"Hidrelétricas funcionam como fábricas de metano", diz Fearnside
"É preciso ver também que essas usinas quase não trazem benefícios para o Brasil. Mesmo o emprego é mínimo nessas usinas. As vagas de trabalho são criadas para o Japão, para o negócio de alumínio".
Por Bruno Calixto, do Amazônia.org.br - 20/02/2009
Philip Fearnside é um dos nomes mais citados na comunidade científica quando o assunto é Amazônia e mudanças climáticas. O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) está no Brasil há mais de 30 anos estudando a floresta amazônica e os impactos de grandes empreendimentos, como estradas e usinas hidrelétricas, ao bioma.
Em uma conversa de uma hora com o site Amazonia.org.br, Fearnside mostrou preocupação com a medida do governo do Pará de reduzir a Reserva Legal no entorno da BR-163, criticou a abertura de estradas na Amazônia e defendeu a tese de que usinas hidrelétricas não são fontes de energia limpa, já que os reservatórios liberam grande quantidade de metano.
Para Fearnside, a floresta amazônica presta serviços ambientais que valem mais do que o desmatamento. O pesquisador propõe que se elabore um sistema para remunerar esses serviços. "Temos que ter mecanismos para transformar esse valor ambiental em fluxo financeiro, que vai sustentar a população de forma sustentável sem destruir a floresta".
Veja as perguntas sobre hidrelétrica:
Amazônia.org.br: Você também tem estudado a questão das hidrelétricas. Como você vê o Plano Decenal de Energia, que prevê a expansão de hidrelétricas, além de usinas termelétricas?
Fearnside: É importante que os impactos das usinas sejam analisados antes de se tomar a decisão de fazer as hidrelétricas, e não seja anunciada a expansão primeiro para depois serem feitos os estudos que justificarão o que já foi decidido.
Os impactos das hidrelétricas são maiores do que os já conhecidos, inclusive em termos de emissão de gases de efeito estufa. E no caso dos benefícios, elas têm efeito menor do que se tem falado, porque grande parte da energia é voltada para alimentar as indústrias eletro-intensivas, principalmente de alumínio.
Todo mundo pensa que a energia vai para as casas, para lâmpadas, quando realmente o motriz disso é o alumínio para a exportação. Não o alumínio que você vai usar, mas o que vai para o Japão, para a Europa. Um alumínio barato, porque o custo ambiental está sendo absorvido pelo Brasil. Basicamente se está exportando energia em forma de lingotes de alumínio.
Essas grandes usinas, de grandes impactos, não estão beneficiando os pobres. A primeira coisa que se tem que discutir é o que se vai fazer com energia, de quanto realmente se precisa. Depois se discute uma expansão.
É preciso ver também que essas usinas quase não trazem benefícios para o Brasil. Mesmo o emprego é mínimo nessas usinas. As vagas de trabalho são criadas para o Japão, para o negócio de alumínio.
Amazônia.org.br: Você falou em impactos de emissão de gases de efeito estufa. As hidrelétricas na Amazônia emitem mais?
Fearnside: Emitem, e não só na Amazônia. Na Amazônia, elas emitem de várias formas. Primeiramente, você tem a floresta que estava lá, muitas árvores ficam esticadas para fora da água e a madeira vai apodrecendo. Isso emite gás carbônico que causa efeito estufa. Mas, o que dura é a emissão de metano. É a forma que é tomada quando apodrece a matéria no fundo do reservatório, onde não há oxigênio.
Amazônia.org.br: Isso quando a floresta não é retirada para se fazer o reservatório?
Fearnside: Mesmo retirando a floresta. O metano tem um impacto muito maior sobre o efeito estufa por cada tonelada. É vinte e cinco vezes maior por cada tonelada de gás se comparado com o gás carbônico. Qualquer transformação do carbono em metano gera mais impacto, e a culpa dessa emissão é da hidrelétrica. O reservatório funciona como uma fábrica de metano.
A água dentro do lago acaba formando camadas, uma mais fria no fundo e outra mais morna em cima. É formada uma divisória que não permite a mistura dessas duas camadas. A água do fundo fica sem oxigênio, e tudo o que apodrece lá vira metano, não gás carbônico. Grande parte desse metano sai pelas turbinas das usinas. Essa água está sob pressão, o que faz mais gás ser absorvido pela água.
Quando a água passa pela turbina e sai pelo ar livre com menos pressão, o gás vai saindo e é muito metano. Meus cálculos mostram que as usinas da Amazônia, Balbinas, Tucuruí, Curuauna e Samuel emitem mais gases de efeito estufa do que seria emitido para a geração de energia com combustíveis fósseis. Isso tem que ser considerado nos cálculos de efeito estufa e na decisão de se construir ou não usinas.
Amazônia.org.br: E quais seriam as alternativas viáveis de geração de energia limpa?
Fearnside: São várias. A primeira coisa que se pode fazer é simplesmente utilizar menos energia. Essa é de longe a alternativa mais eficaz. Há muitas coisas gritantes que não estão sendo feitas.
Para dar um exemplo, no Brasil, utiliza-se muito o chuveiro elétrico para tomar banho. Essa energia vem de termelétricas a gás. Queima-se gás para esquentar água em turbina e gerar energia, a energia é transmitida até a sua casa e você usa para esquentar a água do chuveiro. Em cada uma dessas transformações, você está perdendo parte de energia. Se for usar gás diretamente para esquentar a água, você pula essas etapas. Poderia ser usada a energia solar também, sem se utilizar nenhum tipo de gás como fonte. São várias opções, coisas que valem por essas grandes hidrelétricas que estão sendo discutidas na Amazônia hoje.
São várias opções, mas uma das principais é a decisão sobre o que o Brasil deve exportar. Se o Brasil exportará alumínio para o mundo, não tem limite de quantas hidrelétricas precisa, porque o mundo quer comprar montanhas de alumínio. É uma decisão que o país deve fazer sobre se irá vender aquilo ou não. É importante entender isso. As pessoas pensam que economia é uma coisa acima dos países, como se tivesse direito de comprar o que quiser, mas não é assim. Se algo tem grande impacto ambiental, o país pode decidir que não quer vender aquilo.
É o caso do mogno, por exemplo. O mogno tem grande valor no mercado mundial, mas o Brasil decidiu que não vai vender mogno e tem moratória, hoje sua comercialização é proibida. Se você quer comprar mogno, pode comprar da Bolívia ou de outro lugar. Mas, ao menos legalmente, não pode comprar do Brasil. Foi uma decisão do país. Podemos ter o mesmo tipo de decisão com outras coisas, como com relação à energia e ao alumínio.
Amazônia.org.br: Você acha que é possível conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação da Amazônia?
Fearnside: Sim, inclusive faz parte da estratégia que eu venho propondo há mais de vinte anos, de usar os serviços ambientais da floresta amazônica como base da economia. Hoje a economia da Amazônia é construída em cima de destruição. Tudo envolve a destruição da floresta.
A floresta faz serviços que valem mais do que desmatar a área: evita o efeito estufa, mantém a biodiversidade e garante a reciclagem da água que, inclusive, trará água da chuva para São Paulo. Essas coisas valem mais do que o boi em um hectare na Amazônia. Temos que ter mecanismos para transformar esse valor ambiental em fluxo financeiro para sustentar a população de forma sustentável sem destruir a floresta.
Veja a entrevista completa - Clique Aqui
Crédito da imagem: Thais Iervolino - (Envolverde/Amazônia.org.br)
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Efeito Estufa - O metano é um gás com potencial de efeito estufa cerca de 20 vezes mais potente que o gás carbônico (dióxido de carbono). SAIBA MAIS
As hidrelétricas e o efeito estufa - Revista Brasil Energia (clique e veja)
Jerson Kelman é ex-presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH), professor da Coppe/UFRJ e diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
Carlos Tucci é ex-presidente da ABRH, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, e coordenador do programa internacional de avaliação de gases de efeito estufa da IHA e Unesco
Benedito Braga é ex-presidente da ABRH, professor da USP, presidente da Comissão Brasileira do Programa Hidrológico Internacional da Unesco e diretor da Agência Nacional de Águas (ANA)
Luiz Pinguelli Rosa é diretor da Coppe/UFRJ e Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e ex-presidente da Eletrobrás
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