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6 de fevereiro de 2014

O VALOR DA ÁGUA PARA OS BRASILEIROS DO NORDESTE E DO SUL/SUDESTE


Morador mostra água barrenta que é retirada de poço para abastecimento da comunidade no distrito de Alencar. Foto: Alex Santana/Iguatu.net

"Nós, nas regiões Sul e Sudeste, não damos a mesma importância que a palavra água tem para os moradores do Nordeste"

Maior autoridade brasileira na questão dos recursos hídricos e do abastecimento de água, o professor Benedito Braga foi eleito em 2012 o presidente do Conselho Mundial da Água, com sede em Marselha, na França. 
 
Professor da Escola Politécnica da USP, ele se diz muito preocupado com a situação do sistema Cantareira, que nesta semana atingiu o pior índice de reserva de água, chegando a apenas 21,2% da capacidade total de fornecimento e armazenamento de água para a região metropolitana de São Paulo. 
 
Segundo Braga, a situação é “gravíssima” e um racionamento de água é “iminente” e pode começar a qualquer momento em São Paulo. 
 
Ele critica a lentidão da Sabesp, a empresa governamental que administra os recursos hídricos de São Paulo, na execução das obras que trariam água do Rio Juquiá para a região metropolitana, que estão dois anos atrasadas e devem ser entregues apenas em 2018 pelo governo de São Paulo. 
 
Ph.D. pela Universidade de Stanford (EUA) e responsável pelos fóruns da ONU  sobre a água nas reuniões de Haia e Kyoto, Benedito Braga defende a adoção em São Paulo e no Brasil de políticas mais duras para combater o desperdício em São Paulo. 
 
“Precisa passar uma lei [na Câmara Municipal] autorizando a municipalidade a multar a pessoa que desperdiça. Como foi feito na época do apagão elétrico, em 2001. Naquela época, o brasileiro era limitado a gastar energia com o máximo de 400 kWh por mês. Se você gastasse mais, eles cortavam a sua energia por uma semana. Funcionou (…)  É preciso algo semelhante também para limitar o consumo de água”, justifica.
A reportagem e entrevista é de Rodrigo Rodrigues e publicada pelo Terra Magazine, 04-02-2014.
 
Eis a entrevista.
 
Com 21,2% da capacidade de armazenamento, o reservatório Cantareira enfrenta uma situação muito grave?
É uma situação bastante grave. Nós tivemos em 2012 e 2013 anos de vazão de água neste reservatório abaixo da média, o que levou a essa situação crítica que vivemos agora. O mais complicado é que em dezembro, quando a chuva média é da ordem de 260 milímetros, choveu apenas 60 milímetros. Em janeiro, que a média é 270, mas choveu apenas 88 milímetros. Em fevereiro há uma previsão de que até meados do mês não há previsão de chuvas pelo sistema do governo federal, ligado ao INPE, que faz previsões meteorológicas. Então, é uma situação absolutamente crítica e os paulistanos começam a sentir agora o que é viver no Nordeste. A água passa a fazer parte da segurança pessoal. Ou seja, respondendo objetivamente à sua pergunta: a situação é muito crítica. 
 
O sistema Cantareira corre risco de colapso? O racionamento já é necessário?
Nós estamos num risco real de racionamento. Com os dados que temos disponíveis já é possível dizer que haverá racionamento se a situação se mantiver nesse estágio. Mas veja, previsão meteorológica hoje é muito melhor do que era anos atrás, mas ainda há incertezas. Pode acontecer que em fevereiro chova bastante e os reservatórios voltem ao normal. Mas com as informações que nós temos da meteorologia, há uma iminência de racionamento sério. Portanto, o cidadão tem que se conscientizar e fazer sua parte. Tomar banho mais curto, não lavar o carro, não deixar torneira pingando, não lavar a calçada. Economizar água de verdade.
 
Se a situação é tão crítica, na avaliação do sr o Governo de São Paulo está dando respostas satisfatórias para o problema, propondo apenas uma campanha de racionalização de uso com bônus na conta de água?
Se nós pensarmos daqui para frente, é isso que tem que ser feito. Não adianta chorar. É um caminho sem volta e correto, sem dúvida nenhuma. Porque a situação é extremamente grave. Se você levar em conta que se gasta uma média de 110 litros d’água num banho. E você pode tomar um banho de 5 minutos com 40 litros. A economia que precisa ser feita é da ordem de 30 litros por habitante por dia. O problema de todo plano de contingência e da preparação para os desastres no Brasil está no planejamento. É uma questão até cultural. No caso das enchentes, por exemplo, todos os anos acontecem as mesmas coisas, mas a cidade se prepara? Não. Nós não nos preparamos para o imprevisto da estiagem. Talvez com o trabalho da mídia e os fenômenos meteorológicos recentes, os governos comecem a se preparar. Previsão nós fazemos bem: tem radar meteorológico, satélites, etc. Mas não há um plano. É tudo feito em cima da hora. Portanto, acho que o que está sendo feito é o que deve ser feito. Não tem nada errado. Mas, para a próxima seca ou inundação, nós temos que ter um plano de contingência e ações mais rápido e eficiente em São Paulo. 
 
Então o sr quer dizer que a conscientização pública poderia ter começado antes pela Sabesp?
Pois é. Já havia lá em dezembro uma perspectiva muito preocupante, quando choveu apenas 60 milímetros, quando a média é de 260. Fica tudo na base do otimismo, achando que vai chover em janeiro. Janeiro também não choveu e a gente agora está numa situação complicadíssima, porque as previsões dizem que até meio de fevereiro não há expectativa de chuva. Além disso, nós temos a questão da infraestrutura. Há três anos dei uma entrevista para a revista “Istoé” dizendo que nós já estávamos atrasados. Eu dizia que se não se fizesse as obras de transposição de água, iria faltar para a população de São Paulo. A Sabesp está construindo um sistema para trazer água do Rio Juquiá. O que deve resolver bem o problema. Mas a previsão é só para 2018. Esse sistema já devia estar pronto agora. 
 
De quem é a culpa pelo problema: do Governo de São Paulo ou da Sabesp?
Não quero dizer que é um problema deste ou daquele governante. Mas nós temos um sistema neste País de controle que vai além da racionalidade. O órgão ambiental dá a licença, o Ministério Público vai lá e caça. Isso atrasa a obra um, dois anos. É legítimo que o setor ambiental cuide para que as obras sejam eficientes e impactem o mínimo possível na natureza. Mas não é possível continuarmos num sistema tão moroso e complexo para a implantação de infraestrura no País. É preciso mais racionalidade. Isso vale não só em São Paulo, mas para a maioria das obras doPAC (Plano de Aceleração do Crescimento) no Brasil. Hoje nós estamos aqui, passando por uma situação de um sistema que poderia estar pronto mas teve 500 e tantas ações contra, que no final foi tudo autorizado e só atrasou a obra. 
 
Briga-se, briga-se e depois se releva tudo. Se é para proibir, proibimos. Pronto e acabou. Partimos para um novo planejamento e novas alternativas. Mas essa questão cultural da nossa alma luzitana de tentar compatibilizar tudo e ser generoso é perverso para o problema da infraestrutura. Não há um culpado específico aqui e ali. É todo um emaranhado público que precisa ser simplificado para dar mais eficiência ao Estado. 
 
Incentivo monetário na conta é a única solução para melhorar a relação do cidadão com o fornecimento de água? É preciso ter mecanismos mais duros para o uso racional?
Sim. Nós não temos um mecanismo para multar o cara. Ele usa o quanto quiser e paga por isso. Precisa passar uma lei, um decreto [na Câmara Municipal], autorizando a municipalidade a multar a pessoa que desperdiça. Como foi feito na época do apagão elétrico, em 2001. Naquela época, o brasileiro era limitado a gastar energia com o máximo de 400 kWh por mês. Se você gastasse mais, eles cortavam a sua energia por uma semana. Funcionou. Nós não tivemos apagão. Como a questão da água encanada é uma questão municipal, defendo que os vereadores municipais e o prefeito baixem uma lei ou decreto para limitar o consumo de água. 
 
É um caminho correto? Em ano de eleição, o sr acha que o governador e o prefeito teriam coragem de bancar uma proposta dessa natureza?
Acho um caminho correto. É preciso autorizar a Sabesp a aplicar multas e, se o cara não pagar a multa, cortar a água dele. Nós precisamos dar o real valor que água tem. Aqui na região Sudeste e Sul não se dá o valor que ela tem, como no Nordeste ou Norte do País. A Sabesp está indo pelo lado inverso do copo, que é dar um bônus para quem economizar. É interessante e correto. São os dois lados do mesmo copo. 
 
O sr acha que o bônus de 30% de desconto que a Sabesp propõe para economia de água, ao invés de aplicar multa, vai funcionar em São Paulo?
Em 2004 nós tivemos uma situação semelhante e a Sabesp ofereceu o mesmo incentivo e funcionou. A experiência brasileira mostra que é possível ir por esse caminho. Agora, evidente que pode ser porque naquela a temperatura abaixou. Mas foi muito sintomático. E as pessoas economizaram. Conseguimos superar a crise. E os reservatórios naquela época estavam na mesma situação…
 
Como a água é uma questão tão importante, essas campanhas da Sabesp precisam ser permanentes ou não?
Acho que sim. As agências reguladoras do setor de saneamento e água tinham que ser mais eficientes, como as agências reguladoras do setor elétrico. No setor elétrico colocou-se uma norma para a indústria que até 2016 não haverá mais lâmpadas incandescentes sendo fabricadas. Apenas econômicas. Ora, por que o setor de saneamento e água não pode impor regulação para a indústria para reduzir uso de água? Trabalhar com descargas que usam apenas seis ou oito litros de água. Equipamentos e torneiras com menos vazão de água? É algo viável trabalhar com a indústria para ter equipamentos mais eficientes no uso da água no dia-a-dia. 
 
Nós tivemos racionamento em 2004, agora em 2014 o problema retorna. O que fica de lição para os paulistas e paulistanos?
Água é um tema fundamental e importantíssimo. Nós, nas regiões Sul e Sudeste, não damos a mesma importância que a palavra água tem para os moradores do Nordeste. Nós estamos começando ainda a dar a importância que esse recurso fundamental para vida merece. Principalmente na região metropolitana de São Paulo, vai ficar cada vez mais complicado o abastecimento daqui para frente. Nós temos que fazer as obras de infraestrutura para aumentar a oferta de água. Não adianta falar em racionalização ou conscientização apenas. Sem infraestutura não resolve o problema. Porque vamos ter que ficar a vida inteira correndo atrás do prejuízo. Os políticos precisam colocar na agenda deles a agenda da água, com obras de infraestrutura, leis e campanhas permanentes de incentivo e redução drástica de água. Cobrar é missão de todos os cidadãos. INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS 

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