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16 de março de 2009

UMA HISTÓRIA VERDADEIRA QUE ACONTECE POR TODO O PAÍS

Rio Muriaé Margeando o Calçadão da Av, JK na enchente de 10/01/2007

Quatro cenários para Três Vendas (I)

16/3/2009
Por Arthur Soffiati*

Não importa o nome do lugar. O que importa, por enquanto, é a situação. Imaginemos um rio que atravessa um terreno com áreas planas e com colinas, havendo, em suas margens, lagoas que dependem das oscilações do nível d’água. Nas cheias, as águas do rio transbordam e ocupam as partes planas, que chamamos de várzeas, e as lagoas marginais. Essas várzeas funcionam como áreas de escape. Ao se alastrarem pelas planuras, elas reduzem o ímpeto das cheias acima e abaixo do rio. Na estiagem, o nível do rio abaixa e as águas acumuladas nas várzeas descem lentamente.

Coloquemos, agora, nesta paisagem, uma ferrovia ou uma rodovia que acompanha a margem do rio sem passagem para a água de cheia ou com sistemas subdimensionados de circulação hídrica. Quando o rio encher, as águas transbordantes serão barradas pela estrada ou alcançarão o outro lado da via, por manilhas ou pontilhões, com dificuldade. Assim, a água do rio será obrigada a correr em seu leito torrencialmente. Há, ainda, duas outras alternativas: a água ultrapassa a estrada ou sua força a arrebenta, buscando seu leito de cheia original.

Acrescentemos uma lavoura de cana como um novo elemento nas várzeas. Ela se desenvolve bem nos solos fertilizados pelo rio no período da estiagem, mas, nas cheias, as águas inundam as margens e afogam o canavial até a estrada. Se estas ultrapassarem a via ou a romperem, o canavial será afogado também na parte aparentemente protegida pela estrada-dique. Para tentar impedir o avanço das águas, será preciso construir diques nas margens do rio. Contudo, estes também podem ser ultrapassados ou rompidos pelas águas de cheia.

O último elemento a entrar em cena é um povoado na várzea, situado, em tese, no lado protegido pela estrada. Ele começa com poucas casas e vai crescendo, inclusive com apoio do poder público ou mesmo pela iniciativa direta dele. Em artigo recente, o Deputado Federal Fernando Gabeira intitulou de "nova fisionomia do humanismo" - de direita ou de esquerda - a permissão de construir ou a construção de casas para pessoas de baixa renda em áreas de risco. Quando chega a estação das chuvas, os transbordamentos podem ficar retidos nos limites dos diques marginais, mas podem também ultrapassá-los ou rompê-los e atingir a estrada. Podem ser contidos por esta ou ultrapassá-la ou, ainda, rompê-la.

Dando nome aos bois, agora, o rio é o Muriaé, último afluente do Rio Paraíba do Sul. O terreno cortado por ele são as barreiras, com várzeas e colinas. As principais lagoas associadas ao rio são as da Onça, do Coqueiro, do Lameiro, da Boa Vista (ou do Maranhão) e Limpa. Já entrando no Rio Paraíba do Sul, encontramos, na mesma situação, as Lagoas do Jacu, do Cantagalo e das Pedras. As da Onça e da Boa Vista foram totalmente drenadas para o cultivo de cana. A do Cantagalo também foi seca e está sendo ocupada por pessoas de baixa renda com o beneplácito da prefeitura. Em resumo, as lagoas deixaram de ajudar a absorver água das cheias por terem sido bloqueadas para interesse da cana.

A primeira estrada foi a ferrovia Carangola, hoje desativada e substituída pela rodovia BR-356, uma verdadeira enciclopédia de erros ambientais, como, de resto, acontece com todas as rodovias brasileiras. Os canaviais, em grande parte, são implantados nas várzeas. Se o rio destruir os diques em suas margens, os prejuízos são grandes. Se ultrapassar ou romper a estrada BR-356, maiores ainda.

O povoado chama-se Três Vendas, que começou com algumas casas e hoje tem cerca de quinhentas, numa sensível área e risco. Se o processo natural (será que, com o aquecimento global, podemos considerá-lo natural?) agir de maneira extrema, acontecerá a seguinte sucessão: chuvas abundantes em toda a bacia ou em grande parte dela correrão para os rios e se concentrarão no rio principal, no caso, o Muriaé. As águas impetuosas destruirão os diques e se alastrarão nas várzeas, afogando os canaviais, até colidirem com a estrada, que primeiro será ultrapassada e depois destruída em um ou mais pontos. Indo adiante, elas podem alagar as lagoas barradas ainda com água ou totalmente drenadas.

Assim, o rio, contra tudo e contra todos, ocupa o seu leito maior original. Como a maioria das pessoas não tem este conhecimento histórico, entende que o rio está invadindo o que não lhe pertence, quando, na verdade, a invasão foi perpetrada pela arrogância humana de ricos e pobres com estradas, canaviais, diques, comportas e núcleos urbanos.

Com as chuvas de dezembro de 2008, o evento de cheia não chegou ao nível extremo. As águas romperam o dique e rumaram para a BR-356, que foi ultrapassada por elas e atingiram Três Vendas. Represadas pela rodovia, com um sistema insuficiente e abandonado de drenagem, as águas alagaram a localidade e desabrigaram e desalojaram sua população. Em caráter emergencial, entendeu acertadamente o Promotor de Justiça Marcelo Lessa, com aval do Departamento Nacional de Infra-estrutura, que a solução era romper a estrada a fim de que as águas represadas e poluídas voltassem ao rio. Em caráter permanente, contudo, devemos pensar em quatro cenários, a serem analisados no próximo texto, que o leitor poderá usar para refletir junto com este articulista.

Fonte: Redação do Portal do Meio Ambiente.

*Conheça o Prof. Aristides Arthur Sofiatti Netto - clique aqui

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