Mais uma vez, nesta época do ano, quando as chuvas estão mais fortes e frequentes, os rios e córregos da cidade de São Paulo voltam a ser vistos e lembrados, ao empurrarem para as ruas o excesso de água que não conseguem mais transportar.
Mapas históricos exibem as transformações na forma e na
função de rios encobertos por avenidas
Por Carlos Fioravanti
Os rios apenas respondem ao modo pelo qual foram moldados ao longo de décadas – “do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento, mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”, diria o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Os rios que cruzam a maior cidade do país estão geralmente comprimidos e escondidos em túneis de concreto sob as avenidas, alguns ganharam outros percursos – foram retificados, diriam os engenheiros – e não podem ser lembrados como alternativa para um passeio de fim de semana.
A transformação dos rios paulistas foi intensa e rápida. No início do século XX, os paulistanos se divertiam aos domingos nadando, pescando ou passeando de barco no rio Tietê – nas margens havia clubes, restaurantes e espaços para piquenique. A alegria acabou à medida que aumentava a descarga de resíduos das casas e das empresas no rio que na década de 1950 já era, como hoje, um esgoto a céu aberto, expondo o descaso com a natureza e o desapego à estética na cidade mais rica do país.
A transformação dos rios paulistas foi intensa e rápida. No início do século XX, os paulistanos se divertiam aos domingos nadando, pescando ou passeando de barco no rio Tietê – nas margens havia clubes, restaurantes e espaços para piquenique. A alegria acabou à medida que aumentava a descarga de resíduos das casas e das empresas no rio que na década de 1950 já era, como hoje, um esgoto a céu aberto, expondo o descaso com a natureza e o desapego à estética na cidade mais rica do país.
Desde 1995, a despoluição do Tietê, o principal rio que cruza a metrópole, consumiu o equivalente a US$ 1,6 bilhão e reduziu o alcance da poluição, que chegava até Barra Bonita, a 260 quilômetros da capital, e hoje chega apenas até Salto, a 100 km, mas não terminou. Em abril de 2013, o governador de São Paulo anunciou a terceira etapa do programa de despoluição do rio Tietê, que prevê investimentos de US$ 2 bilhões – se tudo der certo, a coleta de esgotos passará dos atuais 84% para 87% e o tratamento de 70% para 84% em 2016.
Outros R$ 439 milhões foram usados na despoluição de 137 dos 300 córregos da região metropolitana de 2007 a 2013. Estima-se que 7 quilogramas (kg) de resíduos sejam lançados a cada segundo nos rios e córregos da Grande São Paulo, ainda vistos como área de descarte não só de esgoto residencial e industrial, mas também de entulho, garrafas plásticas, sofás e pneus e carros velhos.
“São Paulo afogou os rios”, sintetiza o engenheiro e advogado Rodolfo Costa e Silva, coordenador dos programas de despoluição do rio Tietê e de requalificação das marginais dos rios Tietê e Pinheiros. “Queremos despoluir e manter os rios limpos”, ele diz. “É uma despoluição hídrica e urbanística.” Os programas que ele cooordena contam com a participação dos municípios da Grande São Paulo, empresas e organizações não governamentais e preveem a construção de ciclovias, calcadões e parques ao longo dos 50 quilômetros de marginais e a navegação dos rios, até mesmo unindo, por barco, os aeroportos de Congonhas e de Guarulhos.
A cidade de São Paulo, com seus rios maltratados, “é um exemplo do que pode acontecer quando o poder de decisão está concentrado em poucos grupos de poder”, diz o historiador Luis Ferla, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Curitibano radicado em São Paulo desde 1992, Ferla foi um dos curadores da exposição O tempo e as águas: formas de representar os rios de São Paulo, em cartaz até março no Arquivo Público do Estado de São Paulo, com 17 mapas, fotografias e cadernetas com registros do trabalho de campo de engenheiros e cartógrafos. Logo na entrada da exposição, um mapa de 5 metros de largura por quase 2 de altura compara o curso original – e sinuoso – dos rios Tietê e Pinheiros cruzando a Grande São Paulo em 1916, com o curso retificado, em 2013. A sobreposição dos trajetos sintetiza as ideias e interesses que resultaram em uma cidade de rios retos, encobertos, malcheirosos, cruzados por pontes com passagens de pedestres geralmente estreitas.
As pestes e a Light
“São Paulo afogou os rios”, sintetiza o engenheiro e advogado Rodolfo Costa e Silva, coordenador dos programas de despoluição do rio Tietê e de requalificação das marginais dos rios Tietê e Pinheiros. “Queremos despoluir e manter os rios limpos”, ele diz. “É uma despoluição hídrica e urbanística.” Os programas que ele cooordena contam com a participação dos municípios da Grande São Paulo, empresas e organizações não governamentais e preveem a construção de ciclovias, calcadões e parques ao longo dos 50 quilômetros de marginais e a navegação dos rios, até mesmo unindo, por barco, os aeroportos de Congonhas e de Guarulhos.
A cidade de São Paulo, com seus rios maltratados, “é um exemplo do que pode acontecer quando o poder de decisão está concentrado em poucos grupos de poder”, diz o historiador Luis Ferla, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Curitibano radicado em São Paulo desde 1992, Ferla foi um dos curadores da exposição O tempo e as águas: formas de representar os rios de São Paulo, em cartaz até março no Arquivo Público do Estado de São Paulo, com 17 mapas, fotografias e cadernetas com registros do trabalho de campo de engenheiros e cartógrafos. Logo na entrada da exposição, um mapa de 5 metros de largura por quase 2 de altura compara o curso original – e sinuoso – dos rios Tietê e Pinheiros cruzando a Grande São Paulo em 1916, com o curso retificado, em 2013. A sobreposição dos trajetos sintetiza as ideias e interesses que resultaram em uma cidade de rios retos, encobertos, malcheirosos, cruzados por pontes com passagens de pedestres geralmente estreitas.
As pestes e a Light
No final do século XIX, o medo da morte foi o principal argumento para mudar os cursos dos rios da vila de São Paulo, inalterados por séculos. Pensava-se que a água estagnada nas várzeas, que já recebiam esgotos residenciais e acumulavam despejos de animais de criação, formando as chamadas ilhas de lodo, poderia favorecer a propagação de epidemias como as de febre amarela e febre tifoide, que acossavam os moradores das principais cidades paulistas. Portanto, foi para fazer os rios correrem com maior velocidade e evitarem doenças que os engenheiros à frente da Comissão de Saneamento das Várzeas e, logo depois, da Comissão de Saneamento do Estado ordenaram a retificação dos trajetos e a abertura de canais no Tamanduateí e no Tietê. Em um artigo publicado em 2012, o historiador Janes Jorge, professor da Unifesp que participou do planejamento da exposição, observou que as epidemias começaram a rarear, em razão principalmente da descoberta de seus reais agentes causadores, mas o mau cheiro persistiu: em 1927 o rio Tietê recebia cerca de 30 toneladas de esgoto por dia. Outras cidades, como Chicago, Washington, Londres e Moscou, viveram problemas similares à medida que cresciam, até construírem as estações de tratamento de esgotos.
A cidade de São Paulo se expandia rapidamente, acompanhando o aumento da produção das fazendas de café no interior do estado: o total de moradores passou de 15 mil em 1850 para 30 mil em 1870, 240 mil em 1900, 580 mil em 1920 – quando São Paulo já havia se consolidado como um polo comercial e industrial –, 1,3 milhão em 1940 e 6 milhões em 1960. O crescimento urbano acelerado favoreceu a ocupação das várzeas, áreas naturalmente alagáveis, visadas para a construção de casas e fábricas, e o avanço sobre os braços dos rios: o córrego Saracura, afluente do Anhangabaú, foi o primeiro a ser coberto e desaparecer, em 1906. Cada vez mais cercados, os rios transbordaram para além de seus limites naturais e as enchentes se tornaram mais intensas, frequentes e danosas, justificando ações mais radicais de retificação dos rios. No início, por meio de propostas como a do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, de 1926, planejava-se o alinhamento dos principais rios de modo a conciliar seus diferentes usos – transporte, lazer, pesca, abastecimento de água, controle de enchentes e produção de energia elétrica –, mas as coisas não saíram desse modo.
“Os projetos de retificação dos rios paulistanos foram empobrecendo e os interesses dos moradores ficaram de lado, por uma série de circunstâncias econômicas e políticas”, diz Jorge. “As mudanças favoreceram quase exclusivamente a produção de energia elétrica, as vias expressas para automóveis e apropriação privada dos terrenos da várzea.” Os planos iniciais se diluíram por causa, em boa parte, da influência da empresa canadense The São Paulo Trainway, Light and Power Company, conhecida como Light, que detinha o monopólio da produção e distribuição de energia elétrica na região de São Paulo. Para garantir mais água para a hidrelétrica de Cubatão, a Light tinha invertido o curso do Pinheiros e recebido o direito de ocupar as várzeas.
Um decreto de dezembro de 1928 determinava que “a linha máxima” da enchente de 1929 delimitaria a área que caberia à Light. Vários pesquisadores acreditam que a Light abriu as comportas da represa de Guarapiranga para ampliar a área alagada e receber mais terras, ainda que agravando os danos de uma das piores enchentes da cidade. “Daí para a frente, um fiscal de terras passou a proibir as pessoas de usarem a várzea, fosse para jogar bola ou levar cabras para beber água”, disse a geógrafa Odete Seabra em uma entrevista ao Estado de S. Paulo em 2009. Em sua tese de doutorado, apresentada na Universidade de São Paulo em 1987 e hoje um estudo clássico sobre a ocupação das várzeas dos rios Tietê e Pinheiros, Odete mostrou, por meio de depoimentos, documentos e notícias de jornais, como a Light agravou a inundação, soltando a água de suas represas. Segundo ela, a Light assumiu o monopólio de fato e, abrindo e fechando as comportas da represa de Guarapiranga, afugentou os barqueiros que exploravam areia e pedregulho do Pinheiros. Depois, procurou-se resolver os litígios com os proprietários de terras próximas aos rios por meio da construção das avenidas marginais, que consolidaram a ocupação das várzeas dos rios. Para reduzir as enchentes, que continuaram, a saída encontrada foi aumentar a calha do Tietê. De 2002 a 2006, o rio foi rebaixado em média 2,5 metros, com a retirada de 9 milhões de metros cúbicos de terra e lixo, a um custo de R$ 1,1 bilhão, reduzindo bastante a probabilidade de transbordamentos.
Cachoeiras encobertas
A cidade de São Paulo se expandia rapidamente, acompanhando o aumento da produção das fazendas de café no interior do estado: o total de moradores passou de 15 mil em 1850 para 30 mil em 1870, 240 mil em 1900, 580 mil em 1920 – quando São Paulo já havia se consolidado como um polo comercial e industrial –, 1,3 milhão em 1940 e 6 milhões em 1960. O crescimento urbano acelerado favoreceu a ocupação das várzeas, áreas naturalmente alagáveis, visadas para a construção de casas e fábricas, e o avanço sobre os braços dos rios: o córrego Saracura, afluente do Anhangabaú, foi o primeiro a ser coberto e desaparecer, em 1906. Cada vez mais cercados, os rios transbordaram para além de seus limites naturais e as enchentes se tornaram mais intensas, frequentes e danosas, justificando ações mais radicais de retificação dos rios. No início, por meio de propostas como a do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, de 1926, planejava-se o alinhamento dos principais rios de modo a conciliar seus diferentes usos – transporte, lazer, pesca, abastecimento de água, controle de enchentes e produção de energia elétrica –, mas as coisas não saíram desse modo.
“Os projetos de retificação dos rios paulistanos foram empobrecendo e os interesses dos moradores ficaram de lado, por uma série de circunstâncias econômicas e políticas”, diz Jorge. “As mudanças favoreceram quase exclusivamente a produção de energia elétrica, as vias expressas para automóveis e apropriação privada dos terrenos da várzea.” Os planos iniciais se diluíram por causa, em boa parte, da influência da empresa canadense The São Paulo Trainway, Light and Power Company, conhecida como Light, que detinha o monopólio da produção e distribuição de energia elétrica na região de São Paulo. Para garantir mais água para a hidrelétrica de Cubatão, a Light tinha invertido o curso do Pinheiros e recebido o direito de ocupar as várzeas.
Um decreto de dezembro de 1928 determinava que “a linha máxima” da enchente de 1929 delimitaria a área que caberia à Light. Vários pesquisadores acreditam que a Light abriu as comportas da represa de Guarapiranga para ampliar a área alagada e receber mais terras, ainda que agravando os danos de uma das piores enchentes da cidade. “Daí para a frente, um fiscal de terras passou a proibir as pessoas de usarem a várzea, fosse para jogar bola ou levar cabras para beber água”, disse a geógrafa Odete Seabra em uma entrevista ao Estado de S. Paulo em 2009. Em sua tese de doutorado, apresentada na Universidade de São Paulo em 1987 e hoje um estudo clássico sobre a ocupação das várzeas dos rios Tietê e Pinheiros, Odete mostrou, por meio de depoimentos, documentos e notícias de jornais, como a Light agravou a inundação, soltando a água de suas represas. Segundo ela, a Light assumiu o monopólio de fato e, abrindo e fechando as comportas da represa de Guarapiranga, afugentou os barqueiros que exploravam areia e pedregulho do Pinheiros. Depois, procurou-se resolver os litígios com os proprietários de terras próximas aos rios por meio da construção das avenidas marginais, que consolidaram a ocupação das várzeas dos rios. Para reduzir as enchentes, que continuaram, a saída encontrada foi aumentar a calha do Tietê. De 2002 a 2006, o rio foi rebaixado em média 2,5 metros, com a retirada de 9 milhões de metros cúbicos de terra e lixo, a um custo de R$ 1,1 bilhão, reduzindo bastante a probabilidade de transbordamentos.
Cachoeiras encobertas
“Começamos a nos afastar dos rios quando os rios deixaram de ter a função de comunicação e de transporte”, diz a historiadora Iris Kantor, da USP. “Até o final do século XVIII havia uma cultura de valorização dos rios como forma de transporte de mercadorias e pessoas para o interior.” Uma prova desse uso estratégico dos rios, segundo ela, é a Carta geographica de projeção espherica da Nova Lusitania ou América Portuguesa e Estado do Brasil, preparada pelo astrônomo mineiro Antonio Pires da Silva Pontes Leme a partir de 80 mapas e concluída em 1798, por encomenda do governo português, interessado em consolidar as fronteiras de sua colônia na América. “Meus colegas geógrafos dizem que, comparativamente, esse mapa traz informações mais detalhadas sobre os cursos dos rios, muitos deles ainda hoje pouco visíveis nas imagens de satélite.” Os rios ainda são relevantes para o transporte de pessoas e de mercadores apenas na região Norte do país, em vista da dificuldade em construir e manter estradas em meio à floresta.
Ao selecionar o material do período colonial para a exposição do Arquivo Público, a equipe encontrou um mapa impressionante, intitulado Planta do rio Tietê ou Anemby na capitania de São Paulo desde a cidade do mesmo nome até à sua confluência com o rio Grande ou Paraná. Iris desconfiou da autenticidade da autoria – o nome de José Custódio de Sá e Faria estava escrito a lápis no verso do mapa –, consultou a obra da historiadora Isa Adonias e a base digital da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, e concluiu que o mapa deveria ser uma edição anônima de uma antiga carta hidrográfica do Tietê feita em 1789 pelo cartógrafo paulista Francisco José de Lacerda e Almeida, que fez medições ao longo do curso do rio Tietê e de seus afluentes em 1788 e 1789, a pedido do então governador de Mato Grosso. A versão encontrada é um pouco posterior a 1810, pertenceu ao acervo do extinto Instituto Geográfico Geológico de São Paulo e contém muitas informações de natureza histórica e etnográfica que não constavam no mapa original de 1789. O mapa detalha as cachoeiras, portos e fazendas que os viajantes deveriam passar rumo ao rio Paraná. “É um verdadeiro roteiro prático de navegação, no qual se indicam os lugares e pontos do percurso fluvial e terrestre por onde as canoas e as cargas deveriam ser transportadas ou empurradas por cordas e pelos braços dos pilotos e tripulantes”, observa Iris.
O mapa registra o salto de Itapura, quase na foz do Tietê, uma das cerca de 150 cachoeiras do Tietê encobertas pelos reservatórios das usinas hidrelétricas que transformaram também outros rios de São Paulo e de outros estados, gerando energia, mas também causando assoreamento e reduzindo a diversidade de peixes e outros organismos aquáticos. “As cidades do interior não precisam fazer as mesmas besteiras que fizemos em São Paulo”, alerta Jorge. No entanto, o que se vê, por enquanto, são as cidades do interior que tentam ser modernas canalizando, cobrindo ou aterrando rios que, quando expostos, exibem uma carga crescente de poluição.
Em 2002, somente 17% do esgoto doméstico gerado nos 645 municípios do estado de São Paulo era tratado antes de ser jogado nos rios, reduzindo a qualidade da água e a diversidade biológica, de acordo com um estudo coordenado por Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP de Piracicaba. Em 2006, Juliano Groppo e Jorge de Moraes, do mesmo grupo, verificaram que a degradação da qualidade da água da bacia do rio Piracicaba, uma das mais prejudicadas no estudo anterior, persistia. “As agências responsáveis pela qualidade da água dizem que o tratamento de esgotos aumentou, mas não vimos melhoria palpável nos rios da região”, diz Martinelli. “Não sei onde está o problema. Temos hoje um bom conjunto de leis, mas algo não está funcionando. Temos de ver onde falhamos.” Em 2013, com base em amostras colhidas em 360 pontos do estado, Davi Cunha e outros pesquisadores da USP de São Carlos e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) verificaram que a qualidade da água continuava aquém dos limites impostos pela legislação.
Rios vivos outra vez?
Ao selecionar o material do período colonial para a exposição do Arquivo Público, a equipe encontrou um mapa impressionante, intitulado Planta do rio Tietê ou Anemby na capitania de São Paulo desde a cidade do mesmo nome até à sua confluência com o rio Grande ou Paraná. Iris desconfiou da autenticidade da autoria – o nome de José Custódio de Sá e Faria estava escrito a lápis no verso do mapa –, consultou a obra da historiadora Isa Adonias e a base digital da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, e concluiu que o mapa deveria ser uma edição anônima de uma antiga carta hidrográfica do Tietê feita em 1789 pelo cartógrafo paulista Francisco José de Lacerda e Almeida, que fez medições ao longo do curso do rio Tietê e de seus afluentes em 1788 e 1789, a pedido do então governador de Mato Grosso. A versão encontrada é um pouco posterior a 1810, pertenceu ao acervo do extinto Instituto Geográfico Geológico de São Paulo e contém muitas informações de natureza histórica e etnográfica que não constavam no mapa original de 1789. O mapa detalha as cachoeiras, portos e fazendas que os viajantes deveriam passar rumo ao rio Paraná. “É um verdadeiro roteiro prático de navegação, no qual se indicam os lugares e pontos do percurso fluvial e terrestre por onde as canoas e as cargas deveriam ser transportadas ou empurradas por cordas e pelos braços dos pilotos e tripulantes”, observa Iris.
O mapa registra o salto de Itapura, quase na foz do Tietê, uma das cerca de 150 cachoeiras do Tietê encobertas pelos reservatórios das usinas hidrelétricas que transformaram também outros rios de São Paulo e de outros estados, gerando energia, mas também causando assoreamento e reduzindo a diversidade de peixes e outros organismos aquáticos. “As cidades do interior não precisam fazer as mesmas besteiras que fizemos em São Paulo”, alerta Jorge. No entanto, o que se vê, por enquanto, são as cidades do interior que tentam ser modernas canalizando, cobrindo ou aterrando rios que, quando expostos, exibem uma carga crescente de poluição.
Em 2002, somente 17% do esgoto doméstico gerado nos 645 municípios do estado de São Paulo era tratado antes de ser jogado nos rios, reduzindo a qualidade da água e a diversidade biológica, de acordo com um estudo coordenado por Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP de Piracicaba. Em 2006, Juliano Groppo e Jorge de Moraes, do mesmo grupo, verificaram que a degradação da qualidade da água da bacia do rio Piracicaba, uma das mais prejudicadas no estudo anterior, persistia. “As agências responsáveis pela qualidade da água dizem que o tratamento de esgotos aumentou, mas não vimos melhoria palpável nos rios da região”, diz Martinelli. “Não sei onde está o problema. Temos hoje um bom conjunto de leis, mas algo não está funcionando. Temos de ver onde falhamos.” Em 2013, com base em amostras colhidas em 360 pontos do estado, Davi Cunha e outros pesquisadores da USP de São Carlos e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) verificaram que a qualidade da água continuava aquém dos limites impostos pela legislação.
Rios vivos outra vez?
“Temos de entender os momentos históricos”, sugere o arquiteto Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo, que em 2005 concluiu seu doutorado sobre a ocupação das várzeas e planícies fluviais da bacia de São Paulo, na Faculdade de Arquitetura da USP. São Paulo, ele acentua, não é mais uma cidade de passagem para comerciantes, migrantes e imigrantes. “Estamos em um momento de inflexão, com novos conceitos, como o de urbanismo da paisagem, em que a transformação do território não é realizado prioritariamente para amparar a produção, mas para amparar a vida. A paisagem não é dada, não desfrutamos a paisagem como um viajante do século XVI, somos nós que a construímos.”
Agora se procura resgatar um pouco da paisagem perdida. Prevista no programa de requalificação das marginais, a construção de uma ciclovia sobre o rio Pinheiros, unindo a Cidade Universitária ao parque Villa Lobos, deve começar em 2014. E até o final de 2014, segundo Costa e Silva, deve terminar a primeira etapa de despoluição do Tietê, que consiste na limpeza e arrumação dos afluentes e córregos de oito municípios próximos à nascente – Arujá, Mauá, Poá, Ferraz de Vasconcelos, Suzano, Mogi das Cruzes, Biritiba-Mirim e Salesópolis – que abrigam cerca de 1 milhão de pessoas. “Despoluir não é só tirar o esgoto dos rios”, ele diz. Trata-se de uma operação complexa, que implica também a recuperação da vazão dos rios, redução do assoreamento, controle da drenagem e incentivo à arborização como forma de aumentar a permeabilidade das áreas urbanas. Em novembro de 2013 estudava-se a substituição das bocas de lobo, que deixam passar o lixo que segue para os rios, por grades, que retêm boa parte dos resíduos. “Estamos servindo às cidades”, diz ele. “Não adianta inventar o que as cidades e seus moradores não querem.”
À medida que os resultados se tornarem visíveis, Costa e Silva pretende promover campanhas públicas para evitar que os moradores joguem sujeira nos rios – agora, cartazes de educação ambiental não teriam efeito, ele pondera, diante da atual desmoralização dos rios. Moradores de São Paulo já se mobilizam para valorizar os córregos e rios da cidade. No início de 2013 a geógrafa Janaína Yamamoto Santos, diretora do núcleo de acervo cartográfico do Arquivo Público, participou de um bloco pós-Carnaval que percorreu o trajeto encoberto do córrego da Água Preta, na Pompeia.
O rio Tamanduateí – chamado de Sete Voltas e usado no século XVII pelos moradores da então vila de São Paulo para transportar tijolos, louças, frutas e cereais, em canoas de madeira – hoje corre acanhado sob a avenida do Estado, uma das mais áridas da cidade de São Paulo. “O Tamanduateí poderia ter ciclovia e árvores, mas é apenas esgoto, é feio que dói. Tem de ser assim?”, questiona Jorge. “Todo mundo aceita que São Paulo tem de ser feia, mas não tem. Já podemos conciliar desenvolvimento urbano e estética.”
Agora se procura resgatar um pouco da paisagem perdida. Prevista no programa de requalificação das marginais, a construção de uma ciclovia sobre o rio Pinheiros, unindo a Cidade Universitária ao parque Villa Lobos, deve começar em 2014. E até o final de 2014, segundo Costa e Silva, deve terminar a primeira etapa de despoluição do Tietê, que consiste na limpeza e arrumação dos afluentes e córregos de oito municípios próximos à nascente – Arujá, Mauá, Poá, Ferraz de Vasconcelos, Suzano, Mogi das Cruzes, Biritiba-Mirim e Salesópolis – que abrigam cerca de 1 milhão de pessoas. “Despoluir não é só tirar o esgoto dos rios”, ele diz. Trata-se de uma operação complexa, que implica também a recuperação da vazão dos rios, redução do assoreamento, controle da drenagem e incentivo à arborização como forma de aumentar a permeabilidade das áreas urbanas. Em novembro de 2013 estudava-se a substituição das bocas de lobo, que deixam passar o lixo que segue para os rios, por grades, que retêm boa parte dos resíduos. “Estamos servindo às cidades”, diz ele. “Não adianta inventar o que as cidades e seus moradores não querem.”
À medida que os resultados se tornarem visíveis, Costa e Silva pretende promover campanhas públicas para evitar que os moradores joguem sujeira nos rios – agora, cartazes de educação ambiental não teriam efeito, ele pondera, diante da atual desmoralização dos rios. Moradores de São Paulo já se mobilizam para valorizar os córregos e rios da cidade. No início de 2013 a geógrafa Janaína Yamamoto Santos, diretora do núcleo de acervo cartográfico do Arquivo Público, participou de um bloco pós-Carnaval que percorreu o trajeto encoberto do córrego da Água Preta, na Pompeia.
O rio Tamanduateí – chamado de Sete Voltas e usado no século XVII pelos moradores da então vila de São Paulo para transportar tijolos, louças, frutas e cereais, em canoas de madeira – hoje corre acanhado sob a avenida do Estado, uma das mais áridas da cidade de São Paulo. “O Tamanduateí poderia ter ciclovia e árvores, mas é apenas esgoto, é feio que dói. Tem de ser assim?”, questiona Jorge. “Todo mundo aceita que São Paulo tem de ser feia, mas não tem. Já podemos conciliar desenvolvimento urbano e estética.”
Fonte: EcoAgência / Agência FAPESP.
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