A construção de um megacomplexo portuário em Ilhéus, com investimento estimado em R$ 3,5 bilhões e 1,8 mil hectares de área total, gera a esperança de redenção à cidade que há mais de duas décadas assiste ao desmoronamento da "civilização do cacau" e às tentativas fracassadas de recuperar a glória do passado. Mas o projeto do Porto Sul da Bahia também assusta uma parcela dos empresários e ambientalistas da região, que temem efeitos devastadores para o turismo e sobre um dos pedaços de mata atlântica mais preservados do litoral brasileiro.
A reportagem é de Daniel Rittner e publicada pelo jornal Valor, 14-05-2012.
O futuro do complexo, que tem a pretensão de transformar-se em ponto final da prometida Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e em estrutura de escoamento para a produção do interior da Bahia, está chegando a um momento decisivo. Seis audiências públicas para discutir seus impactos ambientais com a população local deverão ocorrer entre os dias 28 de maio e 2 de junho. À frente do pedido de licenciamento, o governo estadual percebeu os riscos de um veto do Ibama ao local originalmente escolhido para abrigar o porto e tenta agora viabilizá-lo em um ponto a cerca de dez quilômetros do centro de Ilhéus, com expectativa de dar o pontapé inicial nas obras até o fim deste ano.
O porto planejado é do tipo "offshore", ou seja, tem cais avançado no mar e ligado à costa por uma ponte de acesso com mais de três quilômetros. Ele está dividido em duas áreas: um terminal de uso privativo da Bahia Mineração (Bamin), idealizado para escoar o minério de ferro a ser extraído de uma jazida em Caetité, e um porto público, que é candidato a inaugurar o novo sistema de concessões desenhado pela União. No total, a previsão do governo baiano é que as duas áreas possam movimentar cerca de 100 milhões de toneladas por ano, equivalente à demanda hoje deItaqui, no Maranhão, tornando-o um dos três maiores complexos portuários do Brasil, em movimentação de carga bruta.
Uma pesquisa feita pela Sócio Estatística Consultoria, com 525 entrevistas, indica que 73% da população local se diz "totalmente favorável" à construção do Porto Sul. Mas o empreendimento enfrenta focos de resistência, como o Ministério Público e a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), além de organizações não-governamentais e empresários ligados ao turismo.
O Ministério Público Estadual, que estuda os prós e contras do novo porto junto com uma equipe de procuradores federais, teme a repetição de fenômenos sociais já observados na construção das hidrelétricas do rio Madeira e deBelo Monte. "Há um perigo real de criarmos bolsões de miséria", afirma a promotora Aline Salvador, que integra o Núcleo de Defesa da Mata Atlântica do MP. Para ela, mesmo que seja reforçada, a estrutura de escolas e hospitais pode ser insuficiente para atender à futura demanda.
"Não dá para aceitar promessas vagas", diz Aline, sublinhando que não tem posição contrária ao empreendimento, mas em defesa dos trâmites necessários para provar sua viabilidade e atenuar suas consequências negativas. "Queremos que a comunidade esteja bem informada sobre todos os impactos que ela pode sofrer. É legítimo que o taxista de Ilhéus coloque um adesivo no vidro do carro em favor do porto, porque afinal quer custear a faculdade do filho à noite, mas tem que prestar atenção se o projeto não fará com que seu neto padeça em um hospital sucateado."
A construção do Porto Sul deverá gerar 2.560 empregos diretos no pico das obras, que vão durar até 54 meses, segundo o estudo de impacto ambiental (EIA-Rima). Depois, serão cerca de 1.700 funcionários para as operações. O aquecimento do mercado de trabalho embala os sonhos de Ilhéus, que jamais se recuperou dos efeitos da vassoura-de-bruxa, a praga responsável por dizimar a produção de cacau no fim dos anos 80. Em 1987, último ano antes da praga, a safra beirou 400 mil toneladas. Hoje, uma colheita de 150 mil toneladas é motivo de comemoração.
"O projeto do porto será a redenção de Ilhéus", acredita o prefeito Newton Lima (PT), que viu a população do município encolher na década passada - o censo apontou redução de 222 mil para 184 mil entre os anos 2000 e 2010 -, com trabalhadores rurais deixando as fazendas de cacau semiabandonadas. Enquanto isso, a população urbana deIlhéus cresceu de 60% para 87% do total, em meio ao aumento das ocupações irregulares e dos indicadores de criminalidade.
Como contrapartida à instalação do porto, Lima busca uma "cartilha de investimentos" dos governos federal e estadual, a fim de ordenar a expansão da cidade. A duplicação da rodovia BR-415 (Ilhéus-Itabuna), a requalificação do aterro sanitário, a construção imediata de 1.300 unidades do programa habitacional Minha Casa Minha Vida e a oferta maior de saneamento básico são algumas prioridades. Pode parecer pretensioso, mas o prefeito faz os cálculos: "Daqui a dez anos, a população poderá dobrar de tamanho com o novo porto, transformando Ilhéus na terceira cidade da Bahia, atrás apenas de Salvador e de Feira de Santana".
Como era de se esperar, em meio à guerra de versões entre um lado e outro, a polêmica sobre o empreendimento gerou uma usina de rótulos com razoáveis doses de exagero. Para os críticos do projeto, a previsão de um complexo portuário foi apenas uma forma de justificar a instalação do terminal privativo da Bamin, dando falsos contornos de interesse público para mexer em uma área de preservação permanente. Para os defensores do Porto Sul, as críticas refletem o lobby de magnatas do eixo São Paulo-Rio que têm casas de veraneio na região e a encaram como um santuário intocável, mas vão às suas mansões de helicóptero e desconsideram a necessidade de desenvolvimento do Nordeste.
Mas há preocupações concretas, conforme ressalta o professor José Adolfo de Almeida Neto, do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais da Uesc, universidade de referência no sul da Bahia. Uma delas tem a ver com a dispersão de material particulado, já que pilhas de pó de ferro serão armazenadas ao ar livre, na zona costeira. Para evitar risco de contaminação, ele sugere a pelotização do minério em área afastada do litoral. O EIA-Rima prevê um processo de "umectação" do ferro armazenado, com a água evitando sua dispersão.
A ideia acende outras preocupações dos ambientalistas: se a água retirada do rio Almada, que margeia Ilhéus, não criará impactos indiretos; e que nível de tratamento haverá para livrar a água de resíduos tão pesados.
"Entendemos perfeitamente a necessidade de mais portos e ferrovias. Se o país quer crescer, com transporte adequado, é preciso mesmo investir. Mas muitos empreendimentos só têm lucro graças ao passivo ambiental que deixam para trás. Há formas de tornar o Porto Sul viável, atenuando seus impactos, mas será que o governo e aBamin estão dispostos a pagar o custo dessas tecnologias?", questiona o professor.
O acúmulo de dúvidas leva a maioria dos opositores a perguntar por que a ferrovia não muda o traçado previsto e não se escoa a carga crescente do interior da Bahia por portos existentes, como o de Aratu. Rui Costa, secretário estadual da Casa Civil e homem de confiança do governador Jaques Wagner (PT), se apressa em dar a resposta. "Ilhéus é uma cidade de vocação portuária e tem mão de obra, tem know-how. Mas o fato é que queremos promover a descentralização da economia e criar um novo vetor de desenvolvimento no Estado", resume.
Há também restrições técnicas importantes, acrescenta o secretário. Aratu, que já opera sem folga, terá sua capacidade posta à beira do limite ao escoar a produção das novas fábricas da chinesa JAC Motors (automóveis) e da Basf (acrílicos e polímeros).
Além disso, levar a produção do interior para Aratu significaria encarecer em R$ 1 bilhão as obras da Ferrovia Oeste-Leste - por causa de um traçado mais extenso e em terreno mais acidentado - e atravessar áreas sensíveis do ponto de vista ambiental, segundo o secretário Rui Costa.
Ao definir que o sul da Bahia teria um novo complexo portuário de grande magnitude, o governo estadual pesquisou todo o litoral da região, com um pré-requisito para facilitar as operações no futuro: profundidade do leito marinho de pelo menos 20 metros, com o mínimo possível de dragagem, na faixa a menos de cinco quilômetros da costa.
Seis alternativas de localização foram dadas. A primeira, Ponta da Tulha, tinha maiores fragilidades ambientais e oIbama deu sinais de que não daria licença ao projeto. Outras opções também foram abandonadas, como o Sul de Olivença, devido à forte presença de comunidades indígenas. A ampliação do atual porto de Ilhéus, embora tenha sido mencionada como possibilidade, foi descartada pelo governo alegadamente por três motivos: a densa ocupação urbana tornaria inviável a chegada da ferrovia ao local e a construção da retroárea, o patrimônio histórico e cultural dificultaria a liberação do projeto por órgãos como o Iphan, e as restrições de espaço limitariam a operação portuária em si.
O governo da Bahia promete a criação de um mosaico de unidades de conservação em torno do novo porto e se diz pronto para rebater as críticas. "A pobreza, em nenhum lugar do mundo, não ajudou a preservar nada. Com o declínio do cacau, abriram-se pastagens e houve degradação das matas, mas disso não se ouve uma frase dos ambientalistas", diz Costa. Ele alfineta também quem teme que o projeto afaste visitantes. "Miséria e mendicância não atraem os turistas."
O futuro do complexo, que tem a pretensão de transformar-se em ponto final da prometida Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e em estrutura de escoamento para a produção do interior da Bahia, está chegando a um momento decisivo. Seis audiências públicas para discutir seus impactos ambientais com a população local deverão ocorrer entre os dias 28 de maio e 2 de junho. À frente do pedido de licenciamento, o governo estadual percebeu os riscos de um veto do Ibama ao local originalmente escolhido para abrigar o porto e tenta agora viabilizá-lo em um ponto a cerca de dez quilômetros do centro de Ilhéus, com expectativa de dar o pontapé inicial nas obras até o fim deste ano.
O porto planejado é do tipo "offshore", ou seja, tem cais avançado no mar e ligado à costa por uma ponte de acesso com mais de três quilômetros. Ele está dividido em duas áreas: um terminal de uso privativo da Bahia Mineração (Bamin), idealizado para escoar o minério de ferro a ser extraído de uma jazida em Caetité, e um porto público, que é candidato a inaugurar o novo sistema de concessões desenhado pela União. No total, a previsão do governo baiano é que as duas áreas possam movimentar cerca de 100 milhões de toneladas por ano, equivalente à demanda hoje deItaqui, no Maranhão, tornando-o um dos três maiores complexos portuários do Brasil, em movimentação de carga bruta.
Uma pesquisa feita pela Sócio Estatística Consultoria, com 525 entrevistas, indica que 73% da população local se diz "totalmente favorável" à construção do Porto Sul. Mas o empreendimento enfrenta focos de resistência, como o Ministério Público e a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), além de organizações não-governamentais e empresários ligados ao turismo.
O Ministério Público Estadual, que estuda os prós e contras do novo porto junto com uma equipe de procuradores federais, teme a repetição de fenômenos sociais já observados na construção das hidrelétricas do rio Madeira e deBelo Monte. "Há um perigo real de criarmos bolsões de miséria", afirma a promotora Aline Salvador, que integra o Núcleo de Defesa da Mata Atlântica do MP. Para ela, mesmo que seja reforçada, a estrutura de escolas e hospitais pode ser insuficiente para atender à futura demanda.
"Não dá para aceitar promessas vagas", diz Aline, sublinhando que não tem posição contrária ao empreendimento, mas em defesa dos trâmites necessários para provar sua viabilidade e atenuar suas consequências negativas. "Queremos que a comunidade esteja bem informada sobre todos os impactos que ela pode sofrer. É legítimo que o taxista de Ilhéus coloque um adesivo no vidro do carro em favor do porto, porque afinal quer custear a faculdade do filho à noite, mas tem que prestar atenção se o projeto não fará com que seu neto padeça em um hospital sucateado."
A construção do Porto Sul deverá gerar 2.560 empregos diretos no pico das obras, que vão durar até 54 meses, segundo o estudo de impacto ambiental (EIA-Rima). Depois, serão cerca de 1.700 funcionários para as operações. O aquecimento do mercado de trabalho embala os sonhos de Ilhéus, que jamais se recuperou dos efeitos da vassoura-de-bruxa, a praga responsável por dizimar a produção de cacau no fim dos anos 80. Em 1987, último ano antes da praga, a safra beirou 400 mil toneladas. Hoje, uma colheita de 150 mil toneladas é motivo de comemoração.
"O projeto do porto será a redenção de Ilhéus", acredita o prefeito Newton Lima (PT), que viu a população do município encolher na década passada - o censo apontou redução de 222 mil para 184 mil entre os anos 2000 e 2010 -, com trabalhadores rurais deixando as fazendas de cacau semiabandonadas. Enquanto isso, a população urbana deIlhéus cresceu de 60% para 87% do total, em meio ao aumento das ocupações irregulares e dos indicadores de criminalidade.
Como contrapartida à instalação do porto, Lima busca uma "cartilha de investimentos" dos governos federal e estadual, a fim de ordenar a expansão da cidade. A duplicação da rodovia BR-415 (Ilhéus-Itabuna), a requalificação do aterro sanitário, a construção imediata de 1.300 unidades do programa habitacional Minha Casa Minha Vida e a oferta maior de saneamento básico são algumas prioridades. Pode parecer pretensioso, mas o prefeito faz os cálculos: "Daqui a dez anos, a população poderá dobrar de tamanho com o novo porto, transformando Ilhéus na terceira cidade da Bahia, atrás apenas de Salvador e de Feira de Santana".
Como era de se esperar, em meio à guerra de versões entre um lado e outro, a polêmica sobre o empreendimento gerou uma usina de rótulos com razoáveis doses de exagero. Para os críticos do projeto, a previsão de um complexo portuário foi apenas uma forma de justificar a instalação do terminal privativo da Bamin, dando falsos contornos de interesse público para mexer em uma área de preservação permanente. Para os defensores do Porto Sul, as críticas refletem o lobby de magnatas do eixo São Paulo-Rio que têm casas de veraneio na região e a encaram como um santuário intocável, mas vão às suas mansões de helicóptero e desconsideram a necessidade de desenvolvimento do Nordeste.
Mas há preocupações concretas, conforme ressalta o professor José Adolfo de Almeida Neto, do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais da Uesc, universidade de referência no sul da Bahia. Uma delas tem a ver com a dispersão de material particulado, já que pilhas de pó de ferro serão armazenadas ao ar livre, na zona costeira. Para evitar risco de contaminação, ele sugere a pelotização do minério em área afastada do litoral. O EIA-Rima prevê um processo de "umectação" do ferro armazenado, com a água evitando sua dispersão.
A ideia acende outras preocupações dos ambientalistas: se a água retirada do rio Almada, que margeia Ilhéus, não criará impactos indiretos; e que nível de tratamento haverá para livrar a água de resíduos tão pesados.
"Entendemos perfeitamente a necessidade de mais portos e ferrovias. Se o país quer crescer, com transporte adequado, é preciso mesmo investir. Mas muitos empreendimentos só têm lucro graças ao passivo ambiental que deixam para trás. Há formas de tornar o Porto Sul viável, atenuando seus impactos, mas será que o governo e aBamin estão dispostos a pagar o custo dessas tecnologias?", questiona o professor.
O acúmulo de dúvidas leva a maioria dos opositores a perguntar por que a ferrovia não muda o traçado previsto e não se escoa a carga crescente do interior da Bahia por portos existentes, como o de Aratu. Rui Costa, secretário estadual da Casa Civil e homem de confiança do governador Jaques Wagner (PT), se apressa em dar a resposta. "Ilhéus é uma cidade de vocação portuária e tem mão de obra, tem know-how. Mas o fato é que queremos promover a descentralização da economia e criar um novo vetor de desenvolvimento no Estado", resume.
Há também restrições técnicas importantes, acrescenta o secretário. Aratu, que já opera sem folga, terá sua capacidade posta à beira do limite ao escoar a produção das novas fábricas da chinesa JAC Motors (automóveis) e da Basf (acrílicos e polímeros).
Além disso, levar a produção do interior para Aratu significaria encarecer em R$ 1 bilhão as obras da Ferrovia Oeste-Leste - por causa de um traçado mais extenso e em terreno mais acidentado - e atravessar áreas sensíveis do ponto de vista ambiental, segundo o secretário Rui Costa.
Ao definir que o sul da Bahia teria um novo complexo portuário de grande magnitude, o governo estadual pesquisou todo o litoral da região, com um pré-requisito para facilitar as operações no futuro: profundidade do leito marinho de pelo menos 20 metros, com o mínimo possível de dragagem, na faixa a menos de cinco quilômetros da costa.
Seis alternativas de localização foram dadas. A primeira, Ponta da Tulha, tinha maiores fragilidades ambientais e oIbama deu sinais de que não daria licença ao projeto. Outras opções também foram abandonadas, como o Sul de Olivença, devido à forte presença de comunidades indígenas. A ampliação do atual porto de Ilhéus, embora tenha sido mencionada como possibilidade, foi descartada pelo governo alegadamente por três motivos: a densa ocupação urbana tornaria inviável a chegada da ferrovia ao local e a construção da retroárea, o patrimônio histórico e cultural dificultaria a liberação do projeto por órgãos como o Iphan, e as restrições de espaço limitariam a operação portuária em si.
O governo da Bahia promete a criação de um mosaico de unidades de conservação em torno do novo porto e se diz pronto para rebater as críticas. "A pobreza, em nenhum lugar do mundo, não ajudou a preservar nada. Com o declínio do cacau, abriram-se pastagens e houve degradação das matas, mas disso não se ouve uma frase dos ambientalistas", diz Costa. Ele alfineta também quem teme que o projeto afaste visitantes. "Miséria e mendicância não atraem os turistas."
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