Buenos Aires, Argentina, 13/2/2012 – Um volume menor de água e uma crescente pressão de capturas no Rio Paraná, que cruza a Argentina de norte a sul, provocam uma inédita redução nesta pesca, considerada a segunda mais diversa da América do Sul, depois da amazonense. As dificuldades que afetam o Paraná foram apontadas à IPS por especialistas que estudam os recursos deste rio que nasce no sul do Brasil, na confluência dos rios Grande e Parnaíba, depois serve de fronteira com o Paraguai para, finalmente, entrar na Argentina e desembocar em forma de delta no Rio da Prata, em confluência com o Rio Uruguai e após percorrer quase quatro mil quilômetros.
Até meados da década de 1990, a Argentina não tinha cotas de exportação para pescado de água doce. Desde então, e mais ainda após a desvalorização do peso frente ao dólar, no começo de 2002, as autoridades viram a necessidade de colocar limites. Assim, proliferaram os frigoríficos que compram sável em grandes volumes para exportar. Em 2003, somaram 45 mil toneladas e foi preciso fixar uma cota, que na última temporada foi de 16 mil toneladas.
Essa cota foi estabelecida pelo governo federal para dividi-la entre as províncias de Santa Fé, Entre Rios e Buenos Aires, por onde passa o Paraná. Santa Fé foi autorizada a exportar sete mil das 16 mil toneladas, mas o governo provincial, consciente do risco de depredação, sobre o qual alertam organizações não governamentais, estabeleceu um máximo de 4,5 mil toneladas. Mesmo assim, especialistas consideram que a pressão é enorme. “Se exporta mais sável do que o sistema suporta.
Este foi o primeiro ano em que a espécie praticamente não se reproduziu. É algo que nunca aconteceu”, afirmou à IPS o biólogo Norberto Oldani, da província de Santa Fé.
O sável é a primeira espécie comercial em importância no Paraná e a que mais se exporta. Também é valioso recurso ecológico, porque suas ovas e larvas servem de alimento para peixes predadores, como surubi e dourado. “Para haver reprodução, tem que haver reprodutores. Há algum tempo se pescava exemplares de sete ou oito anos de idade e agora a pesca se baseia em animais de dois anos, quando começam a pôr ovos”, explicou Oldani.
Este biólogo é pesquisador da estatal Universidade do Litoral e do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas. Desde 1976, realiza acompanhamento periódico da pesca nas costas da cidade de Paraná, em Entre Rios. “Vemos ano a ano como os recursos se degradam, desaparecem espécies, diminui o tamanho e cada vez os exemplares pesam menos, ou seja, há perda de biomassa”, ressaltou.
Oldani também alertou que este fenômeno não ocorre apenas com o sável. “Com o surubi, o que acontece é catastrófico. É uma espécie emblemática do Paraná do ponto de vista da pesca esportiva e comercial. Pode pesar até 20 quilos e todos querem pescar um, mas se vê que não suporta a pressão”, destacou. E esclareceu que o surubi precisa que 80% de sua biomassa seja de reprodutores e atualmente esta porcentagem chega a apenas 8%. “São necessários critérios de manejo, porque o negócio é peixes no rio”, afirmou o biólogo.
Em relação ao Rio Amazonas, onde habitam cerca de duas mil espécies, no Paraná se multiplicam cerca de 400, disse Oldani. E este fluxo de água doce é mais produtivo por unidade do que seu irmão maior. “A pesca é fonte de alimentação de milhares de pescadores, e o sistema tem boa capacidade de recuperação, mas os atuais critérios não estão funcionando”, alertou.
Por sua vez, o biólogo Claudio Baigún declarou que é “bastante pessimista, porque existe uma confluência de fatores, que para alguns podem ser manejados e para outros não”. O “regime hidrológico é desfavorável desde 1998, e isto não se pode manejar”, acrescentou em conversa com a IPS. Assim se referiu a um prolongado período de chuvas escassas, que obrigam as represas da parte alta a reter água e evitar cheias.
O Paraná começa a subir em novembro e chega ao seu máximo em março. Porém, este ano ainda não encheu e pode não fazê-lo. “Quando há menos volume de água, as represas seguram a água e liberam o indispensável, e na parte baixa isso é sentido”, explicou Baigún, que é pesquisador do Laboratório de Ecologia e Produção Pesqueira do Instituto Tecnológico Chascomús, na província de Buenos Aires.
O biólogo explicou que, do ponto de vista ecológico, o melhor é que um rio transborde periodicamente. “Os moradores dessas regiões sabem, salvo casos extraordinários, que a inundação não é uma tragédia, pois convivem com este ciclo natural, e, se não ocorre, isto tem impacto na pesca”, insistiu.
Como há tempos o Paraná não cresce, o gado bovino, empurrado pela expansão da monocultura da soja, se situa em vales do delta do Paraná, próximo à desembocadura no Rio da Prata, e os animais comem talos e folhas, destroem a costa e contaminam a água, advertiu Baigún. “A quantidade de bovinos nessa região passou de 30 mil para 70 mil”, informou, acrescentando que para protegê-los os produtores levantam barreiras ilegais. Assim, perde-se a ligação entre o rio e os vales aluviais, onde o sável e outras espécies se procriam.
“Essas lagoas de criação, isoladas, se perdem como habitat de espécies”, disse o especialista, que também coordena o Programa de Peixes da Wetlands International, organização ambientalista cuja sede latino-americana fica em Buenos Aires. Baigún alertou que a este problema somam-se outros, como o mau manejo da própria pesca. “Não concordo que se exporte peixe de água doce. Isto não beneficia os pescadores nem o meio ambiente”, assegurou.
Os frigoríficos pagam preços abusivos ao pescador artesanal, que se vê obrigado a aumentar a pressão sobre o recurso, ponderou Baigún. “Talvez fosse melhor pescar menos e pagarem mais”, sugeriu. Sobre a cota de exportação de 16 mil toneladas, Baigún comemorou que o governo de Santa Fé tenha decidido ser mais cuidadoso, mas questionou a fixação do limite. “Como se justifica essa quantidade? Não se sabe, não há informação”, disse.
O biólogo explicou que algumas normas existentes são boas, outras podem melhorar e outras estão defasadas. “O Paraná já não é o dos anos 1980 ou 1990, quando havia cheias regulares e harmonia entre pesca comercial e esportiva”, contou. Agora, e já há mais de uma década, faltam água e peixes, os exemplares perdem tamanho e há menos reprodução, além de se intensificarem os conflitos entre pescadores, que se culpam por capturas cada vez mais pobres, finalizou. Envolverde/IPS