Técnica em trabalho de campo em área próxima à Refinaria de Manguinhos
Mais do que um alerta aos possíveis riscos de danos à saúde da população, a nova pesquisa em desenvolvimento na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) é um aviso a autoridades do Estado do Rio de Janeiro, pesquisadores, atores comunitários e a população em geral.
O estudo trata da região em que se localizava a já desativada Refinaria de Petróleo de Manguinhos, cercada pelas comunidades do Complexo de Manguinhos e pelos bairros da Maré, do Caju e de Benfica. No terreno, o governo estadual pretende implantar um projeto habitacional para a população de baixa renda. No entanto, segundo a pesquisadora da Ensp/Fiocruz Rosália Maria de Oliveira, é impossível descontaminar ou tratar a área da refinaria para que se torne propícia para o assentamento humano.
Intitulada Diagnóstico socioambiental de Manguinhos, a pesquisa está na fase de análise dos contaminantes, enfocando na investigação de três classes de compostos: BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos), HPAs (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) e os metais pesados (chumbo, cádmio e zinco). Os responsáveis por esse diagnóstico são Rosália e Paulo Roberto de Abreu Bruno, também pesquisador da escola. Segundo Rosália, esses poluentes são característicos de uma indústria que refina petróleo e estoca combustíveis, o que gera uma série de problemas para a saúde da população. No grupo dos BTEX, explica a pesquisadora, o benzeno é comprovadamente cancerígeno para humanos e causa leucemia. Entre os HPAs, vários compostos também são cancerígenos em humanos.
O projeto foi estruturado no ano de 2010, com foco na Refinaria de Manguinhos, mas não se obteve financiamento para o sua realização. Naquela época, explicou Rosália, “ainda não existia o assunto da desapropriação da Refinaria de Manguinhos, tampouco a transformação do espaço em conjunto habitacional, resultado das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na região”.
Paralelamente a esse trabalho com a refinaria, disse Paulo Bruno, “já realizávamos pesquisas sobre dengue, lixo e outros temas em comum na região. Em 2011, ampliamos o escopo do projeto de 2010, com agregação de dados referentes ao lixo, vetores e enchentes, e incluímos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre renda da população, coleta de lixo, abastecimento de água no território e outros. Assim, estamos construindo o diagnóstico socioambiental de Manguinhos. O novo projeto foi contemplado no edital de 2011 do Programa de Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Saúde Pública (PDTSP-Teias), ligado à Vice-Presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz (VPPLR), e iniciamos o seu desenvolvimento”.
Para alcançar mais algumas das metas de ação, no ano seguinte, em 2012, os pesquisadores conseguiram entrar no Programa Estratégico de Apoio à Pesquisa em Saúde (Papes 6), da Fiocruz, em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Paulo Bruno relatou que, por regras de execução dos projetos, o recurso do Papes é limitado a determinados tipos de gastos. Por isso, para prosseguir com o trabalho, os dois pesquisadores contam, hoje, com o apoio da direção da Ensp.
Projeto já apresenta resultados
A pesquisa está toda dentro dos prazos pré-estabelecidos e os resultados provenientes desta investigação estão previstos. Em 2013, o projeto PDTSP-Teias publicará um livro com alguns artigos dos projetos contemplados no edital. Entre eles, poderá estar incluído um texto sobre o diagnóstico socioambiental de Manguinhos. A equipe do projeto já desenvolveu outro produto, que, entretanto, precisa de recursos para sua execução: o Atlas histórico, geográfico e socioambiental de Manguinhos. Novos financiamentos são buscados para este ano.
Durante o projeto, Paulo Bruno também coordenou um levantamento bibliográfico e histórico da região. Os dados fazem parte do escopo do atlas. O pesquisador sugere que o trabalho seja utilizado nas escolas, em especial nas unidades localizadas no território de Manguinhos. “Não desejamos que os dados se tornem apenas partes de um artigo científico publicado em revistas de circulação restrita. A pesquisa deve gerar mais do que resultados: queremos produtos! E, principalmente, esperamos que o estudo não atenda apenas à academia, pois os moradores da região são os principais interessados”, admitiu Rosália.
Casos e histórias vão além das evidências científicas
O levantamento realizado em 2010 verificou a presença, na região, de outras indústrias contaminantes que estão desativadas. “Os compostos químicos e contaminantes encontrados e analisados dentro do território de Manguinhos são os mesmos oriundos de uma refinaria de petróleo. Mas vale lembrar que a contaminação é difusa, ou seja, as fontes de tais contaminantes não são apenas a refinaria. O próprio tráfego de veículos da região libera esses compostos. Por isso, não podemos ter certeza de sua procedência. Eles são mais um passivo ambiental daquela região. Assim, a refinaria é uma fonte importante de contaminação da região”, esclarece Rosália.
Além da detecção dos agentes, no decorrer da pesquisa foram ouvidos muitos relatos não oficiais de moradores da área que falam sobre o acontecimento de “chuva prateada” e “chuva de fogo”, um lançamento de maior carga de efluentes gasosos nos fins de semana e durante a madrugada. Os vizinhos da área também relataram que o odor forte vindo da refinaria piora durante a noite e nos fins de semana. “Isso são fortes indícios de que, há décadas, a situação é perigosa. Há muitos anos, o terreno é uma bomba-relógio. Isso foi causado pela obsolescência da refinaria. Em função da quantidade de compostos manuseados, jamais uma companhia desse porte poderia se localizar dentro de uma área urbana e densamente povoada, como o território de Manguinhos”, diz Rosália.
Metodologia de pesquisa
Além de Rosália e Paulo Bruno, que são os coordenadores do projeto, o estudo contou com uma equipe transdisciplinar formada por técnicos de laboratório (Ana Paula Barbosa do Carmo, Danielle de Almeida Carvalho, Letícia Alves da Silva e Felipe Miceli de Farias), profissionais em sistema de informação geográfica (Otávio Cabrera de Léo) e recenseadores moradores de Manguinhos (Eduardo Santos, Geralda da Paz, Graciara da Silva e Cristine Ariel), que coletaram e processaram amostras de solo e fizeram registro fotográfico e em vídeo dos locais determinados no plano de amostragem. Segundo os coordenadores, a participação de pessoas já ambientadas no território facilitou a coleta dos dados e o livre acesso aos locais, pois, no início da pesquisa, as comunidades do Complexo de Manguinhos ainda estavam sob o domínio do tráfico de drogas e a questão da violência era um fator determinante para o pleno desenvolvimento do estudo.
A pesquisa já cumpriu algumas de suas etapas. Em agosto de 2011, teve início a revisão bibliográfica e a pesquisa de documentos. O segundo passo foi a coleta de amostras, e a fase atual analisa as amostras coletadas. No estudo, foram coletadas amostras de solo superficial. Isso se explica pelo fato de os contaminantes se depositarem na superfície do solo, por meio da qual justamente ocorre o contato com as pessoas. De acordo com Paulo Bruno, foram estabelecidos 81 pontos de coleta no Complexo de Manguinhos. Cada um deles teve quatro coletas no período de um ano, ou seja, uma visita a cada estação. Esse trabalho gerou 324 amostras que estão sendo analisadas em laboratório. “Em cada ponto de coleta, além das amostras de solo, também foram feitos registros fotográficos e em vídeo. O objetivo dessa ação foi caracterizar os ‘pontos de atenção’, ou seja, locais em que eram recorrentes enchentes, acúmulo de lixo, aparecimento de roedores etc”, detalhou o pesquisador.
Segundo Rosália, o Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp) já realizou uma pesquisa sobre a contaminação de crianças moradoras de Manguinhos, que detectou contaminação por chumbo em 5% da população estudada. “Nossa pesquisa levantou outro dado importante: em nenhum país do mundo houve uma área ocupada por uma refinaria de petróleo e, após sua ‘descontaminação’, usada para assentamento humano. Não encontramos nenhum histórico ou relato sobre isso. Se existe, ainda não foi encontrado. Reuniremos todos esses dados e os analisaremos com as informações coletadas em nossa pesquisa.”
Para a pesquisadora, o trabalho realizado é um grande alerta para a população. “O espaço ocupado pela Refinaria de Manguinhos não pode ser transformado em um projeto habitacional para a população de baixa renda. Segundo o governador Sérgio Cabral, aquele território será convertido em um bairro-modelo composto, além das habitações, por creches, escolas e outros equipamentos do estado. É impossível que essa área industrial seja descontaminada ou tratada e se torne propícia para assentamento humano”, encerrou Rosália.
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Matéria de Isabela Schincariol, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 28/02/2013
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