Há poucos dias, o 67.º aniversário da primeira bomba atômica, despejada sobre Hiroshima, provocou uma catadupa de artigos na comunicação mundial, já preocupada com as consequências que a guerra cibernética – aqui comentada na semana passada – possa a vir a ter nos destinos do planeta. Agora se começa a recordar que no final do mês será lembrado o 25.º aniversário do acidente com o césio 137 em Goiânia.
Nesse contexto da nossa fragilidade diante de elementos tão destruidores, vale a pena recordar o que disse a uma CPI da Assembleia Legislativa de Goiás o cientista Júlio Rosenthal, encarregado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) de comandar a operação de “salvamento” da capital goiana. Ele recebeu a missão por telefone na manhã de um domingo e também por telefone convocou alguns peritos em São Paulo e com eles combinou de se encontrarem no fim da noite no aeroporto de Goiânia. Consultando arquivos da CNEN, Rosenthal já verificara que havia um instituto de radiologia na cidade, dono de uma bomba de césio, que havia pouco tempo recebera uma bomba de cobalto. Por isso desativara a de césio – e a possibilidade maior de acidente era com esta última.
Com a roupa do corpo e suas malas, a equipe seguiu do aeroporto diretamente para o endereço do instituto de radiologia, onde só encontrou os restos de uma construção e, no seu interior, alguns mendigos. À luz de isqueiros, souberam por eles que as construções na área haviam sido demolidas; ficaram aqueles restos pendentes de uma decisão judicial, onde o instituto deixara a bomba de césio desativada. Ela fora dali retirada na véspera por um mecânico, que a levou para casa, despedaçou-a a marretadas e vendeu os pedaços a um ferro-velho; dentro havia uma substância azulada, com a qual começou a brincar sua filha Leide, misturada com uma fruta.
Goiânia, em pânico, soube do acidente enquanto via na televisão os técnicos da CNEN, com macacões improvisados pelo Estado, cercarem com tabiques a casa do mecânico, de onde fugiam pássaros e gatos. Só uma semana depois, indignado com o pânico que a CNEN deixara crescer, o então governador Henrique Santillo (que fora professor de Física), numa cadeia de TV, explicou a todos que o césio não se propagava pelo ar. E como os goianos tinham seus carros apedrejados em outras cidades, temerosas de contágio, conseguiu arranjar um terreno para onde foram levadas centenas de toneladas das construções afetadas. Um depósito provisório, que lá continua, teve de ser instalado acima do solo, porque o lençol freático, muito superficial, não permitia um depósito subterrâneo. E é para lá que hoje se cogita de transferir todo o lixo nuclear das usinas Angra I e II, que não tem destinação e permanece em piscinas nas próprias usinas.
Neste 25.º aniversário seria muito adequado cogitar de um monumento para a tia de Leide, Gabriela – analfabeta e sem informações -, que vendo a menina passar mal colocou numa sacola de supermercado todos os restos da bomba e do césio, pegando-os com as próprias mãos, e os levou exatamente para onde deveriam ir: a Vigilância Sanitária. Salvou a vida de muitas pessoas. E pagou com a sua própria.
Tudo isso vem à memória quando o competente físico Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do governo federal, recomenda, como fez no programa Roda Viva, da TV Cultura, que se revejam os planos de implantação da usina Angra III, ao lado de Angra I e II, porque há evidências científicas de elevação do nível do mar naquela região. Mas ali continuam sendo investidos R$ 9,5 bilhões. E ainda se pensa em mais oito usinas nucleares para o País, plano congelado neste momento, quando o mundo todo começa a desativar suas instalações nucleares.
Melhor faria o governo federal se incluísse essa área no âmbito do recém-aprovado Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais (MMA, 9/8), que terá R$ 18,8 bilhões até 2014, principalmente para “deslizamentos e enxurradas” em 851 municípios já mapeados. Mas também para secas. E aí se entra em outro capítulo de perplexidades, já que quase não merece mais atenção que a seca na Caatinga atinja 1.187 municípios em estado de emergência, onde vivem 8,35 milhões de pessoas, em oito Estados do Semiárido. Há algumas semanas se anunciou a liberação de R$ 2,7 bilhões, inclusive para implantação de cisternas de polietileno, técnica cara, inadequada (muitas já derreteram), quando o caminho já provado é de cisternas de placas de concreto (que custam metade do preço das de plásticos). Como é inadequada a transposição das águas do Rio São Francisco, que não chegará a milhões de pessoas que vivem em áreas isoladas, mas já custou R$ 4,7 bilhões e custará mais R$ 4,5 bilhões, e só ficará pronta (se ficar) em 2015.
Até lá, milhões de pessoas continuarão sofrendo com secas conhecidas há séculos e que a cada 30 anos são muito mais intensas. Sem que se tenham políticas (ou práticas) adequadas. Nesta seca as perdas de lavouras já superam R$ 12 bilhões (Estado, 23/5). E nem será surpresa se vierem estiagens ainda mais fortes nos 180 mil quilômetros quadrados de território brasileiro em processo de desertificação – principalmente no Semiárido -, como antecipam estudos que admitem uma redução de até 20% a 25% nos recursos hídricos dessa região.
É inacreditável que questões como essa e a nuclear continuem a ser tratadas como o são. Porque não se resolvem com as megaobras que são o centro do desejo de políticos e empreiteiros. No caso nuclear, igualmente o desejo é de megausinas, em lugar das chamadas “energias alternativas” e de projetos diversificados e esparsos. Contentes mesmo ficam aqueles com iniciativas tais como o Plano Nacional de Logística Integrada: dezenas de bilhões para integrar ferrovias e hidrovias a portos e aeroportos (Agência Estado, 5/8).
Washington Novaes é jornalista.
http://www.ecodebate.com.br/2012/08/20/as-mas-lembrancas-e-as-megaobras-artigo-de-washington-novaes/
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