Projeto coordenado pelo pesquisador Felix Guillermo Reyes Reyes, da Unicamp, é realizado no âmbito de um acordo entre a FAPESP e a Agilent Technologies (foto: Neuza Campelo/Embrapa Amazônia Ocidental)
Grupo desenvolve métodos para detectar resíduos de fármacos veterinários em peixes
04/11/2013
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Desenvolver métodos para detectar resíduos de fármacos veterinários em peixes que possam ser úteis para programas de vigilância sanitária é o objetivo de um grupo de pesquisadores coordenado por Felix Guillermo Reyes Reyes, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA/Unicamp).
O projeto, que também envolve pesquisadores do Instituto de Química da Unicamp, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Embrapa, foi um dos aprovados na chamada de propostas lançada em abril de 2013 pela FAPESP e pela Agilent Technologies.
“Vamos estudar como os fármacos veterinários são absorvidos e metabolizados pelas três espécies de peixes de maior valor comercial no Brasil: tilápia, tambaqui e pacu. Realizaremos estudos de depleção de resíduos, particularmente em filé de peixes, que é a parte consumida, a fim de saber quanto tempo leva para que a substância administrada esteja abaixo do limite máximo permitido e não ofereça risco à saúde humana. Assim, poderemos estabelecer o período de carência entre a última aplicação do medicamento e o momento em que o peixe é abatido para consumo”, explicou Reyes.
Serão desenvolvidos métodos analíticos tanto para a determinação de moléculas específicas como métodos multirresíduos. Do ponto de vista da vigilância sanitária, um dos objetivos é avaliar o uso de substâncias não aprovadas para a piscicultura.
“Há atualmente apenas dois antimicrobianos registrados no país para uso na piscicultura – provavelmente por falta de interesse das empresas de medicamentos veterinários em licenciar seus produtos para uso no setor. Existe, por outro lado, uma forte suspeita de que os criadores estejam utilizando produtos registrados para outras espécies animais, pois os peixes criados nessas condições estão sob forte estresse e, portanto, muito suscetíveis a infecções. Mas esse uso ilegal é feito sem qualquer estudo para verificar a dose adequada e sem avaliação de risco”, disse Reyes.
Além da ameaça à saúde dos consumidores, alertou Reyes, o uso não controlado de fármacos veterinários na piscicultura pode trazer prejuízos ambientais e contribuir para o desenvolvimento de resistência bacteriana aos antimicrobianos hoje existentes.
“Algumas dessas substâncias foram estudadas em outros países para uso na piscicultura, mas os resultados não são necessariamente válidos para o Brasil, pois as condições ambientais são diferentes e as espécies estudadas também. Tudo isso influencia a forma como o fármaco é metabolizada e, consequentemente, o período de carência”, disse Reyes.
O professor da Unicamp apresentou detalhes do projeto em um simpósio organizado pela FAPESP e pela Agilent no dia 30 de outubro. Na ocasião, Reyes afirmou que o Brasil, com 12% da água doce disponível do planeta, reúne condições para se tornar o maior exportador de peixes e derivados do mundo.
“Para o governo federal, a aquicultura é uma atividade importante do agronegócio. A FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] considera o Brasil como o principal país para produzir peixes que ajudarão a alimentar a população mundial nos próximos 20 anos. Mas precisamos tomar cuidado para não poluirmos o ambiente nessa empreitada. A pesquisa científica é fundamental para garantir a qualidade da produção e a integridade do meio ambiente”, disse.
Doença de Gaucher
Outro projeto aprovado na chamada de propostas FAPESP-Agilent foi apresentado pela professora Aparecida Maria Fontes, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP). O objetivo é desenvolver um novo medicamento para o tratamento da doença de Gaucher.
Classificada como um erro inato do metabolismo, essa doença genética se caracteriza pela deficiência na produção da enzima beta-glicosidase, também conhecida como glicocerebrosidase. Essa enzima está envolvida no metabolismo de lipídios no interior das células, mais especificamente do glicocerebrosídeo.
Nos portadores da doença de Gaucher, a quantidade da enzima é insuficiente para decompor o glicocerebrosídeo na velocidade ideal e esse lipídio acaba se acumulando nos lisossomos das células, afetando principalmente o fígado, o baço e a medula óssea, mas podendo também acometer outros órgãos, como o sistema nervoso central (no caso dos subtipos II e III da doença). Além de aumento no volume abdominal resultante do inchaço do baço e do fígado, os sintomas incluem anemia, trombocitopenia (redução do número de plaquetas no sangue) e dor nos ossos.
“Existem, atualmente, quatro proteínas comerciais para fazer a terapia de reposição enzimática para os portadores da doença de Gaucher. Nosso objetivo é, por meio de ferramentas da biologia sintética, desenvolver uma plataforma otimizada para produzir a enzima beta-glicosidase. O projeto conta com algumas inovações que vão aumentar a produtividade e tornar o produto mais barato”, contou Fontes.
Os biofármacos usados na terapia de reposição enzimática para doenças de disfunção lisossomal, explicou a pesquisadora, são produzidas em diferentes tipos de linhagens celulares e requerem diversas modificações para a entrega nos tecidos alvos acometidos pela doença.
O grupo coordenado por Fontes – que inclui pesquisadores da Genética Médica do Departamento de Genética e do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP/USP e também do Departamento de Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP – pretende desenvolver, com ajuda de vetores virais, uma linhagem de células humanas capazes de produzir níveis muito mais altos da enzima.
“Vamos usar um vírus incapaz de se replicar no meio celular, mas que contém elementos que vão se recombinar e se integrar ao genoma da célula hospedeira. Como consequência, a célula passa a ter expressão permanente do gene de interesse. Mas, em vez de utilizar a tecnologia do DNA recombinante, vamos usar técnicas da biologia sintética para desenvolver o genoma do nosso veículo de expressão, que é o vírus”, disse Fontes.
Segundo a pesquisadora, a plataforma desenvolvida para a produção da enzima poderá depois ser adaptada para obter biofármacos úteis no tratamento de outras doenças genéticas que afetam o metabolismo – algumas atualmente sem opções terapêuticas, como a doença de Nieman-Pick, a mucopolissacaridose tipo IVA, α-manosidose, entre outras.
Mapa metabólico
O seminário promovido pela FAPESP e pela Agilent contou ainda com a participação do pesquisador Paulo Mazzafera, do Instituto de Biologia da Unicamp, que coordena um projeto aprovado na primeira chamada de propostas, lançada em 2011.
O objetivo de Mazzafera e de seus colaboradores no projeto é descobrir como a variação de temperatura e da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera influenciam a síntese de lignina (substância estratural da planta) em duas espécies de eucalipto: a Eucalyptus globulus, que é nativa de regiões frias e oferece um maior rendimento na produção de celulose, e a Eucalyptus grandis, espécie comum no Brasil, que possui um tipo de lignina mais difícil de ser removida para a obtenção da celulose.
“A ideia é entender como funciona o metabolismo dessas espécies e, com base nessas informações, pensar em trabalhar com determinados genes para alterar a via de lignina na planta”, disse Mazzafera.
No primeiro ano do projeto, os pesquisadores mediram diversos parâmetros fisiológicos das duas espécies – como crescimento, fotossíntese e produção de açúcares – em faixas variando de 5ºC a 35ºC.
Foram então definidas três faixas de temperatura para o experimento principal: 10ºC, 25ºC e 35ºC. Para cada faixa de temperatura, foram simuladas duas concentrações de CO2: 380 partícula por milhão (ppm), que é a concentração média da atmosfera terrestre, e 700 ppm (prevista pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC – para os próximos anos).
“As plantas foram crescidas por aproximadamente 30 dias nessas condições. Coletamos material e agora vamos começar a análise metabolômica, ou seja, avaliar os vários metabólitos que a planta produz. Vamos também fazer a análise transcriptômica, que consiste em um banco de RNAs mensageiros que permite ver o que está mais ou menos expresso em cada situação. No nosso caso, o foco é a síntese de lignina, mas certamente o banco será suficientemente rico para se estudar outras várias respostas metabólicas às condições em que as plantas cresceram”, contou.
Para fazer as análises, contou Mazzafera, a Agilent disponibilizou um software conhecido como GeneSpring, capaz de integrar os dados de metabolômica e de transcriptômica e gerar um mapa metabólico da planta.
Parceria em pesquisa
Na abertura do simpósio, o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, José Arana Varela, destacou a importância de reunir pesquisadores que tiveram projetos aprovados nas duas chamadas de propostas para promover a troca de experiências.
“Este programa começou em 2011 e tem sido muito bem-sucedido. Esta é uma oportunidade de fazer uma avaliação e ver se há pontos a serem melhorados”, disse Varela.
Jack Wonstrand, diretor de relações com universidades da Agilent, ressaltou que a empresa tem um forte compromisso acadêmico no Brasil. “Nenhum lugar no país é mais importante para nós que o Estado de São Paulo. Estamos concentrados em construir nossas relações acadêmicas aqui e a experiência de trabalhar com a FAPESP tem sido excelente. Nada acontece sem uma administração eficiente. Queremos que os pesquisadores participantes realmente façam progressos diligentes e tenham um entendimento claro do que queremos alcançar. Para isso, essas reuniões são fundamentais”, afirmou.
O total de recursos disponível para atender as propostas selecionadas na segunda chamada de propostas é equivalente a US$ 800 mil, igualmente compartilhados entre FAPESP e Agilent. As propostas foram apresentadas de acordo com as normas do Programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP.
Foto e texto: AGÊNCIA FAPESPBLOG SOS RIOS DO BRASIL
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