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29 de maio de 2013

POSTERGANDO A META DE UNIVERSALIZAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO


     
esgoto ceu aberto

Saneamento: a quem (não) interessa?

Reza a lenda que esgoto é um péssimo negócio para os políticos porque os canos ficam enterrados e ninguém vê.  E ao contrário da água, nada entra na casa do eleitor.  
Será que é essa lógica coronelista que explica porque nem mesmo o lobby do setor industrial ligado ao saneamento consegue fazer com que o acesso a este serviço básico se dissemine no Brasil?  Afinal, este item não conflita com a ultrapassada visão desenvolvimentista que tantos danos tem causado ao meio ambiente em nosso país.  
Investir em saneamento ainda é o caminho mais eficiente para reduzirmos uma infinidade de doenças que sobrecarregam o sistema público de saúde.  Segundo a Organização Mundial de Saúde, a cada R$ 1 investido em saneamento gera uma economia de R$ 4 na saúde.  Liberar recursos para outras frentes de atuação contribuiria para a maior satisfação da população e – bingo! – uma melhor avaliação dos gestores públicos e governantes.  
No entanto, pesquisa do Instituto Trata Brasil mostra que mais da metade das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a construção de redes de coleta e tratamento de esgoto em 18 Estados (65%, para sermos exatos) estavam atrasadas, paralisadas ou nem sequer haviam sido iniciadas até dezembro de 2012.  
Apenas 19 das 112 obras observadas na pesquisa que integram a primeira fase do PAC, que começou em 2007, foram concluídas. E 16 das 26 obras do PAC 2, iniciado em 2010, ainda não foram iniciadas. De acordo com o Instituto, o governo liberou apenas 47% dos recursos destinados ao PAC 1 e 50% do PAC2.  Ainda assim, nem metade das obras deve estar concluída até 2015. No total, estão previstos gastos de R$ 6,1 bilhões nas 138 obras analisadas no estudo.
Estes números mostram que o problema desta vez não é falta de dinheiro.  Mas como os recursos provisionados são liberados conforme as obras são executadas, conclui-se que prefeituras e governos estaduais, que deveriam ser os principais interessados, estão sendo omissos ou incompetentes.  
Deixemos de lado as tradicionais reclamações a respeito das licenças ambientais e encontraremos uma miríade de erros nas licitações e nos projetos.  E quando a falha é descoberta perto do prazo de entrega da obra, o prejuízo é ainda maior, pois implica em refação do trabalho.
É este o cenário por trás da postergação da meta de universalização do saneamento básico, agendada para 2024 e reprogramada para 2033. A revisão dos prazos das obras traz mais que prejuízos financeiros – que são inerentes a qualquer revisão de cronogramas.  Ela traz prejuízos em vidas humanas: segundo o Trata Brasil, sete crianças morrem todos os dias no país, vítimas de diarréias, e mais de 700 mil pessoas são internadas a cada ano nos hospitais públicos por doenças vindas dos esgotos. 
 Dificulta a saída da zona de pobreza da população atingida: estima-se um ganho de 13,3% na produtividade do trabalhador que é alcançado por serviços de esgoto, possibilitando o crescimento de sua renda em igual proporção. E pesquisa Saneamento, Educação, Trabalho e Turismo – Instituto Trata Brasil/FGV mostra que a diferença de aproveitamento escolar entre crianças que têm e não têm acesso ao saneamento básico é de 18%.
Embora ainda seja o Estado mais rico da Federação, São Paulo integra esse cenário desanimador.  No caso da capital, basta uma ida à periferia para encontrarmos amiúde a triste convivência do esgoto a céu aberto com a população. 
De acordo com o Trata Brasil, o valor dos imóveis que contam com acesso à rede de esgoto pode sofrer uma valorização média de até 18%.  Como muitos imóveis de periferia são próprios, falar de saneamento é falar do patrimônio pessoal do trabalhador – que se desvaloriza sem o esgoto e com as enchentes que tantas vezes decorrem de sistemas adequados de condução e tratamento de dejetos.  
Não custa lembrar que, em época de chuva e enchente, é esse esgoto que lotará os postos de saúde e hospitais paulistanos, elevando a demanda por mais recursos para a Defesa Civil, para a saúde e para inúmeros outros serviços.
Nessa equação perversa, permanece a pergunta: afinal, a quem não interessa investir em saneamento?
(*) Marcelo Cardoso é coordenador executivo do Vitae Civilis

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