Represa Jaguari-Jacareí, na cidade de Bragança, no interior de São Paulo (Luis Moura/Folhapress/VEJA)
Há 15 meses, Cantareira perde mais água do que recebe
Prejuízo chegou a 647,4 bilhões de litros ao fim do mês passado, o equivalente a 66% da capacidade útil
Na pior seca dos últimos 84 anos, o Sistema Cantareira registrou pela primeira vez na história 15 meses consecutivos de déficit. Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo com base em dados oficiais revela que, desde maio de 2013, o maior manancial paulista perde mais água do que recebe. O prejuízo chegou a 647,4 bilhões de litros ao fim do mês passado, o equivalente a 66% da capacidade útil ou mais de 4 meses de consumo de toda a Grande São Paulo.
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No período, o volume de água retirado das represas para abastecer cerca de 14 milhões de pessoas na Grande São Paulo e na região de Campinas foi mais do que o dobro do que entrou no sistema. Setembro de 2013, quando se fecha normalmente o período de estiagem iniciado em abril, foi o mês com o maior saldo negativo: 69,2 bilhões de litros a menos. À época, o Cantareira estava com mais de 40% da capacidade.
Banco de águas - Tamanho déficit ocorreu porque antes de a crise do Cantareira ter sido decretada, no fim de janeiro, a retirada de água dos reservatórios chegou a superar em mais de 6% a vazão máxima estabelecida na outorga de 2004. Isso só foi possível por causa da regra do banco de águas, uma espécie de estoque virtual que permite à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e às cidades da Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) captarem a mais a parcela não utilizada de suas cotas no mês anterior.
Para o engenheiro e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, José Roberto Kachel, os dados mostram que desde 2012 o Cantareira já dava sinais de que passava por estiagem. "As afluências médias de 2012 e 2013 foram bem próximas das de 1953 e 1954, que eram a pior da história até então. Se tivessem se atentado a isso e reduzido a captação do Cantareira, não estaríamos utilizando o volume morto hoje", afirma.
"Realmente tivemos dois anos seguidos muito secos, que fizeram com que os reservatórios baixassem. O que não estava previsto é que meses como novembro, dezembro, janeiro e fevereiro, que são chuvosos, fossem tão secos", explica o professor de Engenharia Hidráulica da Universidade de São Paulo (USP), Rubem La Laina Porto, que exprime a mesma posição defendida pela Sabesp e pela Bacia dos Rios PCJ, que partilham a água do Cantareira. "A retirada de água ocorreu conforme o contexto do período e dentro das regras do sistema. Jamais alguém poderia imaginar esta estiagem tão forte. Quando vislumbramos esse cenário, em dezembro, nós já iniciamos as medidas de contingência", disse o coordenador de projetos do Consórcio PCJ, José Cezar Saad.
Foi entre dezembro e janeiro que a Sabesp iniciou na Grande São Paulo a reversão de água dos Sistemas Alto Tietê e Guarapiranga para bairros da capital paulista que eram abastecidos pelo Cantareira. Em fevereiro, foi lançado o programa de desconto na conta para quem economizasse água, seguido da redução da pressão noturna na rede de distribuição, revelada pelo Estado em abril. Em maio, a companhia divulgou que as ações haviam garantido uma redução de 27% no volume retirado do manancial e evitado um rodízio de 36 horas com água e 72 horas sem fornecimento.
Volume morto - Além das queixas de falta dágua, as medidas não impediram que o nível do manancial continuasse caindo. Em junho, o volume útil do Cantareira zerou pela primeira vez na história e a Sabesp começou a inédita retirada de 104 bilhões de litros do volume morto das represas Jaguari-Jacareí, na região de Bragança Paulista. Até ontem, 66,7% já haviam sido sugados. Ainda neste mês, a empresa deve iniciar a captação de 78 bilhões de litros da reserva profunda da Represa Atibainha, em Nazaré Paulista.
Com a estiagem ainda mais aguda, o déficit voltou a subir em julho, quando o volume de água retirado do sistema foi 446% maior do que o que entrou, resultando em uma perda de 50 bilhões de litros. As projeções apontam que a primeira cota do volume morto do Cantareira deve acabar em outubro. A Sabesp já pediu autorização aos órgãos gestores do manancial para retirar 116 bilhões de litros adicionais da reserva.
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http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ha-mais-de-um-ano-cantareira-perde-mais-agua-do-que-recebe
Por que São Paulo vive hoje uma crise hídrica?
O período tradicionalmente chuvoso, que vai de outubro a março, foi caracterizado por uma estiagem atípica entre 2013 e 2014 em São Paulo.
A crise hídrica, contudo, não pode ser atribuída apenas aos humores de São Pedro: já em 2004 constava no documento da renovação da outorga do sistema à Sabesp, entregue pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do Estado, um alerta sobre a insuficiência do Cantareira, sobretudo diante da excessiva dependência do sistema.
Os problemas deveriam ter sido sanados pela companhia. Um plano de estudos foi entregue dois anos depois ao DAEE pela Sabesp, mas não atendia completamente a requisição e um novo estudo ficou a cargo do Estado. Iniciado em 2008 e concluído em 2013, o Plano Diretor de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista aponta a necessidade de investimentos entre 4 bilhões e 10 bilhões de reais em novos reservatórios, meios de captação e transferência de água.
Dessa lista, dois projetos a curto prazo atrasaram e só ficarão prontos em 2018 – caso do novo sistema produtor de águas São Lourenço.
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AS OUTRAS FOTOS DA REPORTAGEM:
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Completamente, apenas a partir de 2016. O comitê anticrise que monitora a seca no sistema avalia que o manancial tem 25% de chance de se recuperar no próximo verão - o que significa repor o volume morto e elevar a capacidade a 37%. A meteorologista do Instituto Climatempo Bianca Lobo explica que se entre outubro deste ano e março de 2015 as chuvas caírem em índice considerado normal, o Sistema Cantareira pode até abrir o próximo outono com 39% de sua capacidade. Segundo ela, porém, o índice não serviria para garantir um inverno livre de preocupações em 2015. Ao longo do próximo ano o nível do Cantareira não deve ficar acima dos 39%, avalia. Somente a partir de janeiro de 2016 o sistema deve alcançar índices maiores - espera-se 58,4% em fevereiro. Para efetuar tais cálculos a meteorologista considera a média de chuvas esperada para São Paulo nos próximos meses, além do consumo médio de água no Estado. Leva-se em conta, ainda, que somente 30% da chuva prevista deve cair na região do Cantareira. Bianca salienta, contudo, que esses cálculos desconsideram a condição do solo seco, que funciona como uma esponja e retarda o abastecimento dos reservatórios. Ou seja, o cenário pode ser ainda mais preocupante para 2015.
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Trata-se da reserva inativa do manancial, utilizada somente em situações de emergência. Esse volume está localizado abaixo dos níveis de captação. Para bombear a água foi necessária a implantação de dezessete bombas, ao custo de 80 milhões de reais. Em situação normal, a finalidade dessa parcela do manancial - de 400 bilhões de litros - é o acúmulo de sedimentos. Segundo o professor da Escola de Engenharia da USP em São Carlos João Luiz Boccia Brandão, a oxigenação da água nesse nível é muito baixa.
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Desde que passe por tratamento especial, afirmam especialistas. "Há necessidade de reavaliação do tratamento e prováveis ajustes operacionais”, explica o professor de engenharia ambiental da Unesp de Rio Claro Rodrigo Moruzzi. Para a professora da USP Alexandra Suhogusoff seria temerário que a água não atendesse aos "padrões de potabilidade". Moruzzi afirma que é preciso uma alteração na aplicação dos insumos - como cloro, sulfato de alumínio, entre outras substâncias aplicadas à água. Outra técnica de tratamento reforçado seria a dupla filtração dessa água. Já a Sabesp informa que segue realizando o tratamento convencional da água, sem alterações. E afirma: informações sobre a necessidade de tratamento especial dessa água são apenas 'boatos'. No tratamento comum, a água passa por oito etapas: pré-cloração, pré-alcalinização, coagulação, floculação, decantação, filtração, cloração e fluoretação.
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Até quando o Cantareira pode contar com o volume morto?
Se as projeções mais pessimistas confirmarem, o volume morto do manancial acaba entre outubro e novembro. Nesse período, a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) espera que as chuvas voltem a cair no manancial, normalizando os reservatórios. Desta forma, afirma a Sabesp, o abastecimento de água na Grande São Paulo estará garantido até meados de março de 2015. Não há, até aqui, um 'Plano C' da Sabesp caso as chuvas não venham.
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Como estão os demais sistemas que abastecem o Estado?
O sistema Alto Tietê, que abastece cerca de 4 milhões de pessoas na Grande São Paulo, também apresenta baixo índice pluviométrico, queda no nível das represas e alto risco de esgotamento neste ano. A situação se agravou porque parte da água do manancial passou a abastecer o Cantareira. Além disso, bairros da Zona Leste da cidade de São Paulo, normalmente é atendidos pelo Cantareira, passaram a receber água do Alto Tietê no início de dezembro passado. O governo do Estado anunciou em julho que também vai utilizar 25 bilhões de litros do volume morto do Alto Tietê, o que deve garantir menos de um mês de sobrevida ao manancial. São Paulo conta ainda com outros quatro complexos: Guarapiranga, Rio Grande, Rio Claro e Alto Cotia. Juntos, respondem por 34,5% do abastecimento do Estado. O Alto Tietê representa 20,5% e o Cantareira, 45%. Alckmin tem buscado como opção para abastecer o Estado o remanejamento de água do rio Paraíba do Sul. A disputa acabou virando uma queda de braço entre os governo de São Paulo e Rio de Janeiro - e nada de significativo foi feito até aqui. O Paraíba do Sul é interestadual e fornece água para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e tem sua nascente no Estado de São Paulo, na Serra da Bocaina.
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São Paulo corre o risco de ficar sem água?
Sim, avaliam os especialistas ouvidos pelo site de VEJA. A situação no Cantareira coloca em risco as demais bacias do Estado, que podem entrar em colapso dado o aumento da demanda - o sistema Alto Tietê, por exemplo, passará a contar em breve com água captada do volume morto. Além disso, as previsões para o próximo período chuvoso não podem assegurar que o volume de água será suficiente para aliviar os mananciais. "Alternativas deveriam ter sido implantadas quando a situação não era tão grave, a exemplo do racionamento", avalia Moruzzi.
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Há alternativas para sanar essa crise?
Segundo o professor Rodrigo Moruzzi, o racionamento deve ser levado em consideração pelo governo. “O controle da demanda ainda é uma alternativa para minimizar o declínio dos níveis reservados”, avalia. A longo prazo, uma medida já explorada com sucesso em outros países é o reuso da água. Atualmente, um projeto em parceria entre a Sabesp e a Odebretch Ambiental, o quapolo Ambiental S.A., visa a destinação de água de reúso para fins industriais, minimizando o desperdício de água potável. A construção de novos reservatórios, como o sistema produtor de água São Lourenço, que ficará pronto em 2018, também é opção a longo prazo.
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