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14 de maio de 2010

Novas barragens, velhas violações - Rio São Francisco


Maria Eunice Santos lava as roupas da família.


Construção das usinas de Riacho Seco e Pedra Branca, no rio São Francisco, copia exemplos antigos e ameaça expulsar mais de 20 mil pessoas da região.

27/04/2010

Patrícia Benvenuti
de Curaçá (BA)

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/novas-barragens-velhas-violacoes/view



É com a água do rio São Francisco que Maria Eunice Santos lava as roupas da família. Sob o sol forte do sertão, a agricultora de 51 anos esfrega bem as peças, lavadas uma a uma sobre as pedras da margem.



Situada a 400 metros da beira do rio, a comunidade Ferrete, em Curaçá (BA), não tem água encanada, e os moradores recorrem todos os dias ao Velho Chico para suprir as necessidades de abastecimento.



A água que nunca chegou nas torneiras, porém, pode agora engolir todo o povoado. Até o final deste ano, o governo federal, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pretende iniciar a construção da hidrelétrica de Riacho Seco, que inundará toda a área de Ferrete e da comunidade vizinha, Fazenda do Meio.



Para a mesma região, além de Riacho Seco, está prevista a barragem de Pedra Branca, ainda sem data para implantação. Serão apenas 20 quilômetros de distância entre as duas usinas que, juntas, atingirão as cidades de Curaçá e Juazeiro, na Bahia, e os municípios pernambucanos de Orocó, Santa Maria da Boa Vista, Lagoa Grande e Petrolina, alagando comunidades, ilhas e assentamentos.



De acordo com movimentos sociais, as obras devem desalojar 20 mil pessoas, entre pescadores, ribeirinhos, quilombolas e indígenas do submédio do rio São Francisco.
Informações, até agora, há poucas para os habitantes de Ferrete. O que predomina é o medo de sair da terra já conhecida. “A gente tem medo de sair porque, se sair, vai morar onde?”, questiona Dona Maria Eunice.

Fraude
Também morador de Ferrete, o integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) João Teles confirma que todas as comunidades da região estão carentes de informação sobre os projetos.



No dia 25 de março, depois de uma mobilização que reivindicava sua suspensão, representantes das futuras áreas atingidas obtiveram uma audiência com a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) – responsável pelos empreendimentos, juntamente com as empreiteiras Odebrecht e Engevix. No encontro, entretanto, a empresa não forneceu mais detalhes sobre as obras e garantiu que não abre mão delas.



Antes do encontro, o único contato direto que havia sido feito com a comunidade de Ferrete deu-se durante a elaboração dos estudos para implantação da usina. Na época, técnicos da Chesf foram à comunidade fazer o cadastramento das famílias.

Manipulação
O levantamento realizado pela companhia, no entanto, é descrito por Teles como fraudulento. De acordo com ele, não foram coletadas informações de todas as famílias, o que pode encobrir o verdadeiro número de pessoas afetadas.


“Os cadastros foram feitos em três ou quatro casas e tiraram base para todas as outras", acusa Teles, que destaca também outras manipulações: "Diziam, no cadastro, que as comunidades estavam de acordo, e era mentira”.


A suspeita de fraudes nos estudos feitos pela Chesf motivaram, em março de 2009, uma ação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que recomendou à empresa que respeitasse normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) durante todas as etapas de construção das barragens. O MPPE indicou, além disso, a realização de audiências públicas para debater os impactos causados pelas obras.


Depois das pesquisas domiciliares, a Chesf planeja retornar às comunidades para ministrar oficinas que funcionarão, na prática, como encontros entre seus representantes e moradores, a fim de explicar mais sobre o projeto de Riacho Seco.


Antes de debatê-lo, porém, Teles avalia que as atividades servirão para legitimar informações que continuam equivocadas. “A Chesf está mandando essas pessoas para dizer que sentaram com a comunidade e que ela está de acordo”, explica.


Além da ocultação de informações sobre as famílias nos relatórios, o MAB acusa a Chesf de esconder outros impactos, como a possibilidade de inundação de toda a cidade de Curaçá em função da barragem.


Também não foram citadas nos estudos as famílias do município de Riacho Seco que, por estarem a dois quilômetros do local do reservatório, receberão água contaminada por causa dos explosivos usados nas construção e terão suas casas atingidas.


Promessas

De acordo com Teles, cerca de 90% dos moradores da comunidade são contrários às barragens. Os que continuam favoráveis estão esperançosos de que as usinas tragam desenvolvimento, empregos e melhoria para a região, tese que é contestada pelo integrante do MAB.


“Muitas pessoas estão sendo enganadas e pensam em trabalhar. Mas o emprego pode vir agora, na construção. E depois, quem vai garantir emprego para esse povo?”, pergunta.


Ele recorre ao exemplo de comunidades próximas, que foram impactadas por grandes hidrelétricas e nunca viram as promessas se concretizarem. “Já vieram dizer [a Chesf] que vai ter escola boa para as pessoas. Mas, em relação a outras comunidades atingidas, a gente não vê melhorias. Sobradinho é uma realidade. A infraestrutura é muito pobre, e a questão da educação não melhorou nada (leia matéria nesta página). Por que aqui vai ser melhor?”, indaga.


Perda

A concretização de Riacho Seco e Pedra Branca deverá resultar também, segundo os movimentos sociais, na expulsão do trabalhador do campo, em direção às cidades. Para o integrante do MAB, a mudança trará riscos à sobrevivência das famílias, que hoje tiram sustento da agricultura familiar e da pesca. “Hoje, somos agricultores, e quem trabalha na agricultura não tem condições de trabalhar em supermercado, banco ou fábrica. É muito difícil”, analisa.

A saída das comunidades acarretaria, ainda, a perda da identidade e da cultura das populações tradicionais. “Tem pessoas que vivem aqui há mais de 30 anos. É uma raiz que está plantada e, se você sai, perde tudo”, afirma.

Histórias que podem se perder, como a do ribeirinho Antonio Medrado da Costa. Perto de completar 70 anos, ele lamenta a possibilidade de deixar a convivência direta com o rio São Francisco.


"O rio São Francisco é uma riqueza para nós e vai ser difícil [sair], porque a gente pega peixe do rio para sobreviver”, explica Seu Antonio. “É melhoria pra uns e piora pra outros”, conclui.

(Fotos de Luca Barreto / Canal 03)

Enviado pelo colaborador João Suassuna — Rema Atlântico- 12/05/2010


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