Por que os "rios voadores" da Amazônia não chegaram a São Paulo este ano?
Por Mário Ferreira Neto*
Ironicamente desde o início do ano a grande mídia nos inunda com uma enxurrada de manchetes sobre a seca paulista em abordagens superficiais explicando para a população apenas como "falta de chuvas", mas a queda nas precipitações do último verão está longe de ser a regra para o clima desta região. O que pode ter 'quebrado' o grande corredor de rios voadores em formato de bumerangue que costuma existir nos verões da América do Sul?
A expressão 'rios voadores' foi criada pelo pesquisador José Marengo (Inpe) ao se referir à grande quantidade de água na forma de vapor carregada ao centro-sul do Brasil com uma massa de ar quente (Massa Equatorial Continental - mEc) proveniente da floresta amazônica. Neste começo de ano, a umidade que se desloca com a mEc não chegou a São Paulo e as chuvas ficaram bem abaixo das médias mensais esperadas para o período. Imagens de satélite do Cptec/Inpe das precipitações mensais (figura em anexo) mostram claramente que o bimestre janeiro/fevereiro de 2014 os habituais rios voadores não conseguiram chegar se comparados aos cinco anos anteriores.
As explicações para anormalidades climáticas como essa são diversas, mas convergem basicamente para o aquecimento global e a perda de cobertura florestal. Enquanto o aquecimento global influencia nas temperaturas médias da superfície do planeta podendo alterar a dinâmica das correntes marítimas e das massas de ar, o desmatamento reduz a umidade no ar devido ao fato de que, ao transpirarem, as florestas funcionam como verdadeiras 'bombas d´água' que liberam na atmosfera bilhões de litros na forma de vapor. Sendo assim, ambos os fenômenos parecem ocasionar mudanças nos padrões climáticos.
Segue um pequeno esboço com algumas hipóteses para este caso da seca paulista:
1. O aquecimento global; nos últimos 15 anos foram batidos quase todos os recordes históricos de maiores médias de temperaturas anuais medidos desde 1850; a amazônica enfrentou nos últimos anos a maior seca (2010) e as duas maiores cheias (2009 e 2012) desde o início das medições nos rios em 1902; estaria provocando alterações na dinâmica das massas de ar que atuam na América do Sul; neste contexto de temperaturas médias mais altas, a zona de influência da Massa Tropical Continental (mTc) vinda do Paraguai, pode ter se redimensionado estacionando o ar seco e impedindo a chegada da umidade da Amazônia, bem como aumentado as temperaturas médias nesta região provocando maior evaporação dos rios/reservatórios e aprofundando lençóis freáticos.
2. O desmatamento de 22% da floresta Amazônica brasileira (IBGE/Prodes), 47% do Cerrado (MMA) e 91,5% da Mata Atlântica (SOS Mata Atlântica) fez com que essas coberturas vegetais deixassem de prestar importantes serviços ambientais como a regulação das temperaturas médias e o 'bombeamento' de imensa quantidade de vapor d´água para atmosfera resultando nos rios voadores e nas chuvas em São Paulo durante o verão.
3. O aumento da urbanização do Centro-Sul brasileiro provocaria uma somatória de ilhas de calor aumentando as temperaturas médias e a taxa de evaporação dos rios e reservatórios.
4. O aumento da população e do consumo de água - a população do estado de São Paulo cresceu 4,2 milhões de 2000 a 2010 (IBGE);
5. Outros eventos não elencados ou desconhecidos;
6. Somatória dos fatores citados.
Em janeiro de 2008 houve um padrão de distribuição de chuvas um pouco semelhante ao que ocorreu este ano, os rios voadores não chegaram a São Paulo, no entanto nos verões seguintes (2009-2013) a umidade vinda da Amazônia se restabeleceu. Nos últimos anos, os pesquisadores Philip Fearnside (Inpa) e Antonio Nobre (Inpe) vêm atentando para evidências de relações bilaterais entre a floresta amazônica e as mudanças climáticas, porém sem grande atenção da mídia. A estiagem virou até motivo de disputa política, mas com um reducionismo da questão. O fato é que os meios de comunicação não se preocuparam em iniciar uma reflexão e discussão com a população sobre as possíveis causas, a maior parte da informação é passada de maneira reduzida e incompleta, o que compromete a conscientização para mudanças nas matrizes energéticas dos países, nas estratégias de conservação/valorização dos serviços ambientais de grandes biomas e na atitude de cada pessoa diante do novo panorama socioambiental.
*Mário Ferreira Neto - Biólogo formado pela Unicamp: Iniciações Científicas em Ecologia e Ensino de Biologia - Facebook / Twitter
http://www.portaldomeioambiente.org.br/artigos/9196-por-que-os-rios-voadores-da-amazonia-nao-chegaram-a-sao-paulo-este-ano
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