Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos*
Nestas últimas semanas, trazida por manifestações de autoridades públicas e privadas, e com intensa repercussão nas mídias todas, vem recrudescendo na sociedade paulista a tese que aponta o lixo urbano irregularmente lançado como o fator responsável maior por nossas enchentes.
É uma tese perigosa e errada que, ao espertamente jogar à população, por conseqüência de uma sua eventual falta de educação, a culpa pelas enchentes, desvia o foco das atenções, subtrai a importância das verdadeiras maiores causas e alivia a responsabilidade dos seguidos governos que não as atacaram devidamente.
Fundamentalmente as enchentes são explicadas pelo afluxo de um enorme volume de água em um tempo cada vez menor para as drenagens construídas (bueiros, galerias, canais...) e naturais (córregos, rios) que progressivamente já não são mais capazes de lhes dar a devida vazão.
Esse aumento do volume de água e a redução do tempo em que chega às drenagens são promovidos essencialmente pela impermeabilização do solo urbano e pela cultura de canalização e retificação de drenagens.
Ou se ataca essa questão, através de medidas que recuperem ao máximo a capacidade de retenção e infiltração das águas de chuva (pequenos reservatórios domésticos e empresariais, calçadas, valetas e pátios drenantes, bosques florestados e arborização intensa, etc,), ou nunca nos livraremos do flagelo das enchentes.
As obras de alargamento e aprofundamento das calhas de nossos rios principais são necessárias, mas a realidade mostra que são insuficientes e já se aproximam de seu limite de benefícios.
O lixo? Claro que o lixo é um fator complicante. Mas seus efeitos principais são para um tipo de enchente muito localizado, junto às proximidades de um bueiro ou em uma situação que exija o funcionamento de bombas de sucção, por exemplo.
Vejam que nas cenas televisadas de enchentes é muito mais comum ver-se água jorrando dos bueiros e bocas de lobo do que sendo impedida de entrar. Essas águas que jorram são o retorno das águas para as quais as galerias e córregos não conseguem dar a devida vazão.
Por outro lado, é sabido que o intenso assoreamento (entulhamento) do sistema de drenagem (que impõe a necessidade das milionárias operações de desassoreamento) constitui hoje um importantíssimo fator de redução da capacidade de vazão dessas drenagens. Pois bem, do volume total do material de assoreamento 95% são constituídos por sedimentos provenientes dos processos erosivos nas frentes de expansão das cidades, e apenas 5% são constituídos por lixo urbano e entulho de construção civil.
Por outro lado, nem todo o lixo disperso nas drenagens da cidade é proveniente do ato deseducado de se lançá-lo irregularmente, há problemas ainda bem sérios de deficiências de recolhimento do lixo doméstico, especialmente em áreas habitacionais irregulares de baixíssima renda situadas em fundos de vale e áreas de risco.
Enfim, o sucesso de um programa de combate às enchentes exige, antes de mais nada, a compreensão exata de toda a dinâmica do fenômeno, assim como a corajosa decisão das autoridades públicas e privadas em assumir suas intrínsecas responsabilidades. O que não condiz com a comodidade de se jogar às costas da população a culpa pelos problemas.
*Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
• Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
• Titulação: Pesquisador V Sênior pelo IPT
• Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”
• Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
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