É simplesmente inconcebível que o governo federal não tenha até hoje estruturado um plano de longa duração, provavelmente decenal, destinado a equacionar o recorrente problema dos recursos hídricos do Nordeste brasileiro e as suas consequências sobre a delicada questão do abastecimento humano e da economia agrícola.
Em vez disso, prefere, como acontece agora, fazer publicidade para mostrar o que está fazendo, como sempre, medidas emergenciais nos momentos agudos cujo cardápio é muito conhecido. Era a hora de acenar com um projeto estruturante para o Nordeste.
Vendeu-se a ideia que tudo estaria resolvido com a polêmica transposição das águas do Rio S. Francisco para o Nordeste Setentrional, que, com todas as suas incertezas, já se arrasta por quase cinco anos.
Os resultados para chegar às populações
necessitadas ainda dependerão de investimentos vultosos que não estão previstos. Ademais, o empreendimento isola os estados da parte sul da própria bacia (Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas), que não tiveram qualquer compensação, embora sejam os doadores da água.
As consequências da seca atual têm sido dramáticas. Na Bahia, a estiagem atingiu fortemente populações urbanas, que ainda convivem com o racionamento, que antes atingia apenas as comunidades rurais. Além de destroçar a economia de subsistência, a falta de água impôs prejuízos à agricultura irrigada em favor da evidente e necessária prioridade do abastecimento humano.
A situação não foi mais dramática porque, até 2006, o Programa de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em uma de suas vertentes, a construção de barragens, aumentou a capacidade de reservação de água em áreas muito críticas, o que infelizmente foi abandonado pelo governo atual, que não iniciou uma única barragem em nosso semiárido nos últimos seis anos.
É essa descontinuidade, lamentavelmente comum na política e administração brasileiras, que me levam há mais de dez anos a defender um Plano Decenal de Recursos Hídricos, aprovado por lei no Congresso Nacional, com orçamentos assegurados e, portanto, imune às práticas paroquiais de cada governante não resistir à tentação de lançar novos projetos com nomes diferentes para resolver os mesmos problemas, cujas soluções já são conhecidas.
Um programa desse tipo exige um cuidadoso planejamento conjunto que terá de ser feito pelos estados com assistência do governo federal.
A medida teria como objetivo central a identificação à exaustão dos recursos hídricos locais e a sua distribuição, sendo as soluções de transposição uma alternativa posterior ao aproveitamento integral daquelas disponibilidades.
É preciso associar as soluções em diferentes escalas, desde a construção de barragens de grande a médio porte até aquelas mais localizadas, como as aguadas, poços, cisternas etc.
As reservas de água subterrânea têm de ser consideradas não apenas nos terrenos onde é produzida, mas em áreas limítrofes em virtude de seus volumes expressivos, sua qualidade e baixo custo de tratamento.
Para o êxito de um programa decenal, ele não poderá funcionar como balcão, aceitando projetos pontuais, mas concretizando projetos dentro de um planejamento que contemple, por ordem de prioridades, as principais intervenções previstas.
Chegamos a um ponto de ser imprescindível a elaboração de planos municipais ou intermunicipais, buscando soluções que viabilizem a permanência de populações em suas bases territoriais e culturais.
Ao lado da solução para o abastecimento de água, é preciso praticar um sistema produtivo compatível com as condições do semiárido, cujas tecnologias já são conhecidas.
Somente assim poderemos proporcionar uma condição de dignidade para as populações que querem permanecer nos seus locais de origem. Esta última seca mais uma vez foi um brado de alerta que, espero, finalmente tenha sido entendido pelas autoridades responsáveis por propiciar as condições necessárias aos muitos nordestinos que não querem se afastar de suas raízes.
*ex-governador da Bahia, geólogo
Artigo publicado no Portal A Tarde - 4.6.13
Fonte: http://www.hidroplan.com.br
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