REDE RECOLHIDA em Itaipu: no lugar de peixe, lixo. Foto: Pedro Kirilos
Poluição do fundo do mar em Niterói
A rede de pesca lançada no mar por John Brendler, de 36 anos, nunca estivera tão pesada. Recolhida depois de cerca de 12 horas submersa, pesava tanto que só foi possível retirá-la da água com a ajuda de uma segunda embarcação. Contudo, o esforço não foi sinônimo de boa pescaria. Sem um peixe sequer, a rede voltou à superfície tomada por pedaços de plástico, estopa e uma lama espessa e malcheirosa.
Pescador da colônia Z-7, em Itaipu, John não é o único a relatar redes que voltam repletas de lixo. O problema é recorrente nos últimos dois anos, quando aumentou a frequência de descartes no oceano de material retirado em dragagens no fundo da Baía de Guanabara. Desde então, dois pontos a aproximadamente dez quilômetros da costa de Niterói e do Rio já receberam cerca de seis milhões de metros cúbicos de sedimentos.
A previsão da Secretaria Estadual do Ambiente é que outros quatro milhões de metros cúbicos ainda sejam despejados nos próximos anos.
Embora licenciados pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), sob a garantia de que apenas material não contaminante seria despejado no oceano, os descartes estariam afetando o ecossistema marinho e, consequentemente, a pesca na região.
Além de redes danificadas por lixo, pescadores denunciam que muitas espécies desapareceram. Rochas localizadas no fundo do mar que concentram grande diversidade da vida marinha, chamadas de parcéis, teriam sido soterradas.
— Desde que os descartes começaram, os cardumes se afastaram. A área onde acontece o bota-fora (descarte) tem mais de cem parcéis. Alguns foram soterrados, impossibilitando a vida marinha. O fundo tinha areia clara, e a água era limpa.
Agora, está coberto por uma camada de 70 centímetros dessa lama podre em alguns pontos — diz Otto Sobral, de 53 anos, pescador subaquático da colônia Z-7, que mergulha na costa de Niterói há 30 anos e fez um levantamento de pontos no fundo do mar que teriam sido comprometidos pelos descartes.
Pescadores dizem já ter perdido as contas das redes inutilizadas pelo lixo. As que não são totalmente perdidas demoram até dez dias para serem limpas.
— Retirar a sujeira leva dias, um prejuízo enorme — diz o pescador José Freitas, de 54 anos.
O biólogo marinho Fernando Moraes, do Museu Nacional da UFRJ, analisou o lixo preso às redes de pescadores de Itaipu:
— São embalagens antigas, com data de validade da década de 90, o que indica que foi um material retrabalhado, que estava no fundo e voltou à superfície. Outros estudos sobre o lançamento de sedimentos precisam ser realizados.
MP: estudos de impacto são inconsistentes
O Ministério Público estadual acompanha os descartes por meio de um inquérito civil e, no fim do ano passado, recomendou a suspensão de novas licenças e a realização de estudos de impacto ambiental mais detalhados.
— Há inconsistência no estudo de impacto ambiental que gerou a licença concedida. Contudo, a ausência de informação sobre o local do “bota-fora” e a suspeita de que o descarte atinge a atividade pesqueira e a qualidade da água em praias próximas à Baia acabam por serem os maiores impedimentos para a atividade de dragagem. É necessário que se tenha certeza das consequências ecológicas da atividade — explica o promotor Sávio Bittencourt, titular da 5ª Promotoria de Meio Ambiente do MP.
O subsecretário estadual do Ambiente, Luiz Firmino, afirma que, desde o ano passado, nenhum novo pedido de licença para descarte de dragagens foi autorizado. Ele acrescenta que todo o material lançado no litoral é monitorado e que estudos mais aprofundados serão realizado para atender à recomendação do MP.
— Quando há material tóxico, ele é separado, colocado em cápsula e depositado em locais apropriados. Não vai para o mar. Será feita uma avaliação ambiental integrada, que é um estudo aprofundado sobre os efeitos da atividade. Todas as empresas terão que fazer. Quem não cumprir a exigência será suspenso — afirma Firmino, ressaltando que um novo ponto de descarte, um quilômetro mais distante do litoral, está sendo estudado.
O professor de oceanografia David Zee, especialista em meio ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Veiga de Almeida, alerta que, dependendo do ponto de lançamento e das condições do mar , o bota-fora pode ser extremamente nocivo:
— As áreas de onde este sedimento é retirado são extremamente poluídas. O volume despejado e os pontos de descarte precisam ser monitorados. Caso o lançamento seja sobre um fundo rochoso, onde há uma diversidade de espécies, o impacto é grande. Os estudos de impacto se baseiam em modelos teóricos, que, na prática, podem ou não se confirmar.
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