Um dos maiores complexos mundiais de extração de minério de ferro em Carajás, executado pela Vale, pode acabar com vestígios históricos que explicariam a presença do homem na América
Simon Romero
Arqueólogos precisam escalar camadas de selva tropical incrustadas de orquídeas, onde rondam onças e sucuris, para chegar a um dos cenários mais deslumbrantes da Amazônia: uma série de cavernas e abrigos de rocha que guardam os segredos de seres humanos que viveram ali há mais de 8 mil anos.
Em outro lugar, estas cavernas seriam preservadas como fonte de conhecimento sobre a história da humanidade pré-histórica. Mas não neste recanto, onde a mineradora brasileira Vale está avançando com a expansão de um dos maiores complexos mundiais de extração de minério de ferro — um projeto que deverá destruir dezenas de cavernas veneradas por estudiosos.
As cavernas e a espetacular riqueza mineral em seu meio apresentaram um dilema ao Brasil. O minério de ferro de Carajás, exportado principalmente para a China (onde é usado para fabricar aço), é um dos pilares do crescimento econômico brasileiro, mas pesquisadores sustentam que a ênfase nos ganhos financeiros de curto prazo ameaça este patrimônio.
Enquanto o Brasil tenta embarcar em um esforço frenético para aumentar a mineração e aprimorar a infraestrutura, as equipes de trabalho na Amazônia desenterram uma descoberta após outra. No Rio de Janeiro, por exemplo, arqueólogos estão examinando um mercado de escravos e um cemitério onde milhares de africanos foram enterrados. As descobertas vêm complicando a atualização do porto e da rede de transporte público antes da Olimpíada de 2016.
A Justiça brasileira pode exigir que as empresas preservem sítios arqueológicos, ou que ao menos transfiram materiais arqueológicos a universidades ou museus onde possam ser estudados, antes de prosseguir com as obras.
Pesquisadores dizem que as cavernas de Carajás, que começaram a ser estudadas por arqueólogos na década de 1980, oferecem informações do que podem ser os mais antigos estágios de habitação humana na maior floresta tropical do mundo, ajudando a montar o quebra-cabeça de como as Américas foram povoadas.
A Amazônia já era um foco de investigações arqueológicas, com pesquisadores descobrindo evidências de que mais pessoas podem ter vivido na região. Embora se pensasse que a Amazônia fosse incapaz de sustentar sociedades grandes e sofisticadas, hoje os pesquisadores sustentam que a região pode ter sido lar de prósperos centros urbanos antes da chegada de Colombo.
Vale contratou arqueólogos para estudar região de carajás
Antes dessas cidades serem entalhadas na floresta, as pessoas viviam nas cavernas da Amazônia. Em Pedra Pintada, uma caverna que (como as de Carajás) também fica no Pará, Anna C. Roosevelt, arqueóloga americana, mostrou que caçadores-coletores se mudaram para a região de 10.900 a 11.200 anos atrás, muito antes do que se imaginava — na mesma época em que os povos da América do Norte caçavam mamutes.
Fora da Amazônia, descobertas notáveis foram anunciadas nos últimos meses em outros sítios brasileiros. Em Lapa do Santo, abrigo rochoso perto de Belo Horizonte, arqueólogos encontraram, neste ano, o pictograma figurativo mais antigo do Novo Mundo até então. O desenho de um homem com pênis exagerado teria sido feito de 10.500 a 12 mil anos atrás.
A Vale começou a desenvolver os depósitos de minério de ferro depois de sua descoberta, em 1967, por um geólogo brasileiro que procurava manganês para a United States Steel Corporation. Desde então, a Vale foi privatizada, mas o governo ainda detém participação acionária.
Devido, em grande parte ao complexo de Carajás, onde milhares de operários trabalham 24 horas por dia, a Vale é responsável por 16% do total de exportações do Brasil. Enquanto a empresa luta com uma acentuada queda nos lucros e com atrasos em projetos fora do Brasil, Carajás deve se tornar ainda mais importante.
A Vale declarou que pretende criar 30 mil empregos na expansão da extração de minério de ferro em Carajás, um projeto de US$ 20 bilhões chamado Serra Sul — que já está atraindo milhares de migrantes de todo o Brasil a esta movimentada parte da Amazônia.
Para cumprir com as normas sobre sítios arqueológicos, segundo executivos da Vale, a empresa contratou arqueólogos e uma equipe de espeleólogos, ou estudiosos de cavernas, para estudar a região da mina aberta de Carajás. A Vale também adaptou sua proposta de construção para preservar algumas cavernas, enquanto planeja destruir dezenas de outras. Embora a Vale reconheça que pelo menos 24 das cavernas a serem destruídas são "de alta relevância", ela declarou que preservará cavernas em outra região do Pará para compensar a perda.
— Para nós, existe apenas um procedimento, que é ser transparente — declarou Gleuza Josué, diretora ambiental da Vale.
Descrevendo a expansão de Carajás como um projeto de "extrema importância", ela disse que a Vale havia cumprido rigorosamente com a legislação ambiental e arqueológica para prosseguir com seus planos.
Autoridades regulatórias disseram ter obtido concessões da Vale, mas não conseguiram impedir a expansão da mina. Apesar das preocupações arqueológicas, o governo concedeu à empresa uma licença ambiental em junho, autorizando o prosseguimento da expansão. A companhia ainda precisa da licença de instalação.
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