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6 de dezembro de 2010

ESPECIALISTA EM SEMIÁRIDO FALA DA TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO


                                                                      

 Jornal  A TARDE 04/12/2010

        A transposição do Velho Chico

                                                                                 Manoel Bomfim Ribeiro

                                                                                           Engenheiro civil

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Existem apenas 4.000 km de adutoras principais. Necessitamos de 40.000 km para as águas dos nossos açudes viajarem por todos os cantos e recantos do semiárido. "

           O projeto, em execução, da transposição de águas do Rio São Francisco para o Nordeste brasileiro, quando analisado à luz da engenharia hidráulica, deixa de ser um assunto polêmico para ser apenas uma obra desprovida de qualquer significado. Foi publicado por este jornal, em 27 de novembro próximo passado, um artigo do escritor Antonio Risério intitulado “Sobre o Velho Chico”, ao qual apresentamos as nossas contestações. Entendi, no artigo, que as reações do momento contra a transposição transformar-seatilde;o em apoio futuro quando executada a obra, como fora o comportamento dos ribeirinhos com a transferência das cidades.

    A construção das obras da transposição oferece, entretanto, aspectos diferentes. No ano 1820, D. João VI, recebendo informações históricas sobre a grande seca de 1777/79, que avassalou a região, imaginou soluções para amenizar a falta de água para a sofrida população nordestina. Surgiu-lhe, então, a ideia de abrir um canal do Rio São Francisco para o Rio Jaguaribe, atendendo ao clamor das comunidades sequiosas da região.

            A rede potamográfica do Nordeste, apesar de bem distribuída, era e é intermitente, ficando os leitos dos rios dessecados logo após as chuvas.
Devido à incidência vertical da radiação solar da região próximo ao Equador, a evaporação é descomunal, chega a 3.000 mm/ano, ou seja, uma coluna líquida de 3 metros de água sobe pelos ares anualmente.

           O nordestino, com sua inventiva, tangido pela necessidade de sobrevivência, foi construindo pequenos barramentos, bastante primitivos, mas que retinham a água por um tempo maior. A ideia foi sendo imitada e todos faziam suas pequenas aguadas. As técnicas foram avançando, e o baronato rural começou a executar açudes de médio porte que já suportavam os períodos estivais. Teófilo Guerra, profundo conhecedor da região, dizia: “No sertão, vale mais deixar à família um bom açude do que um rico e belo palácio”.

          Os engenheiros nordestinos se aprimoraram em projetos ousados e, no século XX, se tornaram os melhores hidrólogos do mundo nas técnicas da açudagem. Houve uma grande nucleação na construção dessas obras, e chegamos, aos albores do século XXI, com mais de 70 mil açudes (Laraque 1989) em quatro estados – Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco –, os que gritam por água, armazenando 40 bilhões de metros cúbicos, volume equivalente a 16 vezes a Baía da Guanabara.

         Construímos, assim, a maior rede de açudes do planeta em regiões áridas e semiáridas, mas a ideia da transposição ficou implantada na cabeça de grupos, sobretudo de alguns políticos.
        O subsolo do Nordeste dispõe também de 135 bilhões de m³ de água acumulados, podendo ser extraídos cerca de 27 bilhões por ano sem baixar o nível piezométrico dos seus aquíferos.

        A transposição, obra ciclópica que vai engolir mais de R$ 16 bilhões, se um dia for concluída, transportará inicialmente 26 m³/s de água, ou seja, 400 milhões de m³/ano, volume igual a um açude médio dos milhares que existem na região. No pico, vai transportar 127 m³/s, ou seja, 2 bilhões por ano, volume igual à evaporação de um só açude, o Castanhão, que evapora exatamente 2 bilhões dos 6,7 bilhões que armazena. 

Este açude no Ceará é o maior do mundo, três vezes a Baía da Guanabara. Os dois canais (norte e leste) vão levar os 2 bilhões de água para oito grandes açudes que já acumulam 13 bilhões e que evaporam 4 bilhões por ano. Chegam 2 bilhões onde evaporam 4 bilhões. Entendamos, 40 bilhões não resolveram o problema hídrico da região, mas 2 bilhões (5%) vão resolver, diz o governo.

         O que falta nos açudes é distribuição através de um robusto sistema de adutoras. Existem apenas 4.000 km de adutoras principais. Necessitamos de 40.000 km para as águas dos nossos açudes viajarem por todos os cantos e recantos do semiárido. Esta é uma análise bem resumida, mas verdadeira. A execução desse projeto é um crime de lesa-pátria que o governo comete contra a sociedade apática do nosso País. Existem no Nordeste brasileiro 38 obras hídricas do governo, inconclusas ou abandonadas. Esta será mais uma, o coroamento da indústria das secas, cujos escombros em concreto ficarão expostos e eternizados à flor da terra, atestando a incúria e a irresponsabilidade do governo.                                                                                   manoel.bomfim@terra.com.br

O engenheiro Manoel Bomfim Ribeiro, especialista em hidrologia e geologia, ex-diretor do Dnocs é autor do livro "Potencialidades do Semi-Árido Brasileiro", entre outros.


Veja também:


Os vídeos (03 blocos) da TV Senado foram postados pelo Engº Luciano Mendes Aguiar, também nosso colaborador voluntário do SOSRiosBR e responsável pelo site CULTURA NA ALDEIA

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