Rio de Janeiro, Brasil, 1/12/2011 – Quase um mês depois de começar o vazamento de petróleo, as autoridades brasileiras ainda não puderam determinar as causas, o volume, a extensão da mancha nem os danos ao ecossistema provocados pela falha em uma das plataformas da empresa norte-americana Chevron, no Oceano Atlântico. Entre contradições e falta de informação, generalizou-se o temor sobre os riscos ambientais que representa explorar as milionárias jazidas de petróleo encontradas na camada pré-sal.
O maior alerta saiu sem querer da mesma boca que está mais interessada em se defender, a própria Chevron, que opera o poço com problemas, localizado a 1.200 metros de profundidade no Campo do Frade, na Bacia de Campos, 370 quilômetros mar adentro, diante da costa do Rio de Janeiro. “Estamos lidando com a Mãe Natureza e ela é complicada”, disse à imprensa o presidente da Chevron para África e América Latina, Ali Moshiri, para justificar o acidente, segundo a Agência Brasil.
No entanto, Leandra Gonçalves, da Campanha Clima e Energia da organização Greenpeace, disse que “os fatos são contraditórios e as informações estão confusas desde que se soube do acidente. A empresa e o governo brasileiro lidaram com a situação com muita falta de transparência”, disse à IPS. “É impossível afirmar que o vazamento já foi contido, como afirma a Chevron”, acrescentou Leandra. “Além disso, a quantidade de petróleo que vazou, apesar de ter sido contido, ainda continua espalhando toxicidade pelo mar. O petróleo do Campo do Frade é do tipo pesado, o que propicia a dispersão”, explicou a ativista.
Segundo o governo federal, a “complexidade geológica” da jazida submarina pode ter contribuído para o acidente, embora a empresa opere no Brasil com “um dos melhores índices de segurança”, em comparação com todas as suas atividades no mundo, segundo funcionários. A pergunta inevitável é o que ocorreria em situações menos seguras. E, sobretudo, quanto mais “complicada” será a Mãe Natureza quando se tratar de extrair o petróleo que fica a sete quilômetros de profundidade, debaixo das camadas de sal do leito marinho.
Essas jazidas são consideradas uma “nova fronteira” de exploração de petróleo, portanto, com maiores desafios e riscos tecnológicos. Trata-se de um reservatório de petróleo e gás situado em lâminas de água de mil a dois mil metros e de quatro mil a seis mil metros debaixo do leito marinho, incluída uma camada de sal que varia de 200 a dois mil metros, em uma extensa área diante da costa brasileira entre os Estados de Santa Catarina e Espírito Santo.
Após a descoberta e posterior pesquisa sobre estas jazidas, as reservas brasileiras comprovadas saltaram de 14 bilhões de barris para 33 bilhões de barris, aos quais se deve somar entre 50 bilhões e 100 bilhões barris possíveis e prováveis. O acidente na plataforma da Chevron “foi um alerta vermelho” sobre os trabalhos futuros nas jazidas pré-sal, disse à imprensa internacional o secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Minc. “Temos que prevenir mais, estudar mais, sermos mais rigorosos e combater a impunidade ambiental”, acrescentou.
O vazamento de petróleo começou no dia 7 de novembro por razões ainda não bem explicadas. A empresa disse que enquanto perfurava um poço houve uma pressão inesperada de petróleo que provocou o vazamento e sua infiltração em fissuras da rocha marinha. Mas a Polícia Federal suspeita que a Chevron poderia estar retirando petróleo além da profundidade permitida. Tampouco há clareza sobre o volume que vazou. A companhia assegurou, no começo, que foram perdidos entre 400 e 650 barris, mas, posteriormente, a projeção subiu para até 2.400 barris.
Também há contradições sobre a extensão da mancha. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) fala sobre 163 quilômetros quadrados, mas esse número deve aumentar dez vezes se forem consideradas as projeções feitas com base em imagens via satélites do geógrafo John Amos, diretor do portal Sky Truth. A ANP decidiu suspender as atividades de perfuração da Chevron no Campo do Frade até que sejam identificadas as causas e os responsáveis pelo vazamento, além de qualificar de “negligente” o comportamento da companhia no Brasil.
Nesse contexto, as autoridades rejeitaram um pedido de perfuração em uma jazida pré-sal, também no Campo do Frade. O Ministério Público e a Polícia Federal estudam o acidente, tanto em suas causas como nos impactos ambientais que acarreta. Os responsáveis pelo desastre podem ser punidos até com pena de prisão, além de aumentar a multa inicial de US$ 28 milhões.
“Este acidente é um alerta, não apenas para a extração atual como também das que serão feitas no pré-sal”, disse à IPS o biólogo Mario Moscatelli. “Se as empresas não estão preparadas para a exploração, especialmente do pré-sal, o poder público tampouco está preparado para fiscalizá-las e exigir a competitividade que a lei estabelece. Estamos em um voo cego e este acidente pode ser seguido por outros”, alertou.
Cerca de 90% das extrações de petróleo no Brasil acontecem mar adentro, e a Petrobras, que compartilha com a Chevron 30% da exploração do Campo do Frade, se converteu em uma referência no desenvolvimento de tecnologia em águas profundas. “É fundamental que as empresas sejam obrigadas a se capacitar tecnicamente, como o poder público, e não chegar à área do desastre depois de ocorrido. É preciso evitá-lo”, alertou Mario.
Por sua vez, Minc defendeu a postura governamental. “Não vejo que este acidente signifique que o Brasil não deva explorar petróleo”, disse. “O que acredito é que este acidente, da maneira como se deu e em águas profundas, deve ser um sinal de alerta para tomar medidas mais duras, prevenir mais e penalizar exemplarmente quem contamina ou esconde informação”, acrescentou.
Depois do acidente do Golfo do México, que em 2010 causou o vazamento de quatro milhões de barris de petróleo, o governo brasileiro e a ANP anunciaram medidas para reforçar a segurança da exploração de petróleo em alto mar, especialmente nas perfurações. Contudo, agora, a própria ANP é alvo do processo de pesquisa por parte do Ministério Público, para determinar as falhas na fiscalização.
A área do desastre é rica em peixes e mamíferos marinhos, e os verdadeiros impactos poderão ser percebidos ao longo dos próximos meses, segundo Leandra, do Greenpeace. “Além disso, o fito e o zoo plâncton contaminados que servem de alimento para presas maiores podem fazer com que a toxicidade aumente nas diversas regiões”, acrescentou.
O acidente acontece quando o Congresso discute uma nova distribuição dos benefícios do petróleo, que diminui o lucro dos Estados produtores, como o Rio de Janeiro. “É a demonstração clara do que significa um dano ambiental em um Estado produtor”, disse o governador Sergio Cabral. Apesar dos riscos, as autoridades federais e estaduais defendem a continuação da exploração nas camadas pré-sal, com as quais o Brasil espera se converter em uma potência petrolífera mundial. Envolverde/IPS