A estiagem e a transposição
Dom Aldo Pagotto
Jornal Correio da Paraíba – Edição de Domingo -03/06/2012
Desde o mês de abril pp., constata-se a perda (quase total) da safra agrícola e da produção agropecuária nas regiões produtivas do Semiárido nordestino. De que servem os estudos, avanços científicos e tecnológicos das últimas décadas, se não nos apropriamos deles, adaptando-nos à convivência com o Semiárido, investindo em setores produtivos?
Carro-pipa, seguro-safra ilustram a política de compensação e improviso, reproduzindo cenários de displicência. Por qual razão nossas autoridades gestoras não se mexem diante do previsível, contraditório e inexorável: o regime do Semiárido? O que nos espera são secas, estiagens severas, mistas com chuvas atípicas e inundações.
Na Paraíba, dos 223 municípios, 195 se encontram em situação de emergência, à semelhança de centenas de municípios nordestinos, sitos no Semiárido. Reportagens mostram os jovens, os pais e mães de família saindo em busca de biscates, se aventurando para ganhar a vida e a sorte.
Em um ano eleitoral carros-pipa socorrem mais os candidatos, atrás de compra de votos e troca de favores, “acudindo” o povo que vive a sina da seca do Nordeste. Pequenos produtores não saem do buraco, pois que banco não perdoa ninguém endividado. Seca não se combate, se enfrenta. Aprendemos a conviver com as condições do regime semiárido.
A obra de transposição das águas do Rio São Francisco equivale à política de segurança hídrica, interligando e revitalizando nosso sistema de bacias hidrográficas. De início serão beneficiados 12 milhões de nordestinos dos Estados do CE, RN, PB, PE, com água para uso humano, animal e projetos produtivos.
Se as obras da transposição estivessem prontas, por certo salvaríamos grande parte da produção agrícola e agropecuária, além da revitalização do nosso complexo hídrico. Entretanto, as perdas beiram os R$ 12 ou R$ 13 bilhões. A obra da transposição não vai para frente, porque até hoje o empenho da bancada paraibana e dos prefeitos dos 127 municípios a serem beneficiados quase não se mexem, além dos discursos inflamados.
A água da esperada transposição está atrasada, não somente por responsabilidade do governo federal. Muitos prefeitos ainda não se articularam para planejar projetos produtivos no âmbito de suas respectivas regiões. Muitos ignoram o que fazer com as águas, sua distribuição, seu gerenciamento, seus custos e benefícios. A lição de casa não é cobrada, nem é feita.
Em fevereiro o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra prometia a retomada das obras semiparalisadas desde 2010, quando se esperava a chegada das águas em Monteiro. As obras dos 600 km de canais sofrem um compasso de espera.
Nossa realidade conta com municípios interioranos sem condições de manutenção e expansão por ausência de planejamento e infraestrutura, dependentes de repasses de verbas federais e estaduais. Pouco produtivos, praticamente sem vitalidade, dinamismo, desenvolvimento. Que futuro teriam os jovens senão buscá-lo alhures?
Para reverter quadros desalentadores em esperança empreendedora é preciso investir nas oportunidades produtivas com tecnologia moderna, evitando reproduzir o oportunismo dos que se perpetuam no poder e desviam verbas para si e seus grupos hegemônicos. A indústria da seca se renova, ganhando maior cumplicidade da parceria inseparável, a corrupção, regada a pão e circo. Se a Paraíba quiser se desenvolver será indispensável investir e polarizar recursos humanos, tecnológicos e financeiros para o interior. Porém, com políticos corruptos, não há desenvolvimento algum.
Lembrete final: as obras da transposição serão reajustadas. De R$ 6 bilhões para uns 14,5 bilhões, beirando as perdas da safra do presente ano.
Dom Aldo Pagotto é Arcebispo da Paraíba.
COMENTÁRIOS
João Suassuna – josu@fundaj.gov.br
Há 17 anos estamos envolvidos com as questões da transposição do Rio São Francisco, e temos nos posicionado contrários ao projeto, pelo fato de entendermos que, da forma como as obras foram apresentadas à sociedade, elas irão beneficiar, única e exclusivamente, o grande capital. O povo carente e desabastecido, residente de forma esparsa na região semiárida, aquele que atualmente é socorrido por frotas de caminhões-pipa, continuará sendo assistido por essa modalidade de abastecimento, porque não verá uma gota sequer das águas do São Francisco. No nosso modo de entender é onde reside a verdadeira indústria da seca.
Em 2007, integramos a Caravana em defesa do São Francisco e do Semiárido, cuja estratégia foi a de visitar 11 capitais brasileiras e parte do interior do Nordeste seco, para discutir o projeto da transposição junto à sociedade. Ao chegarmos à Paraíba, havia uma notícia na mídia local, de que estava chegado àquela localidade, a Caravana da Morte, cujo propósito era o de se negar um caneco d´água a quem tem sede.
Ora, nós que estamos militando com as questões hídricas do Semiárido, no nosso dia-a-dia, sabemos que os projetos de abastecimento de populações são dimensionados para as águas serem transportadas em adutoras (com o uso de tubulações). O projeto da transposição foi concebido para levar as águas do Velho Chico através de canais com 25 metros de largura, 5 de profundidade, com cerca de 700 km de extensão. Dessa forma as águas vão ser utilizadas no agronegócio, sim. É na grande irrigação, na carcinicultura (criação de camarão) e nos usos industriais. Lembramos, contudo, que consta no Plano Decenal de uso das águas do rio São Francisco para fins de transposição, um capítulo que estabelece esse uso para o abastecimento humano e dessedentação animal, em caso de justificada escassez. É o que consta na Lei.
Para a divulgação dessas denúncias decanas, nos valemos da edição de mais de 80 artigos (eles estão circulando na internet) e da publicação de um livro.
Ao afirmar em seu artigo “Se as obras da transposição estivessem prontas, por certo salvaríamos grande parte da produção agrícola e agropecuária, além da revitalização do nosso complexo hídrico”, Dom Aldo demonstrou que não teve acesso às especificidades do projeto. Nele (no projeto), não há clareza de como as águas do São Francisco, uma vez abastecendo as principais represas do Nordeste, irão chegar às torneiras das populações difusas do Semiárido.
Com essa atitude, Dom Aldo continua se iludindo e, pior, passando uma ilusão para o povo paraibano. Nesse período de seca, Vossa Eminência deveria estar aproveitando a autoridade religiosa e política que possui, para iniciar uma campanha de divulgação de alternativas para o abastecimento do Semiárido paraibano. Essas alternativas passam, necessariamente, pelo Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano (projeto da Agência Nacional de Águas), o qual beneficia 34 milhões de pessoas no Nordeste - é um contingente populacional 3 vezes maior do que aquele previsto na transposição -, em municípios de até 5.000 habitantes, e pelo trabalho de Convivência com a Seca desenvolvido pela ASA Brasil e várias outras Organizações não Governamentais, que participam de ações voltadas para esse fim. Essas alternativas existem, são funcionais, bastando, para tanto, vontade política e seriedade na sua implantação.
João Suassuna é pesquisador titular da Fundação Joaquim Nabuco - Recife
BLOG SOS RIOS DO BRASIL
ÁGUA - QUEM PENSA, CUIDA!
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