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4 de março de 2011

CANTINHO LITERÁRIO: "O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA"




Meus Prezados,
Para relaxar, um dia antes do carnaval.
Pensem numa cascavel com raiva!

Abraço

Suassuna



O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA


Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto.
Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam
mais “O cravo brigou com a rosa”. A explicação da professora do filho
de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a
rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra
"o cravo encontrou a rosa/debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e
a rosa ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da
Penha. Será que esses doidos sabem que “O cravo brigou com a rosa” faz
parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas
recolhidos no folclore brasileiro? É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da
minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/Tá com a
cabeça quebrada/Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A
palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina
Lelê.

A tia do maternal agora ensina assim: “Samba Lelê tá doente/ Com uma
febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar”. Se eu
fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar
nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo.
Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, melodia de
Heitor Villa Lobos e letra da Tia Nilda do Jardim Escola Criança
Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a
música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichanos. A
Sociedade Protetora dos Animais cairia em cima com processos.

Quem entra na roda dança, nos dias atuais. Não pode mais ter sete
namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina
fácil, estimula o sexo sem amor, a vulgaridade.

Ninguém mais canta: “Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão,
vem de lá Seu Delegado, e pai Francisco foi pra prisão”. O pobre do
Pai Francisco foi preso apenas por vadiagem, mas atualmente ficaria
sob a suspeita de ser traficante.

Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não lembrar à
garotada a desigualdade de renda entre os homens. Dia desses alguém
[não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a
referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi
espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de
viado.

Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de
viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía,
soubesse que algum filho estava militando na causa da preservação do
mico-leão-dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha
louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém
mais pode usar a expressão coisa de viado? Que me desculpem os
paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice.
O politicamente correto é a sepultura do humor, da criatividade, da
divertida sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem
duplo sentido), ofensa a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou
leão-de-chácara de baile infantil - de deficiente vertical. O crioulo
- vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser
chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo
total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação. 

A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de
artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno
- é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da
contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço,
chupeta do Vesúvio, “Orca, a baleia assassina” e bujão - é o cidadão
que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de
morto-de-fome, pau-de-virar-tripa e Olívia Palito. O careca não é mais
o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o
Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa
tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também
gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e
2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés
de mandar o juiz pra puta-que-o-pariu e o centroavante pereba tomar no
olho-do-cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de
Beethoven, entremeado pelo coro de “Jesus, Alegria dos Homens”, do
velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais.
O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé-na-cova,
aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do
seguro-funeral, o popular tá-mais-pra-lá-do-que-pra-cá, já tem motivos
para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a
"melhor idade".

Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde.
Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do Pé-Junto.

Luiz Antônio Simas

(Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
e professor de História do ensino médio)

Não deixem de acessar o Portal da Rede Marinho Costeira e Hídrica do
Brasil, para terem informações sobre a realidade nordestina.

http://www.remaatlantico.org/sul/author/suassuna
ENVIADO PELO COLABORADOR ENG. JOÃO SUASSUNA - FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO - UFPE

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