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19 de abril de 2013

SEMANA DA TERRA: AVE, TERRA DE ARTHUR SOFFIATI


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“....Dizem-me ainda que a legislação ambiental está se tornando cada vez mais leniente para facilitar a implantação de grandes empreendimentos causadores de intoleráveis impactos socioambientais. É verdade. A legislação ambiental já foi mais exigente, embora sempre fosse possível burlá-la. Agora, para aparentar legalidade ao que é ilegal, o Estado vem flexibilizando a legislação. Os grandes empreendimentos podem ser legais, mas não são legítimos. As leis concebidas numa economia capitalista neoliberal ou estatal não respeitam os limites da natureza. É preciso conhecer limites e respeitá-los. ..”
“...Há colegas universitários que me dizem ser inútil lutar contra as forças de destruição. Melhor aliar-se a elas e tirar algum proveito, como, por exemplo, conseguir financiamento para pesquisas ou para a instituição em que trabalhamos, tentam eles me convencer. Não gosto dessa postura. Não posso adotar a atitude do observador que acompanha impassível o processo de destruição e o transforma em artigos para publicação e para engordar currículo. Não sou rico, mas ganho o suficiente para não precisar de grupos empresariais. Se depender de mim, morro na miséria, mas não procuro ajuda dos agentes da destruição nem abandono meu senso crítico...”

Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 31 de março de 2013
Ave, Terra
Por Arthur Soffiati*
         Amo o planeta em que vivo, e, por mim, seria imortal para amá-lo e cuidar dele sempre. Esta é uma das razões para eu não me preocupar muito com a imortalidade da alma, com a reencarnação ou a ressurreição, com julgamentos finais e salvação ou condenação. Respeito muito as religiões sérias, mas me declaro agnóstico.
         Meu sentimento com o planeta se assemelha ao dos povos arcaicos, que viviam contentes com esse mundo, embora acreditando noutro perto dele, que não cultivavam utopias e a vinda de dias melhores. O momento bom era o vivido e não o esperado. A natureza era sagrada e protegida por entidades sobrenaturais. Substituí essas entidades por uma postura ética diante da natureza. Entendo que nós brotamos dela e dela fazemos parte. Respeitar o ser humano pressupõe respeitar a natureza.
         Por um acaso inexplicável, nasci num tempo errado. Infelizmente, a civilização ocidental, capitalista e global está em conflito com a natureza há 500 anos. Sei que a vitória final será da natureza, mas muito se perderá das condições ambientais do Holoceno, época geológica da Terra em vigor há dez mil anos.
         Há colegas universitários que me dizem ser inútil lutar contra as forças de destruição. Melhor aliar-se a elas e tirar algum proveito, como, por exemplo, conseguir financiamento para pesquisas ou para a instituição em que trabalhamos, tentam eles me convencer. Não gosto dessa postura. Não posso adotar a atitude do observador que acompanha impassível o processo de destruição e o transforma em artigos para publicação e para engordar currículo. Não sou rico, mas ganho o suficiente para não precisar de grupos empresariais. Se depender de mim, morro na miséria, mas não procuro ajuda dos agentes da destruição nem abandono meu senso crítico.
         Há quem me diga, também, que só há salvação nas unidades de conservação. Normalmente, esta concepção vem de pessoas que trabalham nos órgãos governamentais responsáveis por processos de licenciamento. Segundo elas, não é possível deter a gula dos empresários. Afinal, eles apenas fazem o jogo das forças internacionais. Um empresário precisa competir com outro. Cada país está disputando mercado com outros. O Brasil precisa crescer e o Estado deve montar a infraestrutura para tal crescimento. Não se pode proteger o ambiente diante de tamanho ímpeto. O Estado não só licencia, como também convida os grandes empreendimentos a se instalar no seu território, oferecendo-lhes facilidades, mesmo que as agressões socioambientais sejam profundas e irreversíveis.
         Esta concepção conservacionista extremista supera em muito o conservacionismo da década de 1950, bem expresso pela Fundação Brasileira de Conservação da Natureza, que reuniu tantos nomes ilustres. Esse conservacionismo defendia ardorosamente a criação de unidades de conservação, mas também o uso judicioso dos recursos naturais fora delas. O novo conservacionismo defende as unidades de conservação financiadas pela iniciativa privada como forma de autorizar as empresas a praticarem a destruição fora delas. Já que a população não pode se mudar para as unidades de conservação, cabe a pergunta de como será a vida no exterior delas. Certamente que infernal.
         Dizem-me ainda que a legislação ambiental está se tornando cada vez mais leniente para facilitar a implantação de grandes empreendimentos causadores de intoleráveis impactos socioambientais. É verdade. A legislação ambiental já foi mais exigente, embora sempre fosse possível burlá-la. Agora, para aparentar legalidade ao que é ilegal, o Estado vem flexibilizando a legislação. Os grandes empreendimentos podem ser legais, mas não são legítimos. As leis concebidas numa economia capitalista neoliberal ou estatal não respeitam os limites da natureza. É preciso conhecer limites e respeitá-los.
Um empreendimento como o complexo industrial portuário do Açu não reconhece limites e conta com o aplauso da grande maioria da população, que ainda confunde grandes dimensões com desenvolvimento. Conta também com o apoio dos governos municipais, que rastejam a seus pés suplicando benefícios. Os governos estadual e federal consideram-no estratégico para o desenvolvimento do Brasil e abrem generosas linhas de crédito para financiá-lo.
Como gosto deste mundo, é natural que eu sofra com sua destruição. Caminhamos para o recrudescimento da crise ambiental planetária, que levará a colossais desastres socioambientais, já que a Terra tem limites. Mas ela sobrevirá e expelirá seus agressores. Pena que não estarei vivo para assistir ao advento de um novo renascer. Todavia, advirto que não me renderei diante das poderosas forças de destruição.
Arthur Soffiati* é doutor em História Social com concentração em História Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor aposentado da Universidade Federal Fluminense, integra o Núcleo de Estudos Socioambientais da mesma universidade. Publicou dez livros, além de vários capítulos de livros, de artigos em revistas especializadas e de artigos jornalísticos semanais.

ENVIADO PELA COLABORADORA ECONOMISTA PROFª AMYRA EL KHALILI - SP
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