ENCHENTES: MAIS UMA VEZ CULPAR A NATUREZA?
Começaram em sua natural abundância as chuvas que desde priscas eras incidem no sudeste brasileiro nos meses de novembro a março. E já as cidades da região sofrem com novas enchentes. Diga-se de passagem, enchentes a cada ano mais freqüentes, de maior intensidade e atingindo locais em que nunca haviam antes ocorrido. E, também como rotina conhecida, certamente nossas autoridades públicas responsáveis já estarão preparando seus discursos plenos de grandes obras e serviços executados, polpudas verbas alocadas e, como não poderia deixar de ser, fartas explicações lançando a culpa às chuvas, à Natureza, ao aquecimento global, a Deus e, pasmem, às costas da própria população que, mal-educada, estaria jogando lixo nas ruas.
Não há hoje mais a menor dúvida sobre quais sejam a causas principais das enchentes urbanas, e que estão na base de uma cultura técnica urbanística desde há muito equivocada: a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de canalização de cursos d’água e a exposição de solos à erosão, com conseqüente assoreamento das drenagens por sedimentos. Esse quadro determina o que podemos chamar a equação das enchentes urbanas: “Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.
Frente a isso não há outra alternativa, é indispensável romper radicalmente com a velha cultura técnica, o que significa que, ao lado das medidas estruturais de ampliação das calhas de nossos principais rios, deva-se recuperar a capacidade da cidade em reter as águas de chuva: disseminação de bosques florestados, reservatórios domésticos e empresariais de acumulação e infiltração de águas de chuva, calçadas, sarjetas, pátios, pavimentos drenantes, e tantos outros eficientes expedientes. Concomitantemente, coibir por todos os meios a erosão e o conseqüente assoreamento das drenagens.
Mas um essencial primeiro passo deve definitivamente ser dado por nossas administrações municipais, sem o que desqualifica-se qualquer prognóstico mais otimista: tomar a mínima, elementar e cristalina decisão de PARAR DE ERRAR. Incrivelmente, diante de todas as repetidas tragédias, nossas cidades continuam a se expandir praticando os mesmos erros que estão na origem causal das enchentes, impermeabilizando o solo, canalizando seus córregos e provocando erosão. Apesar de todas as repetidas tragédias, de todas as repetidas cobranças da sociedade, apesar de todas as insistentes proposições do meio técnico e, especialmente, apesar de todas as emocionais promessas de nossas autoridades, o fato real é que esse ano estamos em piores condições de enfrentar as enchentes do que no ano anterior. E esta será a tendência para os anos que se seguem caso uma completa inversão de atitudes e ações não aconteça. Em particular, a situação atual da RMSP é, sob essa abordagem, dramática
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
· Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
· Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”
· Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
· Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio
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