As duas árvores
Ivana Maria França de
Negri
Plantadas há décadas lado a lado, floresceram juntas
em muitas primaveras. Uma oferecia alvos cachos perfumados, e a outra, rubros
pingentes que eram oferecidos pelos enamorados às suas amadas. Abrigaram ninhos
de passarinhos, e em troca, recebiam a paz do seu canto. Assistiram ao milagre
de molengas lagartas transformarem-se em belíssimas borboletas. Sustentaram
balanços para alegrar brincadeiras infantis. Quando as crianças adolesciam, e faziam
de seus troncos confidentes desenhando
corações com os nomes dos seus amores, aceitavam tudo com serenidade. Até a dor
das marcas riscadas a canivete. Suas flores enfeitaram mesas festivas, formaram
buquês de noivas e acompanharam muitos dos habitantes até a última morada,
participando assim de todas as etapas de suas vidas.
Encorparam, e
suas copas pareciam querer tocar o céu enquanto a circunferência de seus
troncos alargava-se. Quem as avistava de longe, pensava tratar-se de uma única
árvore porque suas copas se misturavam. As raízes se entrelaçavam e as flores
caiam juntas formando um macio tapete colorido.
Atravessaram verões dando sombra amiga aos
passantes. Despiam-se nos outonos, desfloresciam nos invernos, mas sempre
renasciam nas primaveras, quando então reinavam majestosas, florejando e
espargindo deliciosos odores.
A cidade cresceu, o progresso chegou, modernas
avenidas foram tomando o espaço do verde. Até que um dia foi decretada a
retirada das duas porque estavam atrapalhando. Tornaram-se um estorvo porque
impediam a construção de um novo viaduto.
Funcionários da prefeitura chegaram com suas
motoserras e, sem piedade, começaram a podar os galhos. No chão, a hemorragia
verde misturava-se com as folhas maceradas e os troncos recebiam pesados golpes
de machado espalhando o cheiro concentrado da seiva fresca que vertia dos
cortes. Ninguém se apiedou delas e nada fizeram para impedir seu aniquilamento.
As duas agarraram-se mais ainda entrelaçando suas raízes num mudo protesto, um
pedido de socorro que ninguém percebeu. Apenas uma brisa amiga soprou
solidária. O sol escondeu-se atrás das nuvens para não presenciar o triste
acontecimento. Nem a lua apareceu naquela noite e nenhuma estrela ousou
iluminar o céu que se cobriu de luto.
Depois de horas do ensurdecedor barulho das serras enlouquecidas
cortando os troncos carnudos, os funcionários desistiram de arrancar as raízes.
Cobriram-nas com concreto e comemoraram o término da árdua missão.
Passou-se muito tempo depois da construção da moderna
rodovia. O chão começou a trincar e tímida fenda deixou antever um frágil
brotinho verde em meio ao negror do asfalto. Antigos moradores, os que ainda se
lembravam das duas árvores sempre abraçadas, ficaram curiosos para saber qual
delas havia sobrevivido. Seria a de flores vermelhas? Ou sobrevivera a de
flores brancas?
Quando no ano seguinte a primavera chegou com toda
sua tradicional exuberância, tiveram uma grata surpresa. Nem vermelhas,
tampouco brancas. Resultado do idílio amoroso entre aquelas primitivas almas
vegetais, nascera uma árvore com as mais lindas e cheirosas flores como ninguém
jamais havia visto. E eram todas cor-de-rosas!
Este conto é uma mensagem, que eu sempre tive na memória, mas nunca escrevi.
ResponderExcluirVou publicá-la no meu blog com os devidos créditos a Ivana Maria Negri e a este site..
vitornani.blogspot.com