Nos arredores do Castanhão, o maior açude cearense, tem água pra ver, mas não pra beber
Matéria publicada no site do EcoDebate
Nos arredores do maior açude do Ceará, moradores de assentamentos, cidadezinhas e vilas sofrem com a seca enquanto a água passa diante dos seus olhos para abastecer o agronegócio, a indústria, e a capital, Fortaleza.
A Seca e as indústrias sedentas
#MICROBOLSAS
Reportagem
do coletivo Nigéria, de Fortaleza, sobre o Eixão das Águas, uma das maiores
obras de distribuição dos recursos hídricos do Ceará. À beira do canal de
transposição, comunidades têm dificuldades de acesso à agua, enquanto o setor
industrial tem subsídios e demanda 4 mil litros por segundo.
Leva-se uma hora para chegar da nova à velha
Jaguaribara em um barco de alumínio com um motor de popa de 25 HP. A extensão
do Castanhão, o maior açude cearense, impressiona, mas o nível d’água baixou
tanto nos últimos dois anos que a antiga sede do município, inundada há uma
década pela própria barragem, emergiu. A seca reduziu à metade a capacidade de
6,7 bilhões de metros cúbicos do Castanhão, que perde 22 mil litros de água por
segundo, quase metade deles conduzidos pelo Eixão das Águas, o canal de
transposição, à região metropolitana de Fortaleza. O sistema Castanhão-Eixão
das Água responde por 37% da capacidade de armazenamento de água do Ceará.
A reaparição da antiga Jaguaribara, que jazia sob a
obra de engenharia hidráulica que prometia reduzir drasticamente os efeitos da
seca no Vale do Jaguaribe, tem um quê de fantasmagórica no período mais árido
que o Ceará enfrenta nos últimos 50 anos. Dos 184 municípios do entorno do rio
Jaguaribe, represado pela barragem, 175 estão em situação de emergência. A nova
Jaguaribara, a cidade planejada que substituiu a que foi submersa pelo açude,
está sendo abastecida por carros-pipa e seus moradores chegam a pagar R$ 8 o
quilo do feijão, enquanto os pequenos agricultores às margens do Eixão, o canal
que abastece Fortaleza, precisam repartir a água com os animais e vêem suas
lavouras perdidas.
A mais de 200 quilômetros dali, porém, o
Castanhão, via Eixão das Águas, garante a água na capital cearense e, em breve,
vai suprir também a demanda hídrica do Complexo Industrial e Portuário do
Pecém, o maior projeto de infraestrutura para o desenvolvimento econômico do
Ceará, localizado na região metropolitana da capital. Resta apenas concluir o
quinto trecho do Eixão das Águas – que então terá 255 km de extensão
– o que está previsto para setembro.
A água do Castanhão vai completar seu trajeto do
sudeste do Estado, onde está o açude, ao litoral cearense. O objetivo é final é
o complexo industrial conjugado ao porto, que vem registrando crescimentos
anuais entre 20% e 30%, composto por uma siderúrgica da Vale, uma refinaria da
Petrobrás e duas usinas termelétricas da empresa MPX,do grupo de Eike
Batista – que já opera com uma das usinas e vai colocar a outra em
funcionamentonos próximos meses. As duas usinas térmicas, planejadas para gerar
1.085 MW, vão consumir até 800 litros de água por segundo. A demanda
total de água prevista para o complexo é de 5 mil l/s de “água bruta” – o termo
técnico para a água doce não tratada.
Dez anos de
promessas não cumpridas
Em um cenário em que 71 dos 143 reservatórios
monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH) estão com
níveis abaixo de 30%, o Castanhão, inaugurado em 2003, cumpre missão de seguir
abastecendo Fortaleza, que concentra mais da metade da população do Estado, e
de parte considerável do agronegócio no Estado, como a produção de frutas para
exportação no perímetro irrigado da Chapada do Apodi, com altas taxas de
crescimento. Mas, como mostra a situação dos moradores de Nova Jaguaribara,
ainda não trouxe benefícios à população local, nem mesmo aos que perderam suas
casas para a obra.
Dos 22 mil litros por segundo de vazão do
Castanhão, 10 mil seguem pelo Eixão das Águas e 12 mil são despejados no leito
do Rio Jaguaribe – o maior rio cearense, com cerca de 600 km de
extensão, margeado por empreendimentos do agronegócio. Esse volume de água
explica por que, ao contrário de Recife, por exemplo, nem a seca prolongada
trouxe ameaça de racionamento à capital cearense, destaca o coordenador geral
do Complexo do Castanhão, José Ulisses de Sousa, engenheiro do Departamento de
Obras Contra as Secas (DNOCS).
Por outro lado, nem todos os 18 assentamentos
planejados para receber as famílias desalojadas pela barragem foram concluídos.
A maior parte dessas famílias era arrendatária de terras alheias e não recebeu
indenização pelas casas perdidas. Na ponta final do Eixão das Águas, a obra
atingiu os índios Anacé, que tiveram uma lagoa aterrada, riachos represados e
perderam suas terras para grandes indústrias e para a infraestrutura do
governo.
Houve esperança no início. Os primeiros
assentamentos a serem construídos, como o Curupati Peixes, desenvolveram com
sucesso a piscicultura em Jaguaribara, e hoje o Castanhão é pontilhado por
gaiolas para a criação de peixes em cativeiro, principalmente tilápias.
Segundo, o engenheiro Ulisses, “é o maior parque piscicultor do País”. Outros
assentamentos foram destinados à pecuária leiteira, como o Mandacaru, em que
cada família recebeu três hectares de terra para o cultivo do pasto. Mas as
“matrizes” – as vacas leiteiras – que deveriam chegar de Minas Gerais, como
prometido à época da inundação, uma década depois ainda não chegaram.
“Concordo que é um pouco tarde”, concede Ulisses.
“É a questão da burocracia do sistema do governo brasileiro. Nós temos vários
órgãos fiscalizadores, temos uma Lei de Licitações engessada, que proíbe a
gente de correr. Não tem como. A gente fica engessado. Tem que esperar
licitação, Procuradoria dar parecer, ai demora mesmo. Agora que é tarde, é”,
reconhece o engenheiro. “Existe um débito do governo com essas comunidades, mas
em nenhum momento parou-se de trabalhar em cima de alcançar o objetivo do
projeto inicial do Castanhão”, afirma.
Ulisses também reconhece que é um “absurdo” que as
comunidades às margens do Castanhão tenham que ser abastecidas através de
carros-pipa. Dos 820 caminhões da Operação Carro-pipa no Ceará – coordenada
pelo Exército e pela Defesa Civil e responsável por atender a 134 municípios do
estado –, dois deles abastecem exclusivamente Jaguaribara, incluindo casas da
sede do município.
“Essas coisas pretas
são do pipa mesmo”
O dono e motorista de um destes caminhões é Fabiano
Souza, de 33 anos, que encontramos despejando 8 mil litros de água na cisterna
do agricultor Francisco Ferreira Sobrinho, o seu Zé Vital, a cerca de 300
metros de uma das margens do açude. A água é captada a alguns quilômetros
dali, na estação de tratamento da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE),
e não tem muito boa cara dentro da cisterna de seu Zé Vital.
“Essas coisas pretas assim são do pipa mesmo,
ferrugem talvez. Não tem problema não porque a gente bota no filtro e bota na
geladeira. A gente bebe dela aqui e nunca ninguém adoeceu, não”, confia seu Zé
Vital.
No centro comercial de Jaguaribara a revolta com a
falta d’água na vizinhança do açude transborda na fala de Dona Jacinta Sousa,
48 anos. Para reforçar a dificuldade por que passa o município ela pega uma
maletinha de ferramentas repleta de pequenos blocos de anotações, que registram
os muitos débitos não saldados em seu comércio. “Eu tenho raiva quando pego
nela!”, diz, fechando a valise e jogando-a mais uma vez para debaixo de seu
birô.
Em Jaguaribara, quase todas as mercadorias vêm de
fora. Segundo os entrevistados, o peixe, criado nos projetos de piscicultura, é
a única opção de renda da cidade – além das aposentadorias, das bolsas
governamentais e dos empregos na Prefeitura. Praticamente todas as frutas e
verduras do comércio vêm de Fortaleza ou da Chapada do Apodi, com preços
inflacionados pela seca. Ou seja, além do prejuízo na lavoura, os pequenos
agricultores precisam pagar até duas vezes mais para comer.
As chuvas de abril, maio e junho, que amenizaram os
impactos da estiagem, não significaram o fim da seca – especialmente porque o
segundo semestre é naturalmente o período de estio no semiárido brasileiro.
Também não alteraram consideravelmente os níveis dos açudes, apenas dois deles
estão com mais de 90% de seus níveis máximos: Curral Velho e Gavião, ambos
alimentados pelo Castanhão. O primeiro, localizado no município de Morada Nova,
é o marco entre os trechos I e II do Eixão das Águas; o segundo, na região
metropolitana de Fortaleza, fica na intersecção entre os trechos IV e V, de
onde parte tanto a água da capital quanto a tubulação de 55 km que leva
ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP).
No percurso entre um e outro reservatório, porém,
populações das margens do canal sofrem com a escassez de água – como os
moradores do Assentamento Amazonas e da comunidade Piauí de Dentro, localizados
na fronteira entre os municípios de Morada Nova e Russas.
No Assentamento Amazonas, que cobre uma faixa de
terra de 3.700 hectares, cortada pelo Eixão, o ano passado e os primeiros
três meses deste foram improdutivos, com água suficiente apenas para a
sobrevivência. Além do abastecimento do carro-pipa, que enche as cisternas de
uma a duas vezes por semana, uma outorga da COGERH autorizou retirar 15 mil
litros de água por dia do canal. Mas, embora o assentamento exista há 15 anos,
não há adutora instalada para abastecer as mais de 50 famílias. Eles têm que
pagar um trator para transportar a água, por 25 a 30 reais a
“carrada” (mil litros). Conforme o tamanho do rebanho e da família, isso
significa desembolsar até R$ 150 por semana, retirados das bolsas
governamentais e aposentadorias.
Os assentados Irmão Nem, presidente da associação
dos assentados, e Antônio Porfírio, o Tonhão, que ocupava esse cargo quando
foram feitas as negociações para que o canal cortasse a terra do assentamento,
afirmam que até hoje as promessas da época da construção do Eixão das Águas não
foram cumpridas.
“Na época, eles indenizaram essa parte aqui [a
faixa de terra por onde hoje passa o canal]. Mas quando foi pra passar o pique,
veio uma equipe do governo e prometeu que deixava áreas irrigadas aqui pra nós.
No caso, ele prometeu 50 hectares, pelo menos meio hectare de irrigação
pra cada um. Sendo 46 de irrigação e 4 hectares de tanque de peixe.
Mas infelizmente já se passou o tempo e até hoje ninguém encontrou isso aí”,
conta Irmão Nem.
Na Fazenda Melancias
tem água
A poucos quilômetros dali, porém, uma adutora
abastece a Fazenda Melancias, propriedade da Agropecuária Esperança que
pertence a um dos maiores grupos econômicos do Ceará – o Grupo Edson Queiroz,
dono de emissoras de televisão e rádio, jornal, universidade, fábricas de
eletrodomésticos, distribuidoras de água mineral e gás butano etc. Dois grandes
canos captam água do Eixão para irrigar a pastagem, que alimenta o rebanho de
ovinos e caprinos. Entre 2003 e 2011, a empresa foi flagrada três
vezes pelo Ministério Público do Trabalho pelo uso de trabalho escravo em
outras de suas fazendas no Maranhão e no Piauí.
Na lista de outorgas para o Eixão, sete estão em
nome da Agropecuária Esperança, totalizando uma vazão de 2.318
litros por segundo. Questionado sobre o assunto, o diretor de Planejamento
da COGERH, João Lúcio, afirmou que a vazão para a fazenda foi reduzida para
priorizar o abastecimento da grande Fortaleza na estiagem, e negou a existência
de privilégios no acesso à água.
“Se houver disponibilidade, essa água vai atender o
pequeno e vai atender o grande. Não desconhecemos a questão política, porque a
gente sabe que a sociedade tem suas correlações de forças, mas nós temos nossa
visão aqui na COGERH. Se tiver água, nós vamos atender os pequenos e vamos
atender o grande”, insistiu.
De fato, a lista com 240 outorgas ao longo do canal
é formada principalmente por pequenos usuários, que consomem volumes entre 0,4
e 10 l/s. Contudo, não é possível precisar quantos destes estão na mesma
situação do Assentamento Amazonas, que possui a outorga, mas não a adutora. A
instalação da adutora é de responsabilidade de quem solicita a outorga e os
trabalhadores rurais não tem como bancar esse custo, o que prejudica toda a
atividade econômica nas pequenas propriedades.
Mesmo quando já investimento do Estado para as
adutoras, outros problemas podem inviabilizar o abastecimento das comunidades.
A Secretária de Recursos Hídricos – órgão ao qual está subordinada a COGERH –
investiu R$ 6,5 milhões em 23 sistemas de abastecimento que atendem a 32
comunidades localizadas a uma distância de até 2 km das margens dos
trechos I, II e III do Eixão. Segundo a secretaria, foram construídas
infraestrutura de captação, adução, reservação e chafariz para estas
comunidades e outros 12 sistemas estão em fase de licitação. No entanto,
ressalva feita pela própria assessoria do órgão, seis dos sistemas já
instalados estão parados por falta de infraestrutura suficiente de energia
elétrica, de responsabilidade da Companhia Energética do Ceará.
Da varanda
se vê, mas não chega na casa
Apesar de não ter sido citada pela secretaria, este
parece ser o caso da comunidade de Piauí de Dentro – vizinhas ao Assentamento
Amazonas –, em que as 60 famílias continuam sem acesso à água do Eixão. A
agricultora Maria Glécia, de 31 anos, conta que a adutora instalada pelo
programa da SRH com recursos do Fundo de Combate à Pobreza funcionou durante
uma hora e meia. Há mais de um ano está parada, assim como estão sem uso a
caixa d’água e o chafariz construídos para distribuir a água.
“Agora tá até bom, tá chovendo um pouquinho… Mas
foi ruim, viu? 2012 a gente vendo os bichos morrer… E a gente também.
Tinha dia que não tinha água. A gente sabia que tinha aqui, mas como tirar?”,
pergunta.
Glécia mora com a família a menos de 40
metros do canal. A varanda dá vista para o cânion de 30
metros de profundidade formado depois que o topo de serra foi dinamitado
para a passagem da água, por gravidade, do Castanhão ao litoral. Mas, como não
é possível manualmente puxar a água através do cânion, ela precisa
percorrer 3 km até encontrar um trecho do Eixão ao nível do terreno.
O motor que deveria bombear a água queimou logo após ser ligado. Nem o
eletricista enviado pelo governo, nem as inúmeras visitas semanais que seu pai,
líder comunitário, fez à sede do município de Russas, deram jeito na situação.
Glécia, o marido Josemberg, o irmão Wagner e o
cunhado Getúlio não sabem dizer quantas cabeças de gado perderam pela falta de
água ou mesmo por caírem dentro do canal ao escorregarem no desfiladeiro, que
não possui qualquer proteção. Outras tantas foram furtadas depois que o
trânsito de pessoas aumentou na área com a abertura da estrada que margeia o
canal. Por isso, ninguém cria mais gado solto ali.
As obras do Eixão trouxeram outros impactos graves
à comunidade. As pedras e sedimentos gerados pela obra, assim como a engenharia
utilizada para o desvio do curso da água, acabaram por aterrar parte de uma
lagoa e de um açude da comunidade, hoje água salobra. O cânion separou de um
lado a vila de casas e do outro os lotes de terras dos moradores, o que transformaria
um percurso original de poucos metros num jornada de 3 km cada
trecho, não fosse a resistência. Foi preciso a comunidade se mobilizar e passar
três dias inteiros deitada sobre dinamites até conseguir a garantia do governo
de que seria construída uma ponte no local.
Para a indústria,
água subsidiada
A lista de outorgas de uso de água para o CIPP já
soma uma demanda de 3.860 l/s, incluindo empreendimentos que ainda serão
instalados, como a Companhia Siderúrgica do Ceará. A CSP, um investimento da Vale
em parceria com as multinacionais sul-coreanas Dongkuk e Posco, lidera a lista
com uma demanda de 1,5 mil l/s, quando entrar em operação em 2017. Mas, no
momento, a COGERH já fornece uma vazão de 55 l/s para a fase de terraplanagem.
A demanda da CSP inclui o consumo de água a termelétrica que será construída
para fornecer energia à siderúrgica.
As duas usinas termelétricas da MPX possuem duas
outorgas no valor total de 800 l/s, volume que deverá ser usado na totalidade
quando a segunda unidade entrar em operação, no segundo semestre. Não é tão
grande se comparado ao utilizado pela agricultura irrigada, que representa
cerca de 60% da demanda do estado, mas está entre os maiores da indústria. Além
disso, ao contrário do que ocorre em projetos semelhantes da MPX no Chile e no
Maranhão, as térmicas do Pecém não dessalinizam a água do mar, que fica a
poucos quilômetros da usina.
No vídeo institucional das térmicas do Pecém, a
empresa chega a se gabar da “abundância” de água: “Além do carvão mineral,
outra matéria é necessária para a geração de energia: a água. Nessa região, ela
é encontrada em abundância devido à proximidade com o reservatório da COGERH.”
O reservatório ao qual o vídeo se refere é o Açude
Sítio Novos, com capacidade para 50 mil m³, ou seja, um açude de pequeno porte.
Não por acaso, afora o Eixão das Águas, cinco outras cinco barragens de mesmo
tamanho serão construídas para abastecer o pólo industrial – como mostra o
documento “Cenário Atual do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (versão
preliminar)”, produzido pelo Pacto pelo Pecém, uma articulação de várias
instituições em torno do projeto do CIPP, capitaneada pelo Conselho de Altos
Estudos da Assembleia Legislativa do Ceará, fortemente engajada na
concretização do CIPP.
Alguns deputados estaduais chegaram a formar uma
caravana para percorrer o Estado com o objetivo de pressionar a Petrobrás para
iniciar a construção da Refinaria Premium II – que compõe com a siderúrgica da
Vale os empreendimentos-âncora do complexo –, e as matérias de interesse do
CIPP são tratadas com deferência na assembléia. Em junho de 2011, por exemplo,
os deputados estaduais aprovaram um desconto de 50% no preço da água consumida
pelas térmicas da MPX, o que foi contestado por parte da opinião pública
cearense.
Os subsídios, uma tradição da política econômica do
Nordeste desde pelo menos os primórdios da Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene) na década de 1960, são defendidos até hoje pelo secretário
estadual de Recursos Hídricos, César Pinheiro: “Pra você trazer empresas pro
Nordeste, você tem que fazer um incentivo. Então pra térmica nós demos um
desconto de 50%, mas nós fizemos uma coisa que não é discutida. A térmica fica
parada durante um período do ano e nesse período ela paga água. Quer use ou
não, nós estamos cobrando dela e é um valor significativo. Então não é 50%,
porque quando ela não está usando, nós estamos cobrando. Isso dá um balanço
para que nós não tenhamos prejuízo”, diz Pinheiro.
A lei que instituiu o desconto estabelece que a
empresa deve consumir no mínimo 7.200.000 m³ por ano, o que
representa aproximadamente 228 l/s. Se o número for confrontado com os 800 l/s
previstos na outorga, portanto, em três meses e meio as térmicas atingem a cota
mínima determinada. A reportagem da Pública entrou em contato com a assessoria
da MPX para uma entrevista sobre as tecnologias de reuso de água e redução da
emissão de gases poluentes das duas térmicas do Pecém. Mas foi informada de que
a empresa não poderia se pronunciar por estar no “período de silêncio”, uma
determinação da Comissão de Valores Mobiliários que tenta impedir que empresas
envolvidas no momento em transações influencie o mercado.
ANÁLISE CRÍTICA DA
PROBLEMÁTICA INTER-RELACIONADA
Em face do exposto o que pensarmos da malfadada
transposição do Rio São Francisco. Obra estimada inicialmente para 4 bilhões e
que agora vai em quase 20 bilhões sem se chegar à metade da obra? Será crível
que a água conduzida num dos eixos em mais de 200 km será para as
finalidades prioritárias de abastecimento ou vem na mesma esteira do que se
configura no caso do Ceará (Castanhão) só para agronegócio insustentável e
promotor de degradações sócio-hidroambientais de largo espectro? Como se pode
admitir isso, tomando a água como bem público, supostamente inalienável,
devendo ter como linha mestra os usos prioritários e múltiplos em uma suposta
gestão descentralizada, participativa e integrada para atendimento primeiro
para as necessidades mais essenciais seja subvertido por essa ótica nefasta de
“mercadologia da água”? A água já foi “comoditizada” e já se apresentam as
garras do poder hegemônico do grande capital para sua apropriação que começa
com a partir mesmo das melhores águas “minerais” que são engarrafadas e valem
mais que a gasolina, sendo vendidas em profusão por todos os cantos a peso de
ouro.
A gestão democrática da água, nesta perspectiva,
não passa de um sofisma de enganação muito bem urdido e consolidado pelos
políticos nefastos que grassam também como pragas irremediáveis. E pensar
que as multinacionais também como “pragas invasoras” que são, chegam aqui com o
apoio espúrio das instâncias governamentais, com o propósito de usar e abusar
do bom e do melhor que o Brasil tem. Um povo já tão vilipendiado, sobretudo em
região de Semiárido, encravada em região de Polígono da Seca, vulnerabilizada
ao longo do decurso histórico pela ausência quase absoluta das políticas
públicas (nas 3 esferas).
Segundo Roberto Malvezzi (Gogó) O olhar “sudestino”
sobre o Semiárido costuma dizer que aqui nada muda e que hoje a nossa
realidade ainda é a mesma denunciada por Graciliano Ramos em sua obra prima
“Vidas Secas”, o que não deixa ser ser uma atroz realidade imodificável no tempo
e no espaço do movimento do nordestino sofrido com a grande e mais terrível
“seca de gestão” promovida pelos políticos nefastos que se apropriam do poder
do Estado para se consorciarem com interesses espúrios e nefastos.
Isso porque o Sudeste sempre se valeu o Nordeste,
sobretudo o São Francisco para impor seu interesse hegemônico de demanda de
energia etc., sem nenhuma visão prioritária de universalização do acesso à
água. Neste diapasão temos quase metade do território da Bacia Hidrográfica do
Rio São Francisco, numa extensão de 1.800 kmcom o povo ribeirinho morredno
de sede e fome.
Então surgem os ádvenas para se aboletarem das
água, dos recursos naturais, degradando e esterilizando o solo, adulterando as
sementes, promovendo a escravidão branca por meio do subemprego (que não chega
nem para as primeiras necessidades) deixando-os expostos a venenos que já foram
abolidos em outros países, lançados indiscriminadamente e sem contenção
contaminando as águas e o solo. E a parte final é que saem com os bolsos cheios
de dinheiro e deixando um largo espectro de degradação em todas as dimensões
sócio-hidroambientais.
E logo vem a mineração, que custeia a dívida
interna do Brasil, com sua demanda de água para 2030, em grande quantidade, com
o fito somente de degradar, amealhar toda a riqueza, concentrando todo o lucro
e um passivo atirado nas costas da sociedade, que terá que arcar com a mais
terrível destruição, que se torna irremediável, posto que não existe nenhum
processo de recuperação de área minerada no Brasil. As mineradoras são as mais
exigentes e vorazes saqueadoras de água, dando-se ao despropósito de exigir
para reservações de longo prazo.
Neste contexto se afigura uma grande preocupação em
nível alarmista mesmo, concernente à problemática que teremos que enfrentar,
impostergavelmente, no que tange à questão da água, “causa causorum” de todos
os conflitos emergentes que advirão em um crescente exponencial até os
conflitos mais terríveis em escala local e global, consoante o que já foi
previsto e alertado pelo ecólogo e limnólogo brasileiro José Galizia Tundisi. O
palco já está montado para os conflitos e os atores já entraram em cena.
Falta agora a contraposição necessária, adstrita aos movimentos das ruas,
incorporando esta e outras demandas igualmente justas e necessárias, porém não
só com muitas pernas, mas com uma boa cabeça que o possa conduzir correta e
firmemente uma revolução determinada a obstar cada um e todos esses problemas
que afligem o nosso país e o nosso povo, dominado pela má gestão e pela invasão
de ádvenas que tudo querem, tudo podem e tudo conseguem do melhor que o Brasil
tem, com o beneplácito dos governos “entreguistas” a expensas de nosso povo e
de nossas riquezas, comprometendo o alcance intergeracional. Um “Acorda Brasil”
de verdade, bem estruturado e definido, com delineamentos bem postos e disposto
a sufocar e obstar todo intento contrário à libertação dessas mazelas
desgraçadas a que o Brasil está exposto multissecularmente.
Luiz Dourado
Membro de Câmara Técnica do CBH São Francisco
membro do CBH Salitre
ÁGUA - QUEM PENSA, CUIDA!
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