorais em todo o País. Não será por essas veredas imediatistas que se poderá chegar a alguma via larga, aberta para o horizonte e o futuro.
* JORNALISTA E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
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