Um bom exemplo disso é o que está acontecendo em Cabrobó, nas margens do rio São Francisco. É ali que começa o chamado Eixo Norte, um canal de 402 quilômetros que cortará os Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Os números mais recentes apontam que mais da metade dos canais desse eixo estão concluídos.
O Batalhão do Exército, que executa as obras do canal de aproximação, trecho de dois quilômetros que vai acessar as águas do rio, está com 75% de seu trabalho pronto e a previsão é de entregar toda a obra até dezembro. A oito quilômetros dali, a barragem de Tucutu, a primeira do Eixo Norte - que também é executada pela equipe de engenharia militar - já atingiu 75% de execução e será entregue no fim do ano.
A conclusão dessas obras, no entanto, em nada acelera o processo, uma vez que, no meio do caminho, o local que vai receber a primeira estação de bombeamento, ainda é uma montanha de terra e pedras. A obra da estação sequer foi licitada. "Esse é o calcanhar de aquiles desse projeto", diz o coronel Marcelo Guedon, comandante do batalhão que atua nas obras do Eixo Norte. "Vamos cumprir o prazo de nossas obras, que é nosso trabalho aqui, mas a verdade é que, sem essa primeira estação de bombeamento, o eixo não poderá funcionar."
O mais preocupante é o tempo previsto para dar fim a esse nó. Pelos cálculos do Exército, a construção da estação de bombeamento levará cerca de 36 meses para ficar pronta. Isso significa que, na melhor das hipóteses, se as obras começassem hoje, o Eixo Norte só entraria em operação no primeiro semestre de 2014. "A construção dos canais começou há quase quatro anos. Veja que essa estrutura está exposta todo esse tempo a sol forte, com pressão do solo e sem tratamento adequado", diz o especialista em recursos hídricos João Abner Guimarães Júnior, doutor em recursos hídricos da Universidade Federal do Rio Grande de Norte e membro do grupo de trabalho do São Francisco. "Já não há a menor dúvida de que muitos dos trechos entregues terão de ser reformados, porque a obra simplesmente não cumpriu seu cronograma", diz.
O Ministério da Integração Nacional, responsável pela obra, reconhece o problema. Tanto que se preveniu. Segundo Augusto Wagner Padilha Martins, secretário de Infraestrutura Hídrica, o governo já trabalhava com esse risco e, por isso, incluiu nos contratos com as empreiteiras uma cláusula que prevê a reforma de canais desgastados enquanto o projeto não começar a funcionar. O ministério não detalhou qual é o prazo de validade desse serviços.
O desajuste no calendário das obras da transposição não é resultado de falta de atenção do governo, mas de sua dificuldade em agilizar o andamento das obras. A construção da estação de Cabrobó chegou a ser licitada em 2008 e, ainda naquele ano, o governo liberou para as empreiteiras a ordem de serviço para a obra. No início de 2009, porém, as construtoras LJA e Ebisa, que tinham assinado um contrato de R$ 97,6 milhões para a instalação da estação do eixo, alegaram dificuldades técnicas e financeiras. O governo endureceu e não quis renegociar o valor do contrato, que acabou rescindido. Na época, a Camargo Corrêa também chegou a desistir das obras.
Segundo Martins, a licitação da estação de bombeamento em Cabrobó será feita em abril. Apesar do tempo médio de três anos previstos para a obra ser concluída, ele acha que há possibilidade de encurtar esse prazo para até 24 meses, o que daria possibilidade de o Eixo Norte ser entregue em 2013.
Ao todo serão construídas três estações de bombeamento de água no Eixo Norte e seis no Eixo Leste, canal de 220 quilômetros que avançará entre Pernambuco e Paraíba. O orçamento total estimado para as obras da transposição também tem sofrido mudanças. No início deste mês o governo admitiu que o custo inicialmente previsto, de R$ 5 bilhões, poderá chegar a R$ 7 bilhões. O balanço mais recente das obras, divulgado no fim do ano passado, aponta que, entre 2007 e 2010, foram investidos R$ 2,1 bilhões.
Os lotes 1 e 2 do Eixo Norte - de um total de oito - e toda a extensão do Eixo Leste, segundo os dados oficiais, atingiram em dezembro 80% de sua execução.
A complexidade da transposição não se restringe às estações de bombeamento. O sistema completo será apoiado pela construção de 36 barragens, 17 aquedutos, sete túneis, 63 pontes, 35 passarelas e 165 tomadas de água. Nas estações de bombeamento, subestações de energia serão construídas para fazer com que a água suba montanha acima, em lances de 35,60 metros de altura. A utilização das barragens vai permitir que, diariamente, esse sistema de bombeamento seja desligado por três ou quatro horas, para manutenção e economia de energia.
No Eixo Leste, no município de Floresta, o Exército corre contra o relógio para concluir o trecho de ligação com o rio, onde um canal de seis quilômetros avança sobre a barragem de Itaparica. Ali, ao contrário do que se vê em Cabrobó, as obras da estação de bombeamento já estão em fase avançada e os primeiros tubos de conexão que se ligarão às turbinas começaram a ser instalados na semana passada. "Já concluímos nossa barragem, que receberá as águas nesse trecho inicial", diz o tenente-coronel André Ferreira de Souza, comandante do batalhão responsável pelas obras de aproximação do Eixo Leste. "Acredito que, até início do ano que vem, também entregaremos o canal de chegada até o rio."
A inauguração do Eixo Leste era um sonho alimentado pelo ex-presidente Lula. O plano original previa que as águas desse eixo começariam a atingir o agreste pernambucano no segundo semestre de 2010. Para o Eixo Norte, trabalhava-se com um prazo até 2012.
"Esses atrasos tendem a se ampliar porque esse projeto começou a ser feito de trás para frente", diz o especialista João Abner Guimarães Júnior. "Para que o projeto se tornasse irreversível, o governo correu com os canais, mas a verdade é que ainda há um trabalho muito duro pela frente."
A água da transposição não será conduzida apenas por canais. Serão utilizados, também, os leitos dos rios Salgado, Jaguaribe, Apodi e Piranhas-Açu. Faço as seguintes perguntas: Não haveria infiltração nos leitos desses rios? Por que haveria diferença significativa entre a capacidade de infiltração dos canais escavados no solo e a dos leitos dos rios intermitentes? Na realidade, a perda por infiltração nos canais, se simplesmente escavados no solo, será muito inferior à perda esperada por evaporação.
ResponderExcluirO projeto prevê a distribuição de 2,5 m3/s de água à população difusa nas proximidades dos canais, por meio de 400 chafarizes públicos, o que poderá acarretar um grande aumento populacional, sendo esperado o surgimento de novas cidades. A pequena infiltração ao longo dos canais será um grande benefício para essa população, pois poderá ensejar a perfuração de poços artesianos que funcionem durante todo o ano. Quando as condições em Sobradinho permitirem vazão maior de bombeamento, essa infiltração será mais intensa, fortalecendo o reservatório subterrâneo.
Em anos úmidos, será utilizada a vazão fornecida pela própria sinergia hídrica, limitando-se a transposição à vazão suficiente ao abastecimento da população difusa nas proximidades dos canais. Durante o período de estiagem, em que os canais terão menor vazão, essa poderá ser reforçada pela percolação de água do reservatório subterrâneo, sempre que seu nível for superior ao nível do canal.
O uso de canais concretados vai à contramão da atual tendência mundial. A canalização de rios e córregos, feita em cidades da Europa há mais de meio século, com o objetivo de proteção contra as enchentes que ocorriam regularmente, não deu certo. A canalização aumenta a velocidade da água (e, consequentemente, o seu poder de destruição a jusante), propicia a ocupação e a utilização de áreas sujeitas a inundação, além de exterminar peixes, pássaros e a vegetação dos rios e das baixadas. Hoje, na Europa, a maior parte dos rios e córregos está sendo revitalizada, ou seja, as canalizações estão sendo desfeitas e devolvidas as curvas originais dos rios para diminuir as enchentes e criar condições de vida no curso de água, trazendo o peixe de volta.
Para a construção dos canais, sejam de concreto, sejam simplesmente escavados no solo, é imprescindível a derrubada da mata. O plantio de mata ciliar às margens do canal compensará, em parte, a perda de vegetação. Se os canais forem simplesmente escavados no solo, essa vegetação servirá como mata ciliar, retendo parte da água de chuva, que se infiltrará em maior quantidade no subsolo. Se os canais forem concretados, não haverá qualquer interação entre canais e vegetação.
O concreto dos canais, sujeito a variação de temperatura ao longo do dia (altas temperaturas de dia e baixas temperaturas à noite) tenderão a se romper. Os drenos ou bueiros, quando entupirem, também exercerão pressão sobre a superfície de concreto, provocando seu rompimento. Isso já vem ocorrendo antes mesmo do sistema entrar em operação. Depois que entrar em operação, para a recuperação da camada de concreto, será necessária a paralisação do bombeamento.
Quando o sistema operacional estiver paralisado por qualquer razão, será inevitável a formação de poças de água sobre os canais. Tais poças certamente provocarão a proliferação de mosquitos, incluindo o mosquito da dengue, cujo período de incubação do ovo é de apenas três dias, período que poderá ser insuficiente para a reentrada do sistema em operação. Será um absurdo que, a par de uma grande campanha contra a dengue desenvolvida pelo Ministério da Saúde, uma obra de outro ministério possa ser responsável pela disseminação dessa doença.
Caro Paulo Afonso,
ResponderExcluirMuito pertinentes e interessantes suas considerações e ponderações.
Não sendo um especialista em hidrologia e conhecendo superficialmente o projeto da Transposição do Rio São Francisco, vou postar seu comentário na próxima semana, no Blog, e enviá-lo para os especialistas dos semi-árido para que possam dar as respostas necessárias ou até mesmo abrir debates nos fóruns específicos.
Gostaria de saber mais sobre o amigo,sua formação e de onde é, links de algum site ou blog e se possível,até mesmo uma foto sua,para ilustrar o seu artigo.
Obrigado e abrçs,
Prof. Jarmuth