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27 de fevereiro de 2009

CBH DO RIO SÃO FRANCISCO ESTUDA COBRANÇA DA ÁGUA DE IRRIGAÇÃO


Canal principal de bombeamento do projeto Jaíba, em Matias Cardoso-MG. Com sete quilômetros de extensão, serve para irrigar cerca de 28 mil hectares da região norte de Minas Gerais, uma das mais pobres do estado. Foto: Marcello Larcher


Uso da água do rio São Francisco terá cobrança de taxa

Daniel Rittner, de Brasília - 25/02/2009

À procura de recursos para estruturar ações de despoluição e com o objetivo de fomentar o uso mais racional de seus recursos naturais, o comitê da bacia hidrográfica do São Francisco está em fase final de discussões para implementar a cobrança pelo uso da água do lendário rio que cruza o sertão nordestino. Os valores da cobrança já foram definidos, em conjunto com a Agência Nacional de Águas (ANA), e são muito próximos das outras duas bacias que criaram taxas para a captação da água: Paraíba do Sul e Piracicaba, Capivari, Jundiaí (PCJ) - ambas no Sudeste.

Benedito Braga, do ANA: "Precisamos coletar recursos por meio da cobrança, sem inviabilizar o sistema produtivo"

A agência acredita que a cobrança começará ainda neste ano, mas pequenas divergências entre governos estaduais e demandas da agricultura irrigada podem adiar a implementação para 2010. No ano passado, a arrecadação com a taxa nas duas bacias do Sudeste atingiu R$ 24,6 milhões. Prevista na lei 9.433, de 1997 (a chamada Lei das Águas), a ideia de cobrar pelo uso dos recursos hídricos baseia-se na deterioração da qualidade e até da quantidade de água nos rios, dando a ela um valor econômico.

Parte dos recursos levantados com a cobrança tem financiado a construção de estações de tratamento de esgoto, além de programas de controle de enchentes e ações de planejamento integrado de zonas urbanas. Benedito Braga, diretor da ANA, frisa que esse dinheiro é suplementar e o objetivo da cobrança não é resolver todos os problemas de saneamento de uma bacia, mas "incentivar o usuário a fazer bom uso dos recursos hídricos por meio de um instrumento econômico".

Mesmo assim, Braga entende que os valores cobrados até agora são baixos e há espaço para aumentá-los. "A avaliação da agência é de que precisamos coletar mais recursos por meio da cobrança, sem naturalmente inviabilizar o sistema produtivo", diz.

No São Francisco, as três modalidades de cobrança já tiveram seus valores definidos. Na captação de água bruta (sem tratamento), a taxa será de R$ 0,01 por cada metro cúbico (mil litros) de água. No consumo (parcela da água captada que não retorna ao rio), a taxa sobe para R$ 0,02 por m3. E chegará a R$ 0,07 no caso do lançamento de efluentes (dejetos ou água contaminada), por quilo de carga orgânica.

Muitas indústrias e companhias de saneamento despejam parte ou todos os efluentes diretamente no rio por falta de tratamento adequado do esgoto - isso ocorre até mesmo na região metropolitana de São Paulo, com municípios que jogam água não-tratada no rio Tietê. Assim, quanto maior for a carga orgânica da água devolvida ao rio, maior a cobrança.

Esses preços deverão valer para indústrias e companhias de saneamento. Por causa do alto consumo de recursos hídricos, o setor agropecuário na bacia do São Francisco será beneficiado com um redutor da taxa. Pagará 2,5% dos valores fixados para cada m3 de água - ou 40 vezes menos que os demais usuários. Segundo a ANA, o percentual foi definido em consenso com outros setores e segue o modelo adotado inicialmente no rio Paraíba do Sul.

Mas agricultores locais, especialmente aqueles que usam o sistema de irrigação em suas lavouras, ainda demonstram insatisfação com as fórmulas de cobrança. O diretor da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), João Lopes Araújo, afirma que o setor só aceita a cobrança mediante a aplicação de um "índice de aridez" para, na prática, reduzir os desembolsos.

A associação pleiteia isenção total para ribeirinhos e pequenos agricultores que captem até 280 mil litros de água por dia, além de atenuar a cobrança para quem precisa de muita irrigação para produzir. O argumento é de que, sem essa flexibilização, pode haver aumento excessivo de custos. A aplicação do índice de aridez reduziria em cerca de 20% o pagamento dos irrigantes, segundo a Aiba. "A ANA reluta muito, mas já viu que não tem como fugir isso", observa Lopes Araújo.

O índice proposto pela entidade baseia-se no fato de que em Estados como Bahia e Pernambuco, onde a irrigação é mais intensa devido ao rigor do período seco, os agricultores devem pagar menos pela água utilizada do que em outros Estados da bacia do São Francisco, como Alagoas e Minas Gerais, onde chove bem mais. O próprio Lopes Araújo diz que precisa irrigar 20 horas por dia, no período crítico de seca, sua plantação de café, que tem cem hectares. Para tanto, chega a usar 4 milhões de litros por dia - o que tornaria o pagamento muito pesado se não houver uma redução, argumenta o agricultor.

Para a ANA, é possível levar o assunto à pauta do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, instância que define a cobrança em caráter final, até julho. Mas ainda é preciso contornar um problema entre os seis Estados (mais o Distrito Federal) que formam o comitê do São Francisco.

A praxe, na cobrança pelo uso da água, é que ela seja feita por uma agência executiva - específica para o rio e subordinada ao comitê da bacia - criada justamente com essa finalidade. Mas os mineiros já têm sua própria agência estadual, que cuida do rio das Velhas, e querem aproveitá-la no caso do São Francisco - ideia com pouca receptividade de outros Estados.

A experiência da cobrança é considera bem-sucedida pela ANA. Na bacia do PCJ, a inadimplência é de apenas 4%. De cada R$ 100 arrecadados, R$ 80 têm sido aplicados em estações de tratamento de esgoto. A esperança é que no São Francisco se reproduzam exemplos como o da Basf, em Guaratinguetá (SP), que nos últimos anos reduziu em 78% o consumo de água do rio Paraíba do Sul por tonelada produzida.

Apesar dos bons prognósticos, Braga lembra que a receita com a cobrança ainda é baixa e não se devem esperar grandes resultados no curto prazo. "O primeiro salmão no Tâmisa só reapareceu depois de 50 anos de investimentos maciços que o governo britânico fez em seus rios", afirma o diretor da ANA.

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