Terrenos Calcários: Áreas de risco geológico para a Engenharia e para o Meio Ambiente
Por ambientebrasil
Álvaro Rodrigues dos Santos (*)
TERRENOS CALCÁRIOS: ÁREAS DE RISCO GEOLÓGICO PARA A ENGENHARIA E PARA O MEIO AMBIENTE
Em 1981, na cidade de Mairinque - SP, várias edificações apresentaram trincas e afundamentos de piso.
Em 12 de agosto de 1986, o bairro Lavrinhas, em Cajamar, município integrante da Região Metropolitana de São Paulo, foi afetado por fenômenos de colapso e subsidência de grandes proporções, especialmente impactantes por ocorrerem em plena área urbana. Cerca de 60 dias após os primeiros sinais, na principal área atingida três casas haviam sido tragadas em uma cratera de cerca de 30 metros de diâmetro e 15 metros de profundidade, enquanto recalques e trincas afetaram dezenas de outros imóveis até distâncias de 400 metros do local.
Em março de 1988, no município de Sete Lagoas, Região Metropolitana de Belo Horizonte, um afundamento de cerca de 20 metros de diâmetro e 5 de profundidade tragou parte da arquibancadas do Estádio Municipal, muros e paredes de edificações próximas, sendo que sinais de movimentação foram observados em edificações situadas em um raio de 40 metros.
Em meados de 1992, no município de Almirante Tamandaré, Região Metropolitana de Curitiba, foram observados vários pequenos afundamentos de terreno, trincas de edificações, inclinações de edificações, descolamento entre alvenaria e peças estruturais, rebaixamento do nível d’água em poços, cacimbas e pequenos lagos.
A partir de 1992 a empresa Votorantin iniciou a mineração subterrânea de zinco no município de Vazantes MG o que tem implicado em um intensíssimo bombeamento da água subterrânea. Esse procedimento provocou a potencialização do dolinamento abrupto na região, assim como o rebaixamento regional do lençol freático, com evidentes prejuízos para a atividade agrícola.
Em 28 de dezembro de 1999, à Rua Simplício Mendes, região central da cidade de Teresina - PI, verificou-se grande afundamento com comprometimento total de várias edificações.
Em 1999, no município de Cajamar - SP, parte das edificações da moderna fábrica da Natura (Cosméticos) sofreu danos estruturais advindos de afundamentos em suas fundações.
Em meados de junho de 2007, no município de Almirante Tamandaré, Região Metropolitana de Curitiba, ocorreu um dos maiores afundamentos de que se tem notícia na região, com forma elipsoidal, 50 metros de comprimento, 40 metros de largura e cerca de 30 metros de profundidade.
Em 14 de agosto de 2007, também no Paraná, no Bairro de Campininha do Capivari, Município de Bocaiuva do Sul, um outro colapso com uma cratera de 5 metros de diâmetro e 5 metros de profundidade.
Muitos outros eventos similares de afundamentos de terrenos já aconteceram por todo o país, mas que, por motivos vários, não obtiveram repercussão de mídia e a devida atenção de especialistas para sua análise e registro técnicos.
Dois fatos em comum em todos esses eventos: foram no passado precedidos de eventos semelhantes em suas regiões e todos eles aconteceram em terrenos calcários.
Esse último traço comum expressa ainda uma especificidade: terrenos calcários com feições cársticas, ou seja, com feições originadas de processos lentos de dissolução química da rocha calcária. São comuns feições superficiais (cavernas, lapas, drenagens intermitentes, sumidouros e ressurgências, dolinas - depressões de relevo circunscritas, vales secos...) e subterrâneas (cavernas, fendas, vazios e canais subterrâneos intercomunicantes)
As regiões de Cajamar e Mairinque afetadas pelos abatimentos estão situadas em rochas calcárias do Grupo São Roque, as de Sete Lagoas e Vazantes em calcários do Grupo Bambuí, as de Almirante Tamandaré em calcários do Grupo Açungui e as de Teresina, provavelmente em bancos calcários da Bacia Sedimentar do Parnaíba.
As rochas calcárias são rochas carbonáticas, em que predominam os carbonatos de cálcio (CaCO3) e magnésio (MgCO3), que as compõem em diferentes proporções, formando então os calcários calcíferos (mais ricos em carbonato de cálcio) e os calcários dolomíticos (mais ricos em carbonato de magnésio). As águas de chuva (H2O) interagem com o gás carbônico (CO2) do ar produzindo um ácido fraco, o ácido carbônico (H2CO3). Essas águas assim levemente acidificadas, ao encontrar um maciço calcário fraturado, penetram por essas descontinuidades e vão lentamente, através do tempo geológico, dissolvendo a rocha e produzindo vazios que podem evoluir para grandes fendas, cavernas e canais por onde fluem as águas interiores. A maior parte das famosas e belas cavernas brasileiras, com suas estalactites e estalagmites, são feições originadas desse fenômeno de dissolução de rochas calcárias.
O principal fenômeno cárstico de interesse da engenharia é o afundamento, brusco ou lento, de terrenos. Esses afundamentos, que podem destruir por completo edificações de superfície, colocando em risco patrimônios e vidas humanas, são decorrentes do colapso de um teto de caverna (que pode estar a dezenas de metros de profundidade), da contínua migração de solo para o interior de fendas ou cavernas subterrâneas ou de colapsos em vazios residuais no própriio solo de cobertura da rocha calcária, o que, com o tempo, vai também determinar um afundamento em superfície. Em boa parte do território brasileiro, por decorrência de seu clima tropical úmido, as rochas calcárias cársticas estão cobertas por uma camada de solos de espessura variada, os chamados carstes cobertos, o que torna muito comum o abatimento decorrente de vazios residuais na camada de solos ou vazios resultantes da migração de solo para o interior de fendas e cavernas.
Quase sempre a aceleração de um processo de afundamento de terreno em regiões cársticas está associada a rebaixamentos do lençol de água subterrâneo, ou como conseqüência de um longo período de estiagem pluviométrica ou de algum tipo de interferência humana, especialmente uma excessiva exploração de água subterrânea através de poços profundos.
Um outro grande risco advindo da ocupação de terrenos cársticos está relacionado à construção de grandes reservatórios de água (barragens para produção de energia ou abastecimento). As águas do reservatório podem migrar em grande vazão para os vazios da rocha calcária, não só impedindo o completo enchimento do lago, como provocando variações de nível, fluxo e pressões no lençol subterrâneo, o que, de sua parte, coloca em risco a própria obra da barragem, como também outras edificações próximas.
Do ponto de vista ambiental, os terrenos cársticos, pela franca e rápida comunicação entre águas superficiais e águas subterrâneas, obrigam um redobrado cuidado para que se evite a contaminação do lençol freático por poluentes urbanos, industriais ou rurais de superfície.
Depreende-se que os terrenos calcários, pela possibilidade de apresentar feições cársticas, devem ser entendidos como típicas áreas de risco para o meio ambiente e para a ocupação humana por obras de engenharia: cidades, barragens, termoelétricas, instalações industriais, estradas, linhas de transmissão, etc., sugerindo, portanto, cuidadosa investigação anterior a qualquer decisão de engenharia. De tal forma que, detectadas feições cársticas, ou o empreendimento humano em questão possa ser deslocado para situações geologicamente mais seguras ou, impedido ou desaconselhado esse deslocamento, possa-se adotar as medidas necessárias para que acidentes e futuros problemas venham a ser evitados.
Uma das medidas que comumente é cogitada para o tratamento de terrenos cársticos é a injeção de calda de cimento, com o que se procuraria obturar os vazios subterrâneos. A experiência tem mostrado que esse tipo de tratamento deve exigir, para sua adoção e cálculo um perfeito conhecimento do modelo geológico com que se está lidando. Um outro aspecto que recomenda muita ponderação para se decidir pela alternativa de injeção de calda de cimento é a possibilidade de se interferir negativamente no escoamento da água subterrânea da região, implicando em reflexos que podem ser muito problemáticos para áreas próximas. O melhor objetivo que se pode esperar das injeções de calda de cimento está na obturação de vazios da interface solo/rocha ou na interrupção do processo de migração de solo para o interior de cavidades através do selamento dos condutos abertos e conseqüente interrupção de fluxos descendentes ou ascendentes de água.
No Brasil são abundantes os terrenos calcários, e nesses terrenos não são raras as feições cársticas. A identificação dessas feições, pelo levantamento do histórico regional e por exame superficial dos terrenos, é um procedimento fácil e corriqueiro para a geologia. Como também são conhecidas e eficientes as técnicas geológicas diretas (sondagens mecânicas) e indiretas (sondagens geofísicas elétricas) para o mapeamento das condições subterrâneas dos maciços calcários, identificando a existência ou não de vazios, sua distribuição, seu comportamento hidrogeológico, etc. No entanto, falta ainda que esses procedimentos sejam definitivamente incorporados como uma providência normal e rotineira aos estudos preliminares de obras de engenharia, como também aos planos de gestão urbana de cidades já instaladas sobre esse tipo de terreno. De modo que, nesse último caso, esses planos de gestão incorporem, por sua vez, ações de monitoramento permanente e de cuidados preventivos (por exemplo, a não exploração da água subterrânea, ou ao menos sua exploração em condições controladas e limitadas), assim como planos contingenciais de Defesa Civil e um Código de Obras limitante, por exemplo, da construção de edificações com mais de dois pavimentos na região afetada. No aspecto especificamente ambiental, deverá ser severamente evitada a instalação em terrenos cársticos de empreendimentos geradores de riscos de contaminação da água subterrânea, como indústrias utilizadoras ou produtoras de produtos químicos perigosos, disposição precária de lixo urbano ou industrial, depósitos de substâncias contaminantes, etc.