SECA NO CANTAREIRA
Julio Cerqueira Cesar Neto
A
seca no Cantareira se deve à ausência de investimentos pelo governo
estadual (Sabesp) em novos mananciais para a
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) após a conclusão do próprio
Sistema Cantareira há 30 anos, período no qual a população da região
aumentou de 12 para 22 milhões de habitantes, ou seja, 10 milhões de
pessoas a mais.
Além dos inúmeros alertas dos especialistas sobre as consequências dessa omissão a própria natureza também fez a sua
advertência em 2003 promovendo uma estiagem intensa e prolongada que quase leva o sistema ao colapso.
É
importante destacar um agravante que certamente tem sua parcela de
contribuição na extensão da crise atual: a negligência do governo
estadual (Sabesp) permitindo a perda de 70% da cobertura florestal
nativa na área da bacia hidrográfica do Sistema
Cantareira. Espera-se que a gravidade dessa crise sensibilize o governo
a impedir a continuidade desse nefasto processo destrutivo.
O verão seco - Embora
se pretenda transferir a
causa da crise para São Pedro, o fato é que o fenômeno meteorológico
ocorrido faz parte dos ciclos naturais de variação da frequência e
intensidade das precipitações que não podem ser ignorados nos projetos
dos sistemas de abastecimento de água que têm de ter capacidade para atender os usuários sem provocar nenhuma solução de continuidade no suprimento.
Racionamento - A
solução técnica, em termos de gestão do sistema para enfrentar essa
crise, é o racionamento – que pode ser complementado por outras medidas,
como oferta de bônus nas contas de água para quem economizar água,
fixação de limites de consumo com aplicação de multas para quem
ultrapassá-los e ampla campanha de esclarecimento e indução à economia
de água.
No curto prazo não existem soluções de engenharia para enfrentá-la.
A gerência da crise - Conforme
noticiário dos jornais o governador está gerenciando a crise pessoal e
politicamente. Em 1º de abril o plano de ação era o seguinte: não fazer
racionamento porque ele entende que a medida vai prejudicar a sua
reeleição; manter os
bônus de 30% nas contas de água daqueles que economizarem 20% durante o
mês; volume disponível no sistema: 130 milhões de metros cúbicos;
retirar 72 milhões de metros cúbicos em abril e o restante em maio e
início de junho (e em consequência o sistema secará em meados de junho);
acelerar as obras de retirada de 200 milhões de metros cúbicos do
volume morto para serem utilizados a partir de meados de junho e
atenderem a demanda até outubro, início do período de chuvas, quando
termina o plano de ação; o plano não diz, mas indica que daí para frente
as chuvas encherão os reservatórios e o problema acaba.
Comentário: o
plano de ação garante o início da Copa e a eleição de 4 de outubro sem
racionamento o que o caracteriza como um plano político-eleitoral.
Consequências – Em
4 de outubro teremos um sistema seco e sem volume morto e as chuvas que
vierem preferencialmente reencherão o volume morto mantendo o sistema
seco pelo menos por um tempo maior que aquele levado para esvaziá-lo; o
Plano da Macrometrópole feito pelo governo estadual mostra que a pior
estiagem da nossa história ocorreu em 1953/1955, fez uma simulação da
sua repetição em cima do Sistema Cantareira e chegou às seguintes
conclusões: o sistema atingiria volumes mínimos semelhantes aos já
atingidos agora (não fala em volume morto) e demoraria mais de um ano
para se recuperar, retirando menos de 15% de sua capacidade nesse
período; a situação atual é certamente mais grave (primeiro porque temos
que somar a esse tempo de recuperação o tempo necessário para
preenchimento do volume morto durante o qual o sistema permaneceria seco
e, além disso, o governador tem afirmado que a seca atual é aquela que
se constitui na pior da nossa história, maior que a de 1953/1955);
repetindo o que disse o presidente da ANA, Vicente Andreu, em recente
entrevista, o pior ainda está por vir; para dar uma medida do que isso
representa lembro os seguintes números relativos ao sistema de
abastecimento da RMSP (sem falar na situação da Bacia do Piracicaba
PCJ): demanda atual, 82 metros cúbicos x segundo; capacidade dos
mananciais existentes incluindo o Cantareira, 72 metros cúbicos x
segundo; idem sem o Cantareira, 39 metros cúbicos x segundo;
observando esses números junto com as conclusões da simulação da
estiagem de 1953/1955 no Cantareira, verifica-se que a partir de
outubro teremos uma situação realmente dramática. A disponibilidade de
água para os próximos anos é menor que a metade das nossas necessidades!
É impressionante a desproporção
entre o tamanho e gravidade da situação e a modesta ação do governador.
A grande preocupação - Acredito
que o exposto não deixe dúvidas sobre a extrema gravidade do problema.
Mas apenas constatá-la não é suficiente, será preciso de imediato
começar procurar como enfrentá-lo.
Partimos
de premissas que dão uma medida das dificuldades a serem superadas:
embora a solução do problema envolva intervenções de grande porte e alta
complexidade, cujos prazos de execução são longos, será necessário
também encontrar formas para minimizar as enormes dificuldades que a
região já está sentido e se agravarão no médio prazo. De outro lado, o
governo estadual, que é o responsável pela liderança e condução do
processo, não está preparado – e diria
nem disposto a enfrentar tamanho desafio, pois deixou a situação chegar
a esse ponto e apresentou um plano político que não resolve nada,
apenas empurra o problema para daqui a seis meses.
Desde que haja vontade política os desafios de longo prazo terão solução normalmente. Porém, os de
curto e médio prazo exigirão muita competência e criatividade.
___________________
* Julio Cerqueira Cesar Neto é engenheiro, consultor em saneamento e meio ambiente, membro do Conselho de Meio Ambiente da Fiesp e
associado do Instituto de Engenharia
E-mail: julioccesar@uol.com.br
(notícia enviada pelo Professor Jarmuth Andrade)
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