por Reinaldo Canto*
Sabe aqueles filmes de ação em que surgem inverossímeis heróis enfrentando uma centena de bandidos e, mesmo com tanta gente querendo matá-lo, no final sobrevive? Pois essa comparação pode ser feita com um herói paulistano chamado Rio Pinheiros. Ele insiste em se manter vivo apesar de tantos ataques mortais. Mas aí cabe uma diferença que seria capaz de derrubar qualquer mocinho de filme: as agressões contra o Pinheiros já duram mais de um século.
São muitos e muitos anos de incontáveis despejos de esgotos domésticos e industriais, descaso das autoridades, mas também das pessoas que não lhe tem nenhum respeito (com algumas exceções, como o Projeto Pomar). Transformaram suas águas, antes responsáveis pela vida, em capazes de matar. Aliás, nesse contexto vida e morte, creio ser interessante refletir sobre o destino de rios como o Pinheiros, e de tantos outros que passam por cidades e regiões metropolitanas densamente povoadas.
De Santa Catarina para o Rio Pinheiros
Essas considerações tem como origem um convite para participar, como entrevistado, de uma matéria para o Jornal do SBT. O cenário foi as imediações da Usina da Traição, por triste ironia, bem próximo de dois templos do consumo da classe AAA, os Shoppings Centers JK e Cidade Jardim. No local, pesquisadores da FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina ) realizavam mais uma coleta e pesquisa sobre as águas sujas e mau-cheirosas do Rio Pinheiros.
Um pequeno barco sem tripulação e operado por controle remoto, um verdadeiro drone marítimo do bem, realizava as análises. Como era de se imaginar, os dados constataram a ausência quase total de oxigênio que impedem a presença de peixes e de… qualquer espécie de vida. Será mesmo? Nem tanto. Nas águas aparentemente mortas pode ser constatada a presença de bactérias anaeróbicas, não que isso seja bom. Elas contribuem ainda mais para a redução do oxigênio, mas também significa dizer que o rio não está morto. Não mesmo!!
Alguns poderão afirmar que o rio agoniza em suas águas, é bem verdade, mas nas margens existe vida para ser vista e admirada. São flores, árvores frutíferas, capivaras e garças, entre outros representantes da flora e da fauna que insistem em manter a natureza local viva.
Aos céticos de plantão, é bom lembrar, apenas para ficar em dois exemplos de rios ressuscitados: no Tâmisa, em Londres, localizado no coração da Revolução Industrial, foram despejados muito mais do que esgotos domésticos. Ele recebeu sem controle algum durante muito tempo, metais pesados e rejeitos químicos letais. Após um eficiente trabalho de recuperação hoje é possível pescar por lá.
Outro caso emblemático é o do Rio Cheonggyecheon no coração de Seul, era um símbolo do crescimento sem planejamento e de degradação urbana na capital da Coréia do Sul. Tão sujo e poluído quanto o Pinheiros, em cerca de 4 anos recebeu total atenção e hoje está despoluído, com peixes antes inexistentes. Em suas margens foi criado um parque linear, além de fontes, cascatas e espaços de lazer e cultura à disposição da população local.
O abandono também está no olhar
Chamou muito a minha atenção uma frase dita por um dos pesquisadores: “Não bastam os esforços do governo. Se a sociedade tem a percepção que o rio não tem chance, não tem futuro, a realidade não vai mudar. Mas quando as pessoas acharem que sim, será possível ter um rio limpo de novo, aí sim, o Rio Pinheiros terá uma chance e poderá renascer!”.
A indiferença geral para o destino do rio é o que mais incomoda e traça um triste caminho que deveria e poderia ser outro. Talvez seja necessário começar, ao menos, por um outro olhar.
As milhares de pessoas que passam todos os dias pela Marginal Pinheiros, mais preocupadas com o trânsito e com o tempo necessário para chegar ao destino desejado, somados a outros tantos habitantes das dezenas de prédios de escritórios próximos às suas margens, acabam na maioria das vezes nem mesmo notando ali a presença do rio. Talvez seja por esse motivo que, em uma desesperada reação, o Pinheiros lance odores fétidos sobre todos para que ninguém esqueça de um jeito ou outro ser ele merecedor de um pouco de atenção.
* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.
** Publicado originalmente no site Carta Capital. - AGÊNCIA ENVOLVERDE
(Carta Capital)
ÁGUA - QUEM PENSA, CUIDA!
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