A possibilidade de uma guerra ambiental entre Estados, que poderiam disputar investimentos em troca de mais liberdade a desmatadores, é uma das consequências do projeto de mudança no Código Florestal, proposto pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e em debate na Câmara. A advertência é da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.

A entrevista é de Marta Salomon e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 22-06-2010.

Eis a entrevista.

Há chance de o Código Florestal ser mantido do jeito que está?
Acho que a lei atual tem problemas. E defendo o aperfeiçoamento do código, sim, mas com uma visão de natureza estratégica, e não só trabalhando passivos ambientais associados à agricultura.

A sra. crê ser possível recuperar a vegetação nativa do que foi desmatado de reserva legal e áreas de proteção permanente?
A primeira versão do código é de 1965. O que havia antes deve ser entendido como situação consolidada. Claro que, num debate como esse, vou ter perdas. Há déficit de reserva legal pela lei atual, e terei de aceitar esse déficit, porque não é viável economicamente nem ambientalmente eu remover de topo de morro áreas consolidadas, por exemplo. É um fato, vamos lidar com isso. Senão eu também teria de remover as 350 mil pessoas que moram na favela da Rocinha e plantar vegetação nativa. É tão simples quanto isso.

Quanto desse passivo deve ser tratado não mais como passivo? Há plantações de café de mais de cem anos, claro que isso tem de ser considerado como situação consolidada. É diferente de uma pessoa que desmatou em dezembro de 2007 de forma ilegal. A proposta em debate coloca todos no mesmo patamar. Mas, se vamos ter um corte, então por que não adotar 2001, que foi a última mudança do código? Por que 2008, como propõe o deputado? Quem desmatou com a autorização do Estado não pode ser comparado com aquele que podia desmatar 20% e desmatou 100%. Esse, intencionalmente, feriu a lei.

O projeto como foi apresentado anistiará desmatadores?
Ele sugere anistia. A estratégia do ministério é tentar romper essa polarização entre ambientalistas e ruralistas radicais.

Qual a consequência de desobrigar propriedades de até 4 módulos fiscais de preservar uma parcela dos imóveis, uma das principais propostas de Rebelo?
Vejo insuficiências técnicas na proposta do relator. O dano pode ser muito maior no médio prazo. Temos de dar tratamento diferenciado a propriedades menores e reconhecer que o que acontece na Amazônia é diferente da situação do Sul e do Sudeste, onde a grande concentração fundiária faz com que a área de imóveis abaixo de 4 módulos seja pequena, mas geograficamente concentrada no norte do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, sul de Minas Gerais, agreste e sertão nordestinos. Se o projeto extinguir reserva legal nessas áreas, vão se formar grandes polígonos sem proteção, exatamente nas áreas que foram expostas a sucessivos desmatamentos, comprometendo as reservas de recursos hídricos.

A moratória de cinco anos no desmatamento prevista pelo projeto é suficiente para o País cumprir as metas de redução das emissões de gases do aquecimento global?
Temos milhões de hectares de áreas degradadas. É possível continuar trabalhando com desenvolvimento tecnológico e aumento de produtividade. Mas quem paga essa conta? Ela tem de ser discutida. E não é só com mercado de carbono que se equaciona isso. Na transição para o baixo carbono, o governo tem papel importante. A agricultura brasileira não pode ficar refém de barreiras que serão tratadas no futuro como barreiras não tarifárias. Temos muita gente boa, competente, produzindo de maneira sustentável e de acordo com a lei. E devemos fazer com que aqueles que estão fora da lei sejam colocados dentro da lei. A regularização ambiental é estratégica.

O relatório do deputado aponta as ONGs como peças de um movimento protecionista contra a agropecuária brasileira. O que a sra. diz sobre a atuação delas?
Eu trabalho com ONGs sérias, quer do movimento ambiental quer do movimento social, e não opino sobre questões ideológicas. Acho importante que o deputado possa levantar questões ideológicas. Mas nós temos parcerias sólidas, acho que é preciso separar o joio do trigo. Eu converso com todos, ambientalistas e ruralistas, é minha obrigação. Isso não é briga de dois grupos. Eu não admito a simplificação, eu não admito simplificar o Código Florestal à questão das pererecas e minhocas. Isso é inaceitável.

O que significa transferir para os Estados o poder de dizer o que é área consolidada do agronegócio e qual deve ser a área de proteção às margens dos rios, podendo ser reduzida a 7,5 m?
O projeto veio sem estudos técnicos; é como se os rios nascessem todos com 30, 40, 50 m. Todo rio nasce pequeno e daí a importância de você preservar e proteger as matas ciliares onde você tem as nascentes. Não digo que não pode mexer, mas que não dá para fazer arbitrariamente. Os Estados têm competência de averbar reserva legal desde 98. E não chegam a 20% as propriedades averbadas no País. É competência dos Estados fazer zoneamento econômico ecológico. Outro aspecto: qual é a escala que trabalhamos, qual o custo disso, qual a tecnologia a ser usada, qual a base de informação comum? É um debate que não fica em menos de cinco anos.

Pode significar um “liberou geral”?
Depende. Acho que a descentralização é importante, mas tem de ser acompanhada de condições para que isso aconteça, para evitar que se transforme em critério de competição entre os Estados. “Vem pra cá com seu investimento que sou menos rígido na legislação ambiental, vem pra cá que vou flexibilizar tal coisa.” Isso está na mesa.

A ideia é caminhar para um substitutivo?
O caminho mais razoável não é empurrar com a barriga. O ministério é o primeiro a desejar uma lei de Código Florestal que possa ser cumprida. Mas não é no grito que você faz acordos dentro do Congresso.

Fonte: IHU/SITE ONG CEA - CENTRO ESTUDOS AMBIENTAIS (RS)