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13 de agosto de 2013

Aterrando mangues e destruindo o futuro

Com 1,7 milhão de m², o terreno em Guaratiba que seria utilizado durante a visita do Papa tem 4 vezes o tamanho do Estado do Vaticano.
Com 1,7 milhão de m², o terreno em Guaratiba que seria utilizado durante a visita do Papa tem 4 vezes o tamanho do Estado do Vaticano. Crédito: G1

Com o novo Código Florestal brasileiro, Lei 12.651 de cinco de maio de 2012, vitória de ruralistas e derrota dos ambientalistas, tudo fica mais fácil para se usar as áreas de preservação permanente definidas pela Lei, que abre muitas brechas, inclusive para os mangues e áreas de restingas. Antes do advento da lei, ora em vigor, duvido que as autoridades constituídas do Rio de Janeiro teriam permitido aterrar o Campo da Fé em área reconhecida como de “preservação permanente em toda sua extensão”. Porém com tantas excepcionalidades para o “interesse social” e para a “utilidade pública” parece que tudo se consegue.
 
A providência divina ou as forças da natureza agiram e tudo se tornou como seria de esperar, uma área alagada e barrenta. Quanto dinheiro jogado fora e quanta vida marinha perdida já que o mangue é o berço de muitas espécies vivas entre mamíferos, aves, peixes, moluscos e crustáceos, indispensáveis para as populações costeiras que dele extraem seus alimentos. Os mangues são responsáveis ainda pela produtividade primária das zonas costeiras. Produzem expressiva quantidade do alimento que o homem pesca. Além do mais são filtros para os sedimentos que se encaminham para o mar e bancos genéticos indispensáveis para reflorestamento, que evitam ou minimizam a presença de metais pesados em áreas similares.

Embora o assunto no Campo da Fé tenha chamado a atenção e agora as autoridades responsáveis comecem a se pronunciar, resulta evidente, no Brasil, que nem é mais preciso se esconder para aterrar mangues ou outras áreas de preservação permanente. Tudo é executado na frente de todos. Não há mais medo. Aterra-se e pronto.

Destruição em Floripa

Vivo em Florianópolis, cidade que é considerada a melhor capital para se viver no nosso país, que está em região de produção de ostras, com 95% da produção brasileira, com criações de vieiras, mexilhões e outras, onde as baleias francas veem parir e amamentar seus filhotes, onde existe a pesca de milhares de toneladas de tainha e de anchova anualmente. Isso acontece não obstante o fato de que grande parte da expansão urbana das quatro ou cinco últimas décadas tenha sido feita principalmente sobre os manguezais ou sobre restingas e dunas. Bairros inteiros se levantaram sobre mangue, como no caso de Daniela, mesma situação de enormes shoppings e hotéis. Estes fatos deram lugar a escândalos, é verdade, entretanto não impediram a sua construção nem seu funcionamento. E tudo continua igual. Por exemplo, agora, na sombra de um shopping se está terminando de saturar o pouco de mangue que restou nos lados da rodovia 401. No final, desparecerão os cinco grandes manguezais da Ilha de Santa Catarina: Ratones, Saco Grande, Itacorubi, Rio Tavares e Tapera, que já estão reduzidos à sua mínima expressão. E com eles, muito da riqueza do litoral da ilha.

Aterro feito sobre mangue na estrada de acesso ao aeroporto Hercílio Luz.
Aterro feito sobre mangue na estrada de acesso ao aeroporto Hercílio Luz.

Para salvar alguma coisa dos mangues, os pescadores e os cientistas conseguiram, com grande dificuldade, estabelecer algumas reservas, como a Estação Ecológica dos Carijós e a Reserva Extrativista Pirajubaé. Vã Ilusão. Ambas estão sendo corroídas pelas bordas por invasores e impactadas pela contaminação. Pior ainda, o próprio governo participa da destruição com a sempiterna desculpa da utilidade pública.

Duplicação da rodovia que leva ao aeroporto Hercílio Luz avança sobre a Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé.
Duplicação da rodovia que leva ao aeroporto Hercílio Luz avança sobre a Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé.

Esse caso atual ocorre na Reserva Extrativista Marinha de Pirajubaé, onde se está fazendo uma ampla duplicação da estrada que leva até o aeroporto Hercílio Luz. E, aproveitando da ocasião, também se está construindo, em área de mangue, escolas e creches, prometidas por políticos certamente. Ninguém se opõe a melhores estradas e infraestrutura de educação. Porém, tinha-se que destruir manguezais e áreas verdes para isso? A estrada cruza aonde há um grupo organizado de pescadores, os mesmos que conseguiram estabelecer a Reserva, e extraem os berbigões tão típicos de Santa Catarina. As fotos tiradas agora para esta coluna provam o que aqui se diz.

Nem o governo respeita as leis: escola sendo construída sobre o mangue.
Nem o governo respeita as leis: escola sendo construída sobre o mangue.

E depois como vão ser as inundações? Como manter o fluxo das águas tão vital para o mangue? Quem vai pagar pelas sequelas? Porque ostreicultores e demais pescadores não protestam? Eles serão os primeiros a sentirem os prejuízos. Não importa, pois isto é o futuro e o que interessa é o agora. Ninguém pensa nas sequelas ou dimensiona os prejuízos sociais e ambientais. Já estamos conseguindo praticamente acabar com todos os mangues e restingas do Brasil, que naturalmente ocorriam do Amapá até Santa Catarina.

Outra vez digo: ninguém parece prestar atenção ou se importar. O que aconteceu com o Campo da Fé foi um bendito exemplo das consequências de se ir além da lei e das regras da natureza. Chamou a atenção pela irresponsabilidade e desmandos de autoridades. Quem sabe foi algo para se chamar atenção com relação à desenfreada destruição dos mangues? Quem sabe se esse incidente evitará outros desastres?

Fonte: Maria Tereza Jorge Pádua / O Eco
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