Se todos os serviços prestados pela natureza fossem contabilizados monetariamente, o valor da fatura seria algo em torno de US$ 60 trilhões
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“...Surge agora nova proposta: a
venda de serviços ambientais. Leia-se: apropriação e mercantilização das
florestas tropicais, florestas plantadas (semeadas pelo ser humano) e
ecossistemas. Devido à crise financeira que afeta os países desenvolvidos, o capital
busca novas fontes de lucro. Ao capital industrial (produção) e ao capital
financeiro (especulação), soma-se agora o capital natural (apropriação da
natureza), também conhecido por ‘economia verde’.
A diferença dos serviços ambientais é
que não são prestados por uma pessoa ou empresa; são ofertados, gratuitamente,
pela natureza: água, alimentos, plantas medicinais, carbono (sua absorção e
armazenamento), minérios, madeira etc. A proposta é dar um basta a essa
gratuidade. Na lógica capitalista, o valor de troca de um bem está acima de seu
valor de uso. Portanto, tais bens naturais devem ter preços...” (Frei Beto)
Vende-se a natureza
sexta-feira, 4 maio, 2012
por Frei Betto*
Às vésperas da Rio+20, é imprescindível denunciar a nova ofensiva do
capitalismo neoliberal: a mercantilização da natureza. Já existe o mercado de
carbono, estabelecido pelo Protocolo de Kyoto (1997). Ele determina que países
desenvolvidos, principais poluidores, reduzam as emissões de gases de efeito
estufa em 5,2%.
Reduzir o volume de veneno vomitado por aqueles países na atmosfera
implica subtrair lucros. Assim, inventou-se o crédito de carbono. Uma tonelada de dióxido de
carbono (CO2) equivale a um crédito de carbono. O país rico ou suas empresas,
ao ultrapassar o limite de poluição permitida, compra o crédito do país pobre
ou de suas empresas que ainda não atingiram seus respectivos limites de emissão
de CO2 e, assim, fica autorizado a emitir gases de efeito estufa. O valor dessa
permissão deve ser inferior à multa que o país ricos pagaria, caso
ultrapassasse seu limite de emissão de CO2.
Surge agora nova proposta: a venda de serviços ambientais. Leia-se:
apropriação e mercantilização das florestas tropicais, florestas plantadas
(semeadas pelo ser humano) e ecossistemas. Devido à crise financeira que afeta
os países desenvolvidos, o capital busca novas fontes de lucro. Ao capital
industrial (produção) e ao capital financeiro (especulação), soma-se agora o
capital natural (apropriação da natureza), também conhecido por ‘economia
verde’.
A diferença dos serviços ambientais é que não são prestados por uma
pessoa ou empresa; são ofertados, gratuitamente, pela natureza: água,
alimentos, plantas medicinais, carbono (sua absorção e armazenamento),
minérios, madeira etc. A proposta é dar um basta a essa gratuidade. Na lógica
capitalista, o valor de troca de um bem está acima de seu valor de uso. Portanto,
tais bens naturais devem ter preços.
Os consumidores dos bens da natureza passariam a pagar não apenas pela
administração da ‘manufatura’ do produto (como pagamos pela água que sai da
torneira em casa), mas pelo próprio bem. Ocorre que a natureza não tem conta
bancária para receber o dinheiro pago pelos serviços que presta. Os defensores
dessa proposta afirmam que, portanto, alguém ou alguma instituição deve receber
o pagamento – o dono da floresta ou do ecossistema.
A proposta não leva em conta as comunidades que vivem nas florestas. Uma
moradora da comunidade de Katobo, floresta da República Democrática do Congo,
relata:
“Na floresta, coletamos lenha, cultivamos alimentos e comemos. A
floresta fornece tudo, legumes, todo tipo de animal, e isso nos permite viver
bem. Por isso que somos muito felizes com nossa floresta, porque nos permite
conseguir tudo que precisamos. Quando ouvimos que a floresta poderia estar em
perigo, isso nos preocupa, porque nunca poderíamos viver fora da floresta. E se
alguém nos dissesse para abandonar a floresta, ficaríamos com muita raiva,
porque não podemos imaginar uma vida que não seja dentro ou perto da floresta.
Quando plantamos alimentos, temos comida, temos agricultura e também caça, e as
mulheres pegam siri e peixe nos rios.
Temos diferentes tipos de legumes, e também plantas comestíveis da floresta, e frutas, e todo de tipo de coisa que comemos, que nos dá força e energia, proteínas, e tudo mais que precisamos.”
O comércio de serviços ambientais ignora essa visão dos povos da
floresta. Trata-se de um novo mecanismo de mercado, pelo qual a natureza é
quantificada em unidades comercializáveis.
Essa ideia, que soa como absurda, surgiu nos países industrializados do
hemisfério norte na década de 1970, quando houve a crise ambiental. Europa e
EUA tomaram consciência de que os recursos naturais são limitados. A Terra não
tem como ser ampliada. E está doente, contaminada e degradada.
Frente a isso, os ideólogos do capitalismo propuseram valorizar os
recursos naturais para salvá-los. Calcularam o valor dos serviços ambientais entre US$ 16 e 54 trilhões (o PIB mundial, a soma de bens e
serviços, totaliza atualmente US$ 62 trilhões). “Está na hora de reconhecer que
a natureza é a maior empresa do mundo, trabalhando para beneficiar 100% da
humanidade – e faz isso de graça”, afirmou Jean-Cristophe Vié, diretor do
Programa de Espécies da IUCN, principal rede global pela conservação da
natureza, financiada por governos, agências multilaterais e empresas
multinacionais.
Em 1969, Garret Hardin publicou o artigo “A tragédia dos bens comuns”
para justificar a necessidade de cercar a natureza, privatizá-la, e assim
garantir sua preservação. Segundo o autor, o uso local e gratuito da natureza,
como o faz uma tribo indígena, resulta em destruição (o que não corresponde à
verdade). A única forma de preservá-la para o bem comum é torná-la
administrável por quem possui competência – as grandes corporações
empresariais. Eis a tese da economia verde.
Ora, sabemos como elas encaram a natureza: como mera produtora de commodities.
Por isso, empresas estrangeiras compram, no Brasil, cada vez mais terras, o que
significa uma desapropriação mercantil de nosso território.
* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de “O
amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros
livros. Twitter:@freibetto
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