O longo caminho para irrigar o interior
Fazer a transposição produzir todos os seus efeitos sociais e econômicos é bem mais que entregar os dois grandes canais, promessa renovada para 2015. O uso múltiplo da água, o que vai levar saúde, emprego e vida nova para o sertanejo, só poderá ser atingido através de complementos, como adutoras e perímetros irrigados. A previsão é de haver plena operação de tudo em até 20 anos do início das obras – ou seja, até 2027. A série Transposição, Novos Obstáculos, em seu penúltimo dia, mostra um debate crucial que está só começando: a face econômica do projeto.
Edição do Jornal do Commercio - Recife, 10/02/2012
O longo caminho para irrigar o interior
Por Giovanni Sandes
Para muito além da política e da conclusão dos dois canais da transposição do Rio São Francisco, a plena operação do projeto será muito mais demorada do que se pensa, ao ouvir discursos em palanques. O cronograma real da obra ficou esquecido entre denúncias, atrasos e novas promessas. Mas permanece em documentos técnicos e segue o prazo médio das grandes transposições pelo mundo. Toda a grande malha de canais, adutoras e perímetros irrigados só deve ficar completa perto de 2030.
Ainda falta muito para completar a transposição. Ela deveria ficar pronta este ano, mas só tem 58% construídos. Ainda faltam 29% do Eixo Leste, canal de 287 quilômetros que sairia em 2010 e ficou para 2014. O Norte, de 426 km, deveria ser entregue este ano e pulou para 2015. Ainda faltam 54%.
Coordenar a obra e seus desdobramentos é fundamental. Em Petrolina, o Projeto Pontal, com mais de 7 mil hectares, consumiu 16 anos, R$ 240 milhões e não irriga nada, por não ter complementos. Na transposição, as obras das grandes ramificações estão começando, mas o Ministério da Integração Nacional só iniciou em dezembro, pela Paraíba, workshops sobre a parte econômica. O evento, focado na transposição, também passou pelo Rio Grande do Norte e pelo Ceará. Em Pernambuco, ainda será agendado.
A implantação de todo o conjunto será longa, como prevê a página 51 do Relatório de Impacto Ambiental da transposição, de 2004: “A partir de dois anos depois do início das obras, com a instalação da primeira parte dos canais e das bombas de água, poderão surgir os primeiros benefícios diretos do projeto. A previsão é que o projeto esteja em plena operação de 15 a 20 anos após o começo das obras.” O problema é que a transposição começou por partes em 2007 e 2008. E os primeiros benefícios previstos só virão daqui a dois anos. Nenhuma bomba de água foi instalada até hoje.
A espera pela plena operação, com entrega de toda a rede de canais, tubulações e projetos agrícolas, não é o que desanima o sertanejo. Os atrasos e a demora da obra principal é que incomodam. O casal Antônio Belarmino e Vera Lúcia Silva, 65 e 54 anos, mora perto do lote 12, que teve a retomada anunciada no mês passado, pelo governo. Antônio e Vera gostam da casa nova, compensação porque a antiga foi derrubada para o canal passar. Mas se queixam da demora. “Meu filho estava no serviço, no Recife. Fiquei aperreando ele para vir para cá, morar com a gente e trabalhar na obra, mas ela não começa. Ele já quer desabar [IR EMBORA]de novo”, diz Severino.
“Tinha muita fé no tempo de Lula. Mas meu pensamento mudou, com tudo parado aí”, diz Raimundo Severino Ramos, 75 anos. Ele é dono de um bar quase sem movimento em São José de Piranhas, na Paraíba. Ali passa o lote 7, parado em 2011, trecho que ainda por cima terá que ser relicitado, uma grande pausa.
Sem cliente, Raimundo passa o dia na velha mesa de sinuca, na conversa ou no baralho. Ele vive da aposentadoria e mantém o bar pela falta do que fazer, pois fatura pouco. E, por mais que pareça contraditório, ele diz reclamar da obra, mas acredita no sonho do São Francisco dar de beber ao Sertão. “Se fizesse mesmo a transposição, ajudaria muita gente.”
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