Indispensável à vida humana, a água deveria, em primeiro lugar, saciar a sede das pessoas e suprir as necessidades básicas de saneamento. Depois poderia servir à agricultura, para produzir alimentos e matar a fome no mundo. Cumpridas essas funções, de maneira racional, se destinaria também às atividades industriais e exploratórias.
Deveria, mas nem sempre é o que acontece. Por causa dos grandes empreendimentos privados em fase de instalação ou licenciamento em Minas Gerais, a demanda por água vai aumentar, e não é para seu uso mais nobre. Em alguns casos, como dos minerodutos, a água (em grande quantidade) funcionará como um meio de transporte para a atividade extrativista.
Um dos casos emblemáticos é registrado em Santa Bárbara. A Samarco Mineração, para colocar em operação o Projeto Quarta Pelotização (P4P), vai captar 569 litros por segundo (l/s), 24 horas por dia, no rio Santa Bárbara, em Brumal. Embora não haja ilegalidade na atuação da empresa, a população se assustou ao ver o diâmetro dos canos da adutora que levará parte do manancial para o mar.
Os serviços começaram em 2012 e, desde então, diversas audiências públicas foram realizadas para tratar do assunto. Apesar da contestação de alguns membros da sociedade na ocasião, boa parte foi a favor, esperançosa com as perspectivas de desenvolvimento. À medida que a obra avançou, entretanto, a comunidade começou a perceber a real dimensão dos impactos.
O P4P vai elevar a capacidade produtiva da Samarco em 37% a partir de 2014 e empregar, no pico das obras, 13 mil pessoas. Do investimento maciço, da ordem de R$ 5,4 bilhões, pequena parcela será aplicada em terras santa-barbarenses. Ao ceder sua água, Santa Bárbara receberá em troca algumas ações sociais consideradas pequenas por autoridades locais. “Agora a empresa tem todos os licenciamentos e a obra está adiantada. Devíamos ter posto a boca no trombone antes”, afirmou um morador. São três projetos que custarão à empresa R$ 230 mil: “Brumal Costura sua história”, “Brumal: Sabor, Lazer e Arte” e “Brumal Encanta”, todos escolhidos pela própria comunidade.
A mineradora afirma que a água a ser usada no projeto não vai interferir no abastecimento da população, pois a estação está sendo implantada abaixo da captação que atende Santa Bárbara. “É importante esclarecer ainda que, conforme previsto em lei, o abastecimento para consumo humano sempre será prioritário”, diz a empresa, em nota.
Para se beneficiar do rio Santa Bárbara, a Samarco vai pagar uma taxa à agência do Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Piracicaba. A cobrança foi aprovada pelo CBH em 2011, conforme a Deliberação Normativa nº 15/2011. A cada m³ de água consumido, ou seja, mil litros, a empresa paga R$ 0,021 e mais R$ 0,022 pela transposição, porque a água não é devolvida. Os valores variam de acordo com as bacias hidrográficas e atividades beneficiadas.
O engenheiro sanitarista Jorge Borges, que tem mais de 30 anos de experiência na área, afirma que as discussões sobre cobranças são feitas em reuniões de comitês de bacia. Acontece que as empresas, principalmente grandes mineradoras, enviam a esses encontros equipes técnicas altamente qualificadas para defender seus interesses. “Claro que elas não estão erradas, afinal são empresas”, afirma o engenheiro. Com fortes argumentos, as corporações conseguem preços melhores. Outra cena comum nas reuniões é a presença de ex-servidores de instituições, como Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e Agência Nacional das Águas (ANA), trabalhando para empresas privadas. A explicação? Salários melhores.
Se por um lado as empresas defendem seus interesses, por outro a população também deve ir à luta. No caso dos minerodutos, a água retirada não volta para a bacia e, se houver várias captações num mesmo rio, o restante do curso fica comprometido. Ainda mais que os projetos minerários em Minas Gerais estão, em grande parte, perto das cabeceiras e nascentes.
Não tão adiantada como a Samarco, a Manabi, em Morro do Pilar, é outra mineradora que vai tirar muita água da bacia do Santo Antônio. Pela praticidade e viabilidade econômica, a empresa também optou pelo mineroduto, que terá mais de 500 km de extensão entre a mina e o porto de Linhares, no Espírito Santo.
Antes de ser divulgada a notícia do empreendimento da pré-operacional, um relatório do Plano Integrado de Recursos Hídricos do Rio Doce previa um aumento de apenas 1,1% no consumo de água para diversos usos na bacia do Santo Antônio, passando de 901 l/s, em 2006, para 911 l/s, em 2030.
A demanda para o consumo industrial, de acordo com o relatório, não ultrapassaria 276 l/s em 2030. Não ultrapassaria. O estudo deixou de fora, na época, os empreendimentos em fase de licenciamento, como o da Manabi, que vai usar, sozinha, 819 l/s dos rios Santo Antônio e Preto. As autorizações foram concedidas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) em 2011 e valem até janeiro de 2016.
Pequenas Centrais Hidrelétricas
O grande potencial do Santo Antônio atrai não apenas empreendimentos privados, mas a atenção do próprio Governo do Estado. Um assunto que tem gerado polêmica, principalmente em Ferros, diz respeito exatamente ao projeto de construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) ao longo da bacia. No dia 27 de fevereiro, uma audiência pública foi realizada na cidade, quando a Minas PCH apresentou o projeto operacional e o relatório de impactos ambientais da PCH Ouro Fino, prevista para operar na divisa de Ferros com Joanésia.
A audiência foi feita mesmo depois de a juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública de Minas Gerais, Lilian Maciel, ter determinado, desde agosto de 2011, a suspensão de todos os licenciamentos de empreendimentos do tipo na bacia do Santo Antônio, sob alegação de que a ausência de impactos integrados entre as várias PCHs oferece risco de um colapso ambiental.
No caso da PCH Ouro Fino, uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) à Minas PCH garante a continuidade dos estudos para implementação do projeto, até que haja a concessão da Licença Prévia (LP) por parte da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A realização da audiência pública em Ferros fez parte desse processo.
A presidente da Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros (Addaf), Tereza Cristina Almeida Silveira, a Tininha, questiona a política de geração de energia do Governo do Estado, da qual a construção de PCHs é considerada ação estratégica. “Não se pode gerar energia a partir de severos passivos ambientais. Diante da exigência da Justiça, a Universidade Federal de Lavras, em parceria com a Semad, elaborou uma análise ambiental integrada que apenas cruzou dados dos relatórios anteriores, apresentados nas etapas de licenciamento das várias PCHs previstas. Não houve trabalho de campo”, explica a ambientalista. No total, estão previstos 22 empreendimentos do tipo na bacia do Santo Antônio, todos privados. Parte deles já está em operação.
Abastecimento das cidades
Os municípios de Santa Bárbara, Morro do Pilar, Ferros e outros, onde se pretende usar em grande escala o potencial dos rios, ainda não sofrem com o desabastecimento. O mesmo não se pode dizer de Itabira, cidade que cresceu graças à mineração. Além de operar abaixo do necessário, o sistema de abastecimento itabirano capta cerca de 100 litros de água por segundo (l/s) sem sem autorização. Significa que a cidade está usando mais do que deveria as fontes disponíveis. A escassez é explicada pela ausência de investimentos em saneamento no decorrer dos anos.
De acordo com o engenheiro Jorge Borges, vai chegar o momento em que a autarquia terá de se adequar. Para livrar Itabira de um desabastecimento e tirá-la da ilegalidade, três projetos estão em andamento. Dois deles, o do rio de Peixe e o da barragem Santana, são de curto/médio prazo. O projeto do rio Tanque é o mais importante (e também o mais caro), por ser capaz de atender a cidade pelos próximos 30 anos com tranquilidade. Esse é de longo prazo.
No caso da barragem Santana, o projeto técnico elaborado pela Vale terá de passar por algumas modificações. A obra custará aproximadamente R$ 10 milhões e adicionará ao atual sistema de distribuição do Saae 100 l/s. No rio de Peixe, a obra é mais simples e a previsão é que a captação de 60l/s começa em junho de 2014 e custará R$ 3,5 milhões.
No caso do rio Tanque, a obra ainda é uma realidade distante. A verba de R$ 1,22 milhão do Governo Federal, destinada em 2011, foi liberada no último dia 2 de abril. O recurso estava travado por causa da burocracia. De acordo com estimativas do Saae, serão gastos mais de R$ 50 milhões na obra, cifras que, somadas aos custos operacionais por três décadas, ultrapassarão R$ 70 milhões.
Para não correr o risco de acordar tarde demais, as cidades mineradoras de Minas Gerais devem fazer como São Gonçalo do Rio Abaixo. O município vai reforçar a disponibilização de água à população diante da perspectiva de crescimento populacional para os próximos anos. A cidade tem atualmente pouco mais de 10 mil habitantes, que são atendidos tranquilamente com os 17 l/s de água captados. Mesmo assim, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DAE) pretende elevar essa quantidade para 30 l/s com a construção de uma nova Estação de Tratamento de Água (ETA).
Composto por hidrogênio e oxigênio, sem cor, cheiro ou sabor, a água é um bem precioso e finito, já escasso em muitos lugares do mundo. Não se pode deixar que a poluição, o desperdício e o uso desregrado representem uma ameaça para as próximas gerações. O segredo é saber usar.
Boa Noite, estou desenvolvendo um projeto socioambiental em Ferros e em seus seis distritos e preciso de um contato para conversar sobre o projeto. Ja tenho como parceiros do projeto, a prefeitura Municipal, ADDAF, Fundação Gastão Couto e Apae de Ferros. Alem de outros potenciais apoiadores. Gostaria de apresentar o projeto para responsáveis pela área social de sua empresa.Favor entrar em contato comigo. Amaury Lage, email: amaurylage@hotmail.com
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