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9 de outubro de 2013

O PANTANAL CARIOCA EXISTE E ABRIGA MILHARES DE JACARÉS


Milhares de jacarés sobrevivem em rios e 

lagoas da cidade, num drama ambiental 

urbano inédito



  • Só em Barra e Jacarepaguá, cerca de seis mil deles se amontoam na água suja, empurrados pelo crescimento desordenado do Rio
  • Machos de até 3 metros disputam comida e território


  • ANA LUCIA AZEVEDO (EMAIL)
    Publicado:
    Atualizado:
    O GLOBO
    RIO - As lagoas de Recreio, Barra e Jacarepaguá se transformaram num imenso campo de confinamento a céu aberto para um animal que de tão presente no passado há muito deveria ter se tornado um dos símbolos da cidade. Expulsos de cursos d'água, brejos e pântanos tragados pela expansão urbana descontrolada da Zona Oeste dos últimos anos, os jacarés foram empurrados para as lagoas poluídas. Se no passado causavam comoção ao serem encontrados dentro da piscina de alguém, agora se contam aos milhares a alguns metros de shoppings e condomínios. Especialistas estimam que a população das lagoas oscile de cinco mil a seis mil jacarés de papo-amarelo, quase todos machos, alguns com cerca de 3 metros de comprimento — o maior já capturado tinha 2,70 metros.
    Embrenhados na vegetação, no lixo e na água escura esses grandes répteis conseguem passar incógnitos por muita gente. Embora não causem mais surpresa a quem passe com frequência pelas margens das lagoas e canais. À primeira vista, parece que os tempos do “Sertão carioca”, o lendário livro de Magalhães Corrêa sobre o pantanal do Rio nos anos 30, poderiam estar de volta. Não faltam anúncios de autoridades de que as lagoas estariam mais limpas. O retorno dos jacarés seria o sinal mais evidente disso.
    — Só que não é nada disso. Eles não tiveram escolha. As lagoas da Tijuca, de Jacarepaguá, do Camorim e, principalmente, de Marapendi se tornaram como zoos imundos onde os jacarés se amontoam nas águas infectas, tomadas pelo esgoto lançado in natura na região — lamenta o ambientalista Mario Moscatelli, o mais conhecido defensor das lagoas e da Baía de Guanabara.
    Numa madrugada de setembro varrida pelo vento Sudoeste da chegada de uma frente fria, a equipe da Revista Amanhã acompanhada por Moscatelli flagrou mais de 50 jacarés na Lagoa de Marapendi, a menos suja das quatro. A luz da lanterna de Moscatelli revelou dezenas de pares de olhos. Aproximado o barco, surgiam as cabeça dos jacarés, que, entre curiosos e assustados, logo mergulhavam. No esgoto. Eles se aglomeram nas proximidades da embocadura do Canal das Taxas, no fim da Lagoa de Marapendi. O lugar é tão imundo quanto sugere o mau cheiro que impregna o ar. Bolhas de gases sobem à superfície a cada vez que um jacaré mergulha.
    — Eles estão aqui por total falta de opção. Mas o jacaré é um animal pré-histórico, existe há milhões de anos. É como um tanque de guerra da natureza que, por enquanto, consegue sobreviver. Só não sabemos até quando — diz Moscatelli, ele próprio surpreso com a grande população de jacarés.
    Nem o frio espanta
    Mesmo numa madrugada desfavorável a répteis — como se sabe, são animais de chamado “sangue frio”, que precisam se aquecer para manter a temperatura corporal — é impossível não ver jacarés à medida que o barco avança pelas águas de Marapendi.
    Eles simplesmente não têm para onde ir. Se causa surpresa encontrá-los aos milhares hoje, é bom lembrar que o Rio, na verdade, sempre foi a casa dos jacarés. O nome de origem indígena Jacarepaguá significa lagoa rasa dos jacarés. E eles chegaram antes dos índios, antes da maioria dos animais. São mais antigos que muitos dos cursos d’água. Já foram milhões.
    Provavelmente, ninguém conhece melhor os jacarés do Rio do que o biólogo Ricardo Freitas Filho, há dez anos à frente do Instituto Jacaré de Conservação e Manejo da Fauna Silvestre, líder do projeto Jacarés Urbanos, ambos ligados à Universidade Castelo Branco. Doutor em jacarés, ele não esconde sua paixão — é só conferir o beijo num animal de quase dois metros que ilustra a capa desta revista — pelos hábitos de um animal que resiste como pode à destruição do habitat, à poluição e ainda hoje à caça furtiva.
    Ricardo e sua equipe já marcaram com brincos especiais 420 animais no complexo lagunar de Jacarepaguá, que inclui toda a Barra e o Recreio. E são os autores do primeiro e único censo do papo-amarelo no Rio. Estimam que a população chegue a seis mil nas lagoas de Barra, Recreio e Jacarepaguá.
    — É muito difícil dizer quantos jacarés de papo-amarelo vivem em todo o Grande Rio. Há milhares Mas eles são relativamente fáceis de encontrar em bairros como Realengo, Sulacap, Marechal Hermes e Vila Militar. No Grande Rio existem em Niterói e em toda a Baixada Fluminense — diz Ricardo, que faz um levantamento de todo o estado.
    Onde há rios, há jacarés
    Mas é nas lagoas do complexo de Jacarepaguá que ganham maior visibilidade, devido à concentração de animais expulsos de seu habitat tomado por condomínios, shoppings e ruas, e à degeneração das lagoas, onde em alguns pontos a profundidade não chega a 20 centímetros. O biólogo explica que onde há corpos d’água cercados por vegetação há jacarés. Na Lagoa Rodrigo de Freitas, eles não aparecem porque não existe ligação com rios.
    — De tão onipresente, o jacaré deveria ser o símbolo do Rio — afirma o pesquisador.
    Reza a lenda urbana que os jacarés do Recreio têm poodles no cardápio. Os répteis estariam por trás do desaparecimento de alguns, com coleira e tudo. Pura invenção, assegura Ricardo Freitas Filho. Cães e, menos ainda, gente não são ameaçados pelos jacarés nem estão entre suas presas. Os jacarés do Rio comem aves, eventuais peixes e muitos ratos, que infestam o lixo da orla das lagoas.
    — Eles têm muito mais medo de nós do que nós deles. Os cães também os assustam. Fogem quando alguém se aproxima. É claro, não se deve provocá-los, são selvagens — diz o biólogo, que integra o comitê sobre crocodilianos (classificação que inclui jacarés e seus primos crocodilos) da prestigiada União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), responsável pelas listas mundiais de espécies em extinção.
    Macho é maioria
    Ricardo e sua equipe estão acostumados a capturar os papos-amarelos para pesquisas de conservação. Num bom dia de trabalho de campo, chegam a pegar até 20 animais. O melhor lugar é o Canal das Taxas, onde os jacarés são mais comuns devido à abundância de comida. Muita gente alimenta os répteis, o que, segundo o biólogo, é uma boa intenção com péssimos resultados, já que contribui para superpovoar de jacarés o canal, totalmente contaminado pelo esgoto. A movimentação da equipe atrai curiosos, vira espetáculo. Mas Ricardo e sua assistente Camila Scalzer se mantém alheios aos curiosos enquanto capturam sem dificuldade com um laço um animal de quase dois metros, o pesam, medem, identificam e soltam de novo.
    — Eles são muito fortes e precisamos ter cuidado para não escorregar e cair na água suja — observa Camila.
    Os sinais de desequilíbrio ambiental são evidentes. A maioria dos animais é macho — 85% dos jacarés de papo-amarelo do Rio —, com óbvias consequências para a sobrevivência da espécie na Zona Oeste. Os pesquisadores não sabem o motivo. Uma possibilidade é que, como a água contaminada por esgoto é mais quente, tenha alterado o padrão populacional. O sexo dos jacarés é determinado pela temperatura em que os ovos são chocados. Quanto mais elevada, mais machos. Outra possibilidade é o manejo errado. Jacarés capturados em outros lugares são soltos no complexo lagunar de Jacarepaguá, e a maioria dos desgarrados é macho.
    — O fato é que os jacarés estão com os dias contados, se nada for feito logo para salvá-los — afirma Ricardo. O GLOBO CIÊNCIAS
    Instituto Jacaré
































































































































































     
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