seca 300x181 Só valorizamos o que nos falta: água
Foto: Reprodução/ www.caestamosnos.org












Só valorizamos o que nos falta: água


Com as secas dos últimos meses muitos reservatórios de água de São Paulo caíram de 50 a 70% em relação à média histórica de setembro/2013 a fevereiro/2014. O rio Piracicaba focou com 10% de sua capacidade, a mesma coisa aconteceu com os rios Jaguari (33%) e Atibaia (18%), formadores do rio Piracicaba, isto é, o racionamento de água chegou. Em Campinas, 10 bairros sofreram racionamento em 22/01/14 e outros 30 bairros em 05/02/14. Em Itu alguns bairros ficaram 15 dias sem água. Em outras cidades o fato se repetiu. A água é finita e pode faltar. Temos que tomar mais cuidado e utilizá-la de forma mais eficiente. 
Com as agressões muito severas que temos feito nos últimos anos, o planeta sente que está muito próximo de seu limite (capacidade de resiliência). Desta forma, experimenta novas fórmulas até achar um novo equilíbrio. Assim, enquanto sofremos secas prolongadas e temperaturas altíssimas no hemisfério Sul, no Norte o frio e as nevascas nunca foram tão intensas. Isso é o planeta procurando um novo equilíbrio, ou seja, estes fatos podem, e provavelmente vão se repetir nos próximos anos. 
O Brasil possui a maior reserva mundial de água doce (12%), mas isso não significa que devemos esbanjá-la como fazemos atualmente. É preciso economizar e utilizá-la de forma racional. Estamos muito próximos do limite em São Paulo e na Bacia do PCJ principalmente. Existem muitas maneiras para isso, e passa pela educação e cultura. Se não conseguimos educar corretamente nossa população, temos que fazer campanhas maciças e frequentes na mídia. O fato é que precisamos economizar água em todos os setores. 
Cerca de 50% dos recursos hídricos são utilizados pela agricultura e pecuária, 30% pela indústria, 10% pelo comércio e outros 10% são para uso pessoal. Na agricultura uma das maneiras de se economizar água é investir na irrigação. O Brasil irriga aproximadamente 6% de suas terras agriculturáveis e tem potencial para irrigar 13%, ou seja, mais que dobrar a área irrigada. 
A irrigação economiza 20 a 30% de energia e água e é três vezes mais produtiva que uma área não irrigada, ou seja, o retorno é de 7 para 1 (para cada real investido na irrigação, ganhamos 7 reais com agrosilvipastoril). 
Os outros setores também deveriam economizar e reutilizar a água. Em São Paulo, por exemplo, desde 2010 as construções (condomínios, prédios, shopping centers) têm que ser ecológicos, isto é, possuir capitação de energia solar e água de chuva, além de outras iniciativas ecológicas. 
Individualmente também devemos fazer nossa parte cozinhando em panelas com tampas, fechando a torneira enquanto nos barbeamos ou escovamos os dentes, tomar banhos mais rápidos etc. 
A floresta protege e enriquece o solo, conserva a água e regula o lençol freático e consequentemente a vazão dos rios. Portanto, na medida do possível temos que preservar nossas florestas, especialmente as APP (margens dos rios). O tratamento de água numa bacia bem conservada e protegida por florestas é 100 vezes mais barato que em bacias não protegidas, além de evitar os abrasivos (restos de solos), que diminuem significativamente a vida útil das turbinas hidrelétricas. 
Além dos benefícios ecológicos as florestas são muito rentáveis. Fomos educados erroneamente e boa parte de população brasileira acha que a floresta é um empecilho para a agricultura, que vai dar mais trabalho para limpar a terra etc. Isso está errado! A floresta remunera mais que qualquer atividade agrícola. Existe uma infinidade de opções para exploração florestal como madeireira (móveis, carpintaria, laminados, faqueados etc.); folhas e flores (cosméticos e fármacos), frutos, sementes, mel. Qualquer uma destas atividades é mais rentável que qualquer atividade agrícola ou pecuária. 
Para quantificar, a exploração medicinal pode render R$ 4.000,00/ha/ano; o mel: R$ 700,00 a R$ 1.000,00/ha/ano; os frutos: R$ 2.000,00/ha/ano; as semente: R$ 1.000,00 a R$ 5.000,00/ha/ano; as madeiras de R$ 2.000,00 a R$ 20.000,00/ha/ano. 
A floresta Amazônica está sobre uma bacia sedimentar, isto é, o solo é extremamente pobre. A floresta existe por que consegue captar os nutrientes trazidos pelas chuvas e ao longo de milhares de anos enriqueceu a terra e formou aquela floresta exuberante. Mas não se engane, a riqueza da floresta está na camada de matéria orgânica, ou na capacidade de retenção dos nutrientes que a floresta consegue captar. Se a floresta for queimada para pastagem ou plantio de soja ou qualquer outra atividade agrícola, o solo não se sustenta. As cinzas da floresta queimada servem de adubo para a atividade agrícola por apenas três a cinco anos, depois o solo se esgota. Esqueça preço e logística. Todo adubo existente no mundo não é suficiente para recuperar os solos da Amazônia. Se a floresta for cortada aquela área vai virar um deserto. 
Então estamos cometendo um crime ecológico destruindo uma floresta que vale pelo menos R$ 50.000,00/ha/ano para plantar soja ou fazer pastagem que rende menos de R$ 300,00/ha/ano. Alguém consegue explicar por quê? 
A floresta Amazônica funciona como uma bomba de sucção retirando água do Oceano Atlântico e distribuindo pelo continente. 50% da água sugada ficam na floresta Amazônica, os outros 50% alimentam as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, chegando até o meio da Argentina. Desta forma, 50% de nossas precipitações vêm da Amazônia. Assim, se a floresta for cortada, nossa precipitação, que hoje esta ao redor de 1.500 mm/ano cairá para 750 mm/ano, a mesma precipitação do Semiárido. Ou seja, se a floresta Amazônica for cortada, deixaremos de ser o celeiro do mundo e passaremos a importar alimentos.
 Laerte Scanavaca Júnior é mestre em Ciências Florestais e pesquisador Embrapa Meio Ambiente.