Tripulantes escravizados sofriam assédio e eram submetidos a excesso de jornada. Operação ocorreu no Porto de Salvador
Uma força-tarefa resgatou 11 trabalhadores em condições análogas a de escravo no navio MSC Magnifica, da empresa italiana MSC Crociere, uma das maiores do mundo no ramo de cruzeiros marítimos. A fiscalização ocorreu na terça-feira (01), quando a embarcação estava aportada no Porto de Salvador. Mas a investigação começou no Porto de Santos, no litoral paulista.
Os tripulantes sofriam constantemente assédio sexual e moral, com cobranças excessivas, humilhações e punições e cumpriam jornadas de até 16 horas, sem direito a folgas. Os contratos eram firmados com base em um acordo internacional, o que é irregular no entendimento dos procuradores do Ministério Público do Trabalho da Bahia (MPT-BA), envolvidos na operação.
Para eles, os brasileiros contratados e prestando serviço no país estão submetidos à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O MPT atuou no caso conjuntamente com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, além do apoio da Polícia Federal.
Com o resgate, foram iniciadas as negociações com a multinacional e suas subsidiárias, mas não houve avanços. A MSC se negou a reconhecer a condição degradante e a arcar com despesas de hospedagem e passagem de retorno dos trabalhadores às cidades de origem. Também discordou dos cálculos das verbas rescisórias feitas pelos auditores fiscais do trabalho.
Condições degradantes – “Cheguei a trabalhar até às 3h30 e recomeçava o turno às 7h. Isso sem um dia de folga sequer durante meses e ainda sofrendo fortes pressões”, relatou Anderson Matsuura, que faz parte do grupo de trabalhadores resgatados.
Outra vítima, Eduardo Sobral, conta que para ingressar no navio teve de pagar um curso. “A empresa de recrutamento cobrou quase R$5 mil de cada um de nós para que fôssemos chamado. Tivemos que tomar empréstimos e depois lá dentro, mesmo sofrendo com o excesso de trabalho e as humilhações, tínhamos que suportar calados para pagar o que ficamos devendo ao banco e à família”. Sobral deixou a embarcação junto com a esposa Vânia. O casal trabalhava no setor de bufê.
Segundo o procurador do trabalho Rafael Garcia, a empresa impõe aos tripulantes uma anarquia jurídica, infringindo o tratado internacional, a Constituição Brasileira e a CLT. “Os tripulantes trabalhavam até 16 horas em horários fracionados e sofriam todo tipo de pressão e maus-tratos a bordo. Isso quando ainda estavam em águas territoriais brasileiras. Imagina agora que o navio partiu para a Europa”, questiona.
Os resgatados permanecem em um hotel em Salvador, depois de terem recebido da empresa apenas os dias trabalhados. Agora, o grupo aguarda as medidas judiciais que estão sendo tomadas pelo MPT para tentar obter da MSC Cruzeiros do Brasil, subsidiária da multinacional no país, o pagamento das verbas rescisórias e de indenização por danos morais.
A Defensoria Pública da União (DPU) também ofereceu todo o suporte jurídico para as ações individuais que os resgatados queiram propor. “Embora nosso foco não seja a atuação na justiça trabalhista, nesse caso específico, daremos toda a assistência a todos os resgatados para que não haja custos com honorários nas ações individuais que porventura seja necessário ajuizar”, informou o chefe da DPU no estado, Átila Dias.
Para o secretário-executivo da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), José Guerra, que esteve presente durante toda a operação, esta força-tarefa representa um momento histórico. “Para mudar a realidade de milhares de pessoas que atuam no setor, precisávamos começar por alguém e esses 11 foram os primeiros”.
Foto: Assessoria de Comunicação/ MPT na Bahia – Rogério Paiva
Infromações: MPT na Bahia
EcoDebate, 07/04/2014
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